Naquele livrinho onde se registram débitos e créditos da nossa formação intelectual pode-se ler, à distância de tempo, a evolução e o significado de encontros e desencontros voluntários ou casuais que marcam, em dimensões variáveis, a maturidade dos nossos pensamentos.

      Talvez eu possa, por exemplo, me considerar um privilegiado por ter tido a oportunidade de me aproximar da obra de Umberto Eco ainda no início da década de 60, quando ele estava começando a divulgar um desenvolvimento da ciência da comunicação. Estou falando em semiologia (inspirada em uma tese de Ferdinand de Saussure) que logo em seguida evoluiria para a semiótica, fincando raízes que sustentam, ainda atualmente, todo o discurso teórico da comunicação.

      Querendo ou não querendo, tenho de enfocar uma intimidade puramente intelectual que tenho cultivado ao longo de décadas e que envolvem o tempo todo razão e emoção. É Umberto Eco me ensinando, com seus ensaios, a mecânica imanente e transcendente dos signos; é Umberto Eco invadindo minha sensibilidade literária desde O Nome da Rosa, sua primeira obra de ficção. Um romance que, apesar de ambientar a trama improvável em um período histórico pouco e mal conhecido – a Idade Média -, tornou-se um best-seller, conquistando um público casual que nem então nem nunca mais passou a ter qualquer proximidade com o pensamento analítico da comunicação, que elegeu Eco como um dos maiores pensadores da segunda metade do Século XX.

      Meu primeiro contato com Umberto Eco se deu graças a um convite para participar de um curso dele em São Paulo, provocado pelos poetas Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari que eu conhecia desde quando tinha colaborado, como secretário do Suplemento Literário do Estadão, na edição de um número especial dedicado à poesia concretista, a qual se constituiu num dos maiores escândalos literários da época. De lá para cá, posso dizer que acompanho a produção teórica e de ficção de Eco há quatro décadas, lendo suas obras em primeira mão, favorecido pelo conhecimento do idioma italiano e pela cortesia de amigos que me enviam seus escritos logo após os lançamentos.

      No entanto, para justificar esta crônica à qual me ocorreu dar um título despretensioso mas, talvez, um pouco embaraçoso, preciso lembrar os papos que acontecem quando se reúnem admiradores do nosso herói. Raramente surgem dissidências conceituais a respeito dos seus ensaios teóricos mas, no entanto, é bastante freqüente que apareçam críticas em relação à sua obra literária. A acusação mais comum é que seus romances são de um valor desigual, ou seja, alguns são mais interessantes e outros menos. E que sua obra-prima continua sendo sua primeira história (O Nome da Rosa). Eu concordo, em termos, com essa opinião, pois acho que faz parte da densidade dos seus pensamentos deixar sempre uma porta aberta para o "consumidor" dos seus textos, ou das suas aulas, ou das suas palestras. Um espaço para ser ocupado por reflexões em continuidade. Ou seja, como eu me atrevi a escrever, ao encerrar uma resenha sobre seu último romance (A Misteriosa Chama da Rainha Loana): sua leitura não termina na última página.