Fazia muita falta uma exposição abrangente das teorias sobre a formação e evolução da sociedade brasileira. Figueiredo assumiu esse ambicioso projeto. Para assegurar a palavra àqueles que refletiram as realidades brasileiras e sobre elas refletiram, o livro foi construído sobre citações extraídas da longa série de estudos que compõem a nossa bibliografia econômico-social. Mesmo o leitor mais exigente reconhecerá que não faltam erudição nem transparência na escolha dos textos.

O autor remete, em primeiro plano, aos modos de ver daqueles que descreveram e explicaram como aqui se produziam as riquezas; em segundo plano, a esta produção considerada na materialidade de sua evolução histórica e, enfim, à teoria marxista, em que está formulado o conceito de modo de produção.

Na primeira parte ele trata da “historiografia em geral” a respeito da formação e do desenvolvimento da sociedade brasileira, de suas principais características e dos mais importantes modos de vê-las. Na segunda, apresenta textos de Marx, Engels e Lênin que tratam dos fundamentos do materialismo histórico. Os textos são acompanhados de comentários concisos e claros.

A terceira está consagrada a seis teóricos que sintetizam a “visão marxista brasileira”. Escolher implica também em eliminar. A opção por deixar falar os autores é a mais concreta manifestação da busca da objetividade, mas ela inelutavelmente pressupõe orientações e critérios para decidir quem falará e quanto falará.

Discutível exatamente por não ser impassível, a lista das visões pioneiras inclui os autores que aplicaram o marxismo com rigor e conseqüência ao estudo da sociedade brasileira e, principalmente, de seus modos de produção. Seu compromisso com a objetividade consiste na seleção equilibrada dos textos comentados e seu compromisso com o conhecimento concretiza-se na refutação erudita e rigorosa da inconsistência das críticas ao marxismo. Descontadas algumas palavras mais contundentes, esta refutação, no mais das vezes, convence. No mais das vezes, também, mostrando as inconsistências teóricas dos críticos do marxismo, não deixa de enfatizar a contribuição que deram ao conhecimento da história social brasileira.

A quarta parte é consagrada aos autores que rejeitaram o marxismo, bem como aos ecléticos e, ainda, aos que pretenderam "aprimorar", renovar ou até ultrapassar (!) a teoria marxista.
O livro reforça a tese, com a qual concordo, de que o modo mais concreto de ver os modos de produção do Brasil é aquele que se concretizou no programa nacional-democrático.

À formulação deste se vinculam a um dos maiores debates travados pela esquerda brasileira: sobre a existência do feudalismo no Brasil. As posições em confronto tiveram sua expressão mais completa em Caio Prado Jr. e em Nelson Werneck Sodré. Este sustentou, exaustivamente, a pertinência do conceito de modo de produção feudal na explicação das relações sociais agrárias no Brasil.

Caio Prado introduziu, no marxismo brasileiro, um contrabando teórico: o “circulacionismo”, isto é, a tese de que o comércio determina as relações de produção. Sustentou que o Brasil era capitalista desde Pedro Álvares Cabral e, portanto, não havia traços feudais na economia brasileira. Conseqüentemente, negou que a luta pela terra e a da reforma agrária fossem necessárias. Os fatos, porém são cabeçudos: não tendo sido notificado de que a luta pela terra não estava inscrita na evolução da sociedade brasileira, um grupo de militantes do campo resolveu criar o MST.

EDIÇÃO 75, OUT/NOV, 2004, PÁGINAS 81