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    Comunicação

    Os erros históricos do voluntarismo

    Isto talvez se explique pela forte influência exercida em ambos partidos das concepções do trotskista argentino Nahuel Moreno, fundador da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT). Para a chamada corrente “morenista”, que parece sofrer do mal crônico do “otimismo voluntarista”, segundo corrosiva ironia de uma importante seção que rompeu com a LIT nos anos 1990 , […]

    POR: Redação

    11 min de leitura

    Isto talvez se explique pela forte influência exercida em ambos partidos das concepções do trotskista argentino Nahuel Moreno, fundador da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT). Para a chamada corrente “morenista”, que parece sofrer do mal crônico do “otimismo voluntarista”, segundo corrosiva ironia de uma importante seção que rompeu com a LIT nos anos 1990 , a revolução socialista estaria sempre à espreita na próxima esquina. O menor sinal de resistência popular é encarado como um “vírus revolucionário” .

    Essa visão idealista — que coloca a vontade acima da realidade concreta —, parece derivar da leitura mecânica da obra mais famosa de Leon Trostky, Programa de Transição, base para a criação da IV Internacional em 1938. Neste texto, seguido como bíblia pela “ortodoxia trotskista”, o autor é taxativo: “Os falatórios de toda espécie, segundo os quais as condições históricas não estariam ‘maduras’ para o socialismo, são apenas produto da ignorância ou de um engano consciente. As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer… Tudo depende, antes de mais nada, da sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade se reduz à crise da direção revolucionária”.

    Um balanço mais detido da trajetória da LIT, matriz do PSTU e de vários grupos do PSOL, deveria servis para tirar férteis lições de suas trágicas experiências. O “otimismo voluntarista” já conduziu esta corrente mundial a diversos becos sem saída, a graves erros políticos. Alguns casos são emblemáticos. Eles só confirmam que a avaliação incorreta da real correlação de forças pode resultar em graves derrotas e duros revezes para o movimento operário. Como ensina Vladimir Lênin, o segredo da tática revolucionária é a análise concreta da realidade concreta. É ilustrativo lembrar alguns desses episódios.

    Trágicas experiências

    Um que ficou famoso, gerando irônicos comentários na esquerda mundial, se deu na Nicarágua em 1979. Em pleno processo revolucionário nesta nação centro-americana, a corrente morenista decidiu organizar a Brigada Simon Bolívar e enviar militantes de vários países para a guerrilha contra a ditadura de Somoza. Após a vitória da revolução sandinista, entretanto, esta brigada passou a fazer oposição aberta ao novo governo de reconstrução nacional, taxando-o de “burguês e pró-imperialista”. Acusando o grupo de “provocador trotskista” e de fazer o jogo da reação e do imperialismo, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) decidiu, em agosto de 1979, expulsar os seus membros não nicaragüenses do país.

    O Secretariado Unificado da IV Internacional — que na época ainda conseguia reunir o grosso das correntes trotskistas — enviou então uma delegação a Manágua para averiguar o caso. Esta declara, em 3 de setembro, que “todas as atividades que busquem hoje em dia criar divisões das massas mobilizadas e a FSLN são contrárias aos interesses da revolução. Este é o caso, em especial, da Brigada Simon Bolívar. Numa situação política e econômica que exigi a maior unidade na luta possível, a FSLN teve razão em exigir que os membros não nicaragüenses saíssem do país” (Intercontinental Press, 24 de setembro de 1979). O deprimente episódio ocasionou mais uma fratricida divisão no trotskismo mundial.

    Outro momento dramático na história da LIT — e das esquerdas em geral — se deu com a desintegração da URSS e do bloco soviético, a partir do final dos anos 1980. Na clássica tese trotskista, estes regimes seriam “Estados operários degenerados “, que demandariam “revoluções políticas” para retomar o curso socialista. Moreno, porém, tratou de “atualizar o Programa de Transição”, prevendo duas etapas nesta estratégia: a “revolução de fevereiro”, democrática, seguida da “revolução de outubro”, socialista. Com este esquema unilateral, que não levava em conta o complexo jogo de interesses no Leste Europeu, a LIT e suas filiais saudaram, eufóricas, os tristes episódios que resultaram na restauração da barbárie capitalista na região.

    Em 1990, após seu III Congresso, a LIT esbanjava otimismo. “Do mesmo modo que os últimos meses significaram uma virada histórica para a humanidade, eles foram para a LIT o salto para ganhar influência em setores de massas (…) O trotskismo está vivo porque a revolução mundial matou o stalinismo e colocou em marcha a gloriosa luta de massas (…) Está se abrindo a hora do socialismo com democracia” (Correio Internacional, julho de 1990). Tamanho erro de cálculo custou caro. Como repisa uma seita rival “antes da destruição dos estados operários, o morenismo apoiou todos os movimentos que serviram de ponta de lança do imperialismo contra a URSS, como a reacionária guerrilha islâmica impulsionada pela CIA no Afeganistão (…) Na Polônia, reivindicou um governo de Lech Walessa e ‘todo poder ao Solidariedade’”

    Mais recentemente, esta corrente entrou novamente em parafuso com os rápidos e turbulentos da Venezuela. Seus seguidores se fragmentaram em vários pedaços. A maior referência do “morenismo” neste país, o ex-deputado constituinte Alberto Franceschi, é hoje um dos principais porta-vozes da direita; foi um dos líderes da tentativa frustrada de golpe em abril de 2002; tornou-se um próspero produtor agrícola e um poderoso empresário do ramo de transporte. Na década de 1980, como líder do MIR da Venezuela, Franceschi foi peça-chave na fundação da LIT e, junto com Nahuel Moreno, escreveu as “Teses sobre guerrilheirismo” (1986), um texto de polêmica com os revolucionários cubanos.

