Mas, ao mesmo tempo, paradoxalmente, perderam a guerra antes que ela comece. Perderam a guerra do ponto de vista moral e do ponto de vista político. Do ponto de vista moral, porque não há um elemento objetivo consistente que a justifique. Do ponto de vista político, porque a maioria da opinião pública mundial e um grande número de países são contra a guerra. A guerra sofre forte oposição até mesmo dentro dos Estados Unidos e de seu principal aliado, a Inglaterra.

As manifestações pacifistas simultâneas em várias cidades do mundo revelam o advento definitivo de um novo fator de poder: opinião pública mundial. O que configurou este novo fenômeno é a velocidade e a instantaneidade das comunicações e, principalmente, a existência de formas de comunicação direta entre as pessoas, sem o controle do poder político ou econômico. O principal instrumento dessa comunicação direta entre pessoas e grupos é a internet. Foi através da internet que ocorreu a articulação das manifestações pacifistas simultâneas pelo mundo todo.

Num mundo globalizado, a opinião pública mundial deverá adquirir um peso relativo crescente na indução de definições governamentais, seja em países periféricos ou seja em países que detêm liderança mundial, como Estados Unidos, Europa, Rússia, etc. A opinião pública mundial tenderá a ser um fator de refreamento de ações de arbitrárias, ditatoriais e impositivas de governos. Agir à revelia do aval da opinião pública mundial representará uma ação sem sustentação de legitimidade.

É o que pretendem fazer os Estados Unidos e a Inglaterra ao quererem levar a efeito, a qualquer custo, uma guerra contra o Iraque. Essa obsessão vem provocando uma crise sem precedentes do sistema internacional que surgiu com o fim da II Guerra Mundial. Sistema que tem na ONU sua configuração institucional. Esse sistema e a ONU tendem a desmoralizar-se diante de duas possibilidades: 1) se os Estados Unidos e a Inglaterra fizerem a guerra sem o aval do Conselho de Segurança da ONU; 2) o Conselho de Segurança da ONU, que tem inspetores no Iraque e que produzem relatórios indicando a desnecessidade da violência, der seu aval à guerra por pressão dos Estados Unidos.

Garantir a paz, nessas circunstâncias, não é apenas um gesto pacifista e humanitário. Representa também a tentativa de preservar o que resta do combalido sistema internacional centrado na ONU. Se ele for preservado, será possível reconstruí-lo em termos mais democráticos, levando em conta o pluralismo de modelos políticos, de culturas e de civilizações. Se ele for destruído pela força da guerra, a nova ordem que deverá sobrevir será fundada na força e no unilateralismo dos Estados Unidos, caso vençam militar- mente a guerra e imponham seus interesses ao mundo.

O que estimula Bush e os Estados Unidos rumo à guerra são, basicamente, duas motivações. A primeira, é um ajuste de contas com o Iraque e tem como pano de fundo o domínio de uma das mais importantes fontes de petróleo do mundo. A segunda, diz respeito à pretensão dos Estados Unidos de fundar uma nova ordem mundial baseada num modelo unipolar e imperial, na qual, eles se tornariam a potência dominante. Com a conquista do Iraque, os Estados Unidos pretendem adquirir o direito moral de remodelar todo o mundo árabe-muçulmano.

O governo brasileiro vem agindo corretamente ao opor-se à utilização da guerra para solucionar o conflito com o Iraque. Não se trata de não reconhecer a necessidade de desarmar aquele país e de impedir que ele se torne uma ameaça à paz na região. Mas existem mecanismos de pressão e de fiscalização que não a guerra, capazes de atingir esses objetivos.

Por outro lado, com a guerra, o Brasil tem muito a perder. Perde porque a economia mundial entrará em recessão, porque o preço do petróleo aumenta gerando inflação e desemprego e porque o Brasil deixa de realizar a oportunidade de expandir seu comércio com os países da região do Oriente Médio. O Brasil vive um momento em que depende muito do incremento do comércio exterior para estabilizar suas contas externas e baixar a taxa de juros. O mundo árabe vem revelando um enorme potencial para a expansão das exportações brasileiras. A guerra pode atrasar ou até mesmo arruinar esse esforço correto dos exportadores e do governo.

Lutar contra a guerra é um imperativo de ordem moral e de ordem material, pois envolve princípios e interesses. É verdade que muitas das nações têm interesses envolvidos na luta pela paz. Mas a paz também se tornou uma causa comum da humanidade. Por isso, o PT, junto com outros partidos e entidades da sociedade civil deve tomar iniciativas mais incisivas de condenação da guerra.

*José Genoino é presidente nacional do PT.

EDIÇÃO 68, FEV/MAR/ABR, 2003, PÁGINAS 54