John e Mohamed habitavam a mesma rua. Eram, na realidade visinhos de casa, compravam no mesmo mercadinho, na mesma farmácia e na mesma padaria. Pessoas assim têm tudo para serem bons amigos. Certo? Errado! Pelo menos neste caso. Os dois não se suportavam. Tudo era motivo para briga.

      O John é um tipo arrogante, pretensioso e mandão. Tem uma estranha mania de querer mandar na casa dos outros. Vive com um chiclete na boca e até hoje acredita que a capital brasileira é Buenos Aires. Acha que inventamos o mambo e nunca ouviu falar em Tom Jobim.

      Já Mohamed é um sujeito calado, meticuloso. No aniversário de um ano do seu filho ele deu uma réplica perfeita de uma arma AR 70/90, defende sua casa com unhas e dentes e durante as festas de fim de ano é sempre o vencedor do campeonato de pirotecnia de sua cidade.

      Foi por conta das manias de John que tudo começou. Por Mohamed gostar de fogos, ele encucou que seu visinho mantinha em sua residência algum tipo de arma de fogo. Isto se tornou uma obsessão.

      – Você ter em casa bomba verdade.

      – Mohamed não ter bomba. Mohamed não ser louca. Eu querer que esta bosta elétrica caia na minha cabeça se Mohamed estiver mentir.

      – Você mentir good.

      – Não mentir, por ala.

      E assim o clima foi esquentando. John, do seu quintal com uma colher de pau na mão, ameaçava entrar na casa do Mohamed para lhe tomar as bombas e Mohamed, do seu lado, com um espeto de carne, gritava dizendo que ia "soltar as cachorras" no visinho.

      Os outros visinhos tentaram ajudar e o John impôs uma condição: Só não invadiria se as autoridades fossem à casa do Mohamed e averiguassem se realmente não existia a tal bomba.
– Mohamed concordar, por alá.

      – Very well.

      Do quintal do visinho as autoridades informavam ao John que nada encontraram.

      – Procurar melhor. Em baixo cama.

      Procuraram e mais uma vez nada.

      – Ele ter. Eu saber. Só não invadir se assinar documento, declarando não ter.

      – Mohamed assina.

      – Hum! Só no invadir se pular com one pé só.

      – Mohamed pular.

      – Shit.

      – Hum?

      – Só não invadir se family de Mohamed sair de casa.

      – Filhinha! Sarah. Ir para casa Habbib, depois Mohamed chamar.

      E John, mordendo os lábios de raiva

      – Hããã! Que shit!

      – Kibe?!

      – Not! Só no invadir se Mohamed mudar de casa e vender esta para John.

      E Mohamed, mandando uma banana para o vizinho, grita de lá.

      – Nunca Tio San!

      – Estão vendo. Um ditador, um truculento, não aceitar negociar. Troglodyte!

      – Vá caçar tatu.

      – Vou invadir.

      Foi um deus-nos-acuda, jatos sobrevoando a casa de Mohamed, navios prontos para atacar, declarações na tv, ataques verbais daqui e dali. Passados alguns dias a guerra tem início. Pedras nos telhados de um e de outro. Mohamed, atrás do sofá caído no chão servindo de barricada, se pergunta, "o que querer esta louca? Ela saber que Mohamed não ter bomba". Sarah, na cozinha, prepara kibes crocantes para sua "filhinha" atirar nas janelas do John.

      Do outro lado John repete enfurecido: "Eu tomar a casa deste shit, nem que ser a última coisa que eu fazer".

      E tomou.

      Depois de muito tempo de peleja, John era, por fim, o senhor da casa do Mohamed. Perguntado ao John o verdadeiro motivo por ter invadido a casa de seu visinho, já que não existia bomba nenhuma, ele respondeu simplesmente: "Daqui dá pra ver melhor as negras da quadra de mambo. Very good".