    Já o seu sucessor na internacional “morenista”, o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST), esbarrou no sectarismo da LIT. Isto porque apóia o governo Hugo Chávez, mesmo mantendo a linha das “denúncias e exigências”, outra invenção de Moreno. Esta postura gerou a ira de várias seitas trotskistas. “A posição do PST é tão vergonhosa que seu próprio partido-irmão, o PSTU, denunciou que ‘o conjunto da esquerda apoiou Chávez (…) e o fez sem denunciar o caráter populista e demagógico de seu programa’” . Devido a essas fraturas, a LIT sucumbiu no país. Em documento recente, garante que Chávez “quer negociar com a esquerda e o imperialismo” e que “hoje não existe na Venezuela uma organização nacional no campo do proletariado com uma política revolucionária e classista, em oposição ao governo pela esquerda” .

    Equívocos grosseiros

    Outro trauma desta corrente provém da Argentina. Neste caso, a ferida é profunda e nunca cicatrizou. Afinal, o “morenismo” nasceu nesse país. Nele, teve início da militância de Hugo Miguel Bressano como assessor do Sindicato dos Têxteis (AOT) e dos Trabalhadores em Frigoríficos Anglo-Ciabasa. Convertido ao trotskismo nos anos 1940, ele se projetaria com o nome de Nahuel Moreno. Sua militância foi marcada por vários ziguezagues, tanto que muitos o taxam de “camaleão político” . Na sua trajetória, ele organizou vários partidos e foi construtor do influente Movimento ao Socialismo (MAS).
    Impregnado até a medula do “otimismo voluntarista”, Moreno tentou várias vezes apressar artificialmente os fatos políticos, desprezando a correlação de forças. Com o fim da ditadura e a vitória de Raul Alfosin, profetizou o imediato trânsito ao socialismo. “Estão dados todos os elementos para que triunfe a “revolução de Outubro”, afirmou. Os equívocos aventureiros acabaram por implodir o MAS, o “partido-mãe” da LIT. Hoje a corrente “morenista” está reduzida a frangalhos, tendo a minúscula Frente Operária e Socialista (FOS) como filiada da LIT e quase uma dezena de seitas trotskistas.

    Apesar disso, ela permanece com sua cegueira voluntarista. Após a revolta popular de 2001-02, ela concluiu: “Em nosso país se iniciou uma verdadeira revolução (…) que deixou em ruína o regime democrático-burguês” .

    Por último, neste breve balanço dos grosseiros erros da corrente “morenista”, uma pitada de Cuba. Após um rápido namoro com a revolução cubana, Nahuel Moreno passou a tratar a “ditadura de Fidel Castro” como um feroz inimigo. Resoluções da LIT recomendavam incentivar a “revolução política” no país. Um renomado trotskista brasileiro chegou a dizer que “apoiaremos uma revolução que consideramos iminente contra o regime burocrático de Fidel (…) Achamos que é necessário lutar contra o partido Comunista” . Agora, quando os EUA conspiram frebilmente contra a ilha, a LIT volta à tona com seus devaneios.

    Mesmo com o governo cubano reconhecendo que faz concessões para manter as conquistas da revolução, ela insiste em desconhecer a correlação de forças. Enquanto a maioria da esquerda reafirma o seu apoio à ilha, a LIT condena suas recentes decisões judiciais. “As medidas repressivas do regime cubano merecem o repúdio, porque não são mais que medidas dirigidas a amordaçar os trabalhadores e o povo, enquanto as medidas econômicas abrem as portas do país ao imperialismo europeu (…) Devemos dizer claramente que os socialistas não se confundem com o regime repressivo de Castro” . Aplausos de George W. Bush!

    Jean Philippe Dives. “Elementos para balanço da LIT e do morenismo”. Documentos do MAS.
    Joaquim Soriano. “O novo curso da Convergência Socialista”, Em Tempo, julho/agosto de 1990.
    Osvaldo Coggiola. O trotskismo na América Latina. Brasiliense, São Paulo, 1984.
    “Fim da URSS, divisão da LIT e o legado de Moreno”. Liga Bolchevique Internacionalista (LBI).
    “A esquerda venezuelana é um apêndice do chavismo”. Boletim da Corrente Bolchevique pela Quarta Internacional (CBQI).

    Américo Gomes. “Venezuela: revolução na encruzilhada”. Marxismo Vivo, dezembro de 2002.
    Osvaldo Coggiola. Trotsky ontem e hoje. Oficina de Livros, Belo Horizonte, 1990.
    Alejandro Iturbe. “Estalló la revolución”. Correo Internacional, n. 93, janeiro de 2002.
    Ricardo de Azevedo. “Qual é a tua, Convergência?”. Revista Teoria e Política, abril de 1990.
    “Por que estamos contra os recentes fuzilamentos em Cuba”. Correo Internacional, junho de 2003.

    EDIÇÃO 81, OUT/NOV, 2005, PÁGINAS 44, 45

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