A chegada de dona Mariana a Saco das Varas foi um acontecimento. Veio de carro mais Tenório, seu filho, 42 anos, solteiro, dono de uma empresa de segurança. Tenório era alto, porte atlético, cabelos castanhos, tez queimada de sol, queixo forte, bigode basto, mas bem aparado. Tinha um olhar de bode brabo, enterrado sob supercílios proeminentes, que, pousados num interlocutor, faz o sujeito ter vontade de se desculpar.

      Foi dona Mariana passar de carro com o filho pela rua principal, o povo todo sair nas janelas e nas portas para se certificar, inquirir e comentar. Eles ainda não haviam chegado na casa de mãe Gulóra, a cidade toda já sabia a cor do automóvel e das roupas de seus passageiros.

      Lucinda, quando ouviu o nome da tia-avó, correu pra morada de dona Maria, alcunhada de Glória, mãe de sua mãe. Entrou esbaforida porta adentro gritando o nome da velha e antecipando a notícia. A matriarca dos Régis de Almeida não fez caso da novidade, tampouco se avexou. Distribuiu ordens com a calma e a energia próprias das mulheres sábias e dirigiu-se à porta, receber a irmã.

      Eram muitos os anos que as separavam daquele momento. A última vez que vira Mariana fora na inauguração da empresa do sobrinho. Quando foi isso, meu deus?…

      – Dez anos, minha irmã, e você não mudou foi nada, mulher!

      Mãe Gulóra voltou do tempo e escancarou um sorriso para a caçula de seu pai, Manuel Tenório de Almeida, marido de dona Maria da Graça Régis de Almeida, sua mãe. Abraçaram-se demoradamente, olharam-se fundo, numa mistura de ternura, agonia e felicidade.

      – Como vai, tia?

      A velha Gulóra tomou um susto quando viu o sobrinho. Aquele rosto, aqueles gestos… Meu Deus, como pode ser isso? Achegou-se daquele homem, devagar, como que cautelosa. Pegou-lhe inicialmente os braços, mediu seu tórax, fitou-o nos olhos. Sorriu. Gostou de sua dureza. Estava salvo, seu sobrinho. Disse baixo, afetuosa, dirigindo-se à irmã:

      – Louvado seja deus, Mariana. Que homem bonito deu o seu filho.

      – Bonito e solteiro – emendou a mãe.

      – Solteiro?! Vosmicê não casou ainda, não, menino?

      – Não, tia, casei não.

      – E pode-se saber por quê? O que não falta é moça bonita e séria pra casar. Ou em Aracaju o artigo tá em falta?

      – Vixe, que agora vão ser é duas pra me arrumar noiva! – respondeu Tenório.

      – Vocês já comeram? Venham, que já deve de tá tudo na mesa. Venham.

      Depois das abluções e todos já à mesa, dona Mariana pergunta, rápida e direta:

      – Cadê a carta de Argemiro?

      Silêncio. Mãe Gulóra primeiro termina de mastigar o feijão com farinha e a filepa de carne da boca. Bebe um gole de suco de caju e responde:

      – Porque não termina de comer. Você nem se serviu ainda. A carta de Argemiro está guardada na casa de Merenciana. Quando a gente terminar aqui, vai lá, Lucinda lê pra nós e a gente conversa.

      – Tá certo, Maria – respondeu num suspiro a irmã. Vamos comer em paz e depois se vê.

      Tenório mastigava enérgico, punhos sobre a mesa segurando firme os talheres. Olhava a tia com a mesma energia. Mãe Gulóra sabia do que falava o olhar do sobrinho. Respondeu-lhe com a noite de suas pupilas baças, de velha. "Ali se concentra um destino", pensa consigo. "Naquele queixo tem um livro escrito".