Qual a imagem que se tem de um comunista?

      Alguns, vêem nele um sujeito neurótico, extremado. Uma criatura que vive para a política: come e dorme conchavos e trepa sempre considerando o movimento de massas. Pra ele, discutir a relação seria debater a luta de classes contida na cena de ciúmes de há pouco no restaurante e a cultura patriarcal expressa no macarrão com frango no domingo. Não come big mac e tampouco macula seu paladar com coca-cola. Música, só MPB. Filme, só cinema novo. Faculdade, história ou sociologia.

      Só que aí você abre o Vermelho e vê lá um baiano de bigode, calmo como o quê, dizendo que o governo Lula está em disputa e que estamos vivendo uma transição "branda" e gradativa. Vai ao Congresso da UNE e vê uma bancada de malucos brincando de roda e propondo a união de todos para derrotar as elites. Encontra um dirigente sindical bolchevique, de bonezinho leninista e tudo, e escuta dele que consciência de trabalhador é assim mesmo: não adianta sermão; o sujeito tem que experimentar por conta própria e escolher. Tudo a seu tempo.

      Bom, quando você está se convencendo de que esse pessoal é assim, maré-me-vai, maré-me-vem, fica sabendo que foram pro meio do mato derrubar a ditadura militar à bala; que lideraram a greve nesta empresa ou naquela universidade; que organizaram milhões em passeata pela paz ou pela guerra; que foram torturados e nada disseram; e que defendem uma tal de ditadura do proletariado.

      – Não falei? Olh'í: querem é a ditadura! – esbraveja o cunhado, quarenta anos, calvo, Vectra estacionado na porta.

      – Meu filho, você é ateu?! – indaga entre lágrimas a avó católica.

      – Não, vó. Sou evangélico.

      Pasmo geral. Evangélico… e comunista!?

      – Faço parte de uma base de evangélicos do Partido.

      – Base? Quem usa base é bicha, meu! – de novo, o cunhado.

      – Estamos pensando em organizar uma mesmo.

      – Além de evangélico, você é fruta, tio? – pergunta a sobrinha, adolescente e oxigenada.

      – Não, Paty, não sou. Mas tem homossexuais no Partido.

      – Não falei? – isso mesmo: o cunhado.

      – E tem operários, camponeses, estudantes, donas de casa, professores, boleiros, artistas, sambistas.

      – E esse povo vive de quê, meu filho?

      – Do trabalho, vó. Ou busca emprego. Ou mora com a família. Como todo mundo.

      – E o que vocês querem?

      – A baderna, dona Bina, a baderna!

      – Cala a boca, Onaldo!

      – Qué isso, Miriam?

      – Fica aí enchendo o saco! Vai lá, vai: vai ver se o frango tá pronto. Vai, Pedro, continua.

      – O que queremos, vó, é bem pouco e é tudo: queremos o céu, tomá-lo de assalto e unir a Terra.