Em épocas de crise e turbulências financeiras as pessoas são tomadas pelo frenesi ilusório de que podem se tornar milionárias da noite para o dia. Algumas conseguem, de fato, alcançar tal meta, enquanto outras, que eram milionárias, atingidas pela quebradeira, tornam-se os novos pobres da praça associada. O mais incrível é perceber o quanto são parecidos, em avidez de alma, os pobres que se tornam ricos, e ricos que se transformam em mendigos.       

      Só os que se acham profundamente adormecidos não escutam, no rugir dos gritos nos pregões das Bolsas de Valores, em quedas sucessivas, o desespero impotente das massas, a queimar dinheiro nas ruas, nos terríveis dias do crash de 1929. E depois ainda há quem não acredite que a história se repete. O que se vê e se sabe é que a financeirização da riqueza desvia a sociedade do circulo virtuoso da produção pelo trabalho.

      Sendo a geração da riqueza representada pelas finanças (dinheiro fazendo dinheiro, via especulação) cifras passam ativos com mais valor no mercado do que produtos essenciais à existência humana. O dinheiro como fator capaz de gerar mais dinheiro passou a ser o cativador empenho mais levado em conta. E para as pessoas para quem só o dinheiro conta, perdê-lo, ou ganhá-lo em menor quantidade pode ser um desastre maior do que seria a sua própria morte. Assim sendo, os adoradores do bezerro de ouro vão ter que mamar em outras tetas…

      Até que, chegada a hora do acerto de contas, uma vez desabando a pirâmide que tinha como base maços de algodão doce na chuva (portanto, uma falsa e virtual riqueza, que se volatiza em prazo a fazer quebrar tanto o Petrônio quanto a Tíbia, bem como todo o resto da família) lamenta o ávido investidor, que decifra a vida no sotaque do Deus money: pois é… um rapaz tão moço… Mundo i-mundo, vasto mundo: como ficarão os meus fundos, se o meu money acabou – e tudo michou?.

      Ao ver mercados financeiros desabarem, abandonando o tom triunfalista e retumbante muitos, em todo o mundo, estão a dançar o tango argentino. Ou, para ser mais folclórico: terão de perguntar aos avaliadores de risco e outras evanescências: “Para onde foi o meu, que estava aqui, bem aplicadinho?”. O gato comeu. E onde foi o gato? Foi pro mato. E onde está o mato. Fogo queimou. E onde está o fogo. Água apagou. E onde está a água? O boi bebeu…” E assim por diante segue a brincadeirinha de procurar o que não foi perdido, uma vez que era só um faz-de-conta.

      Quando se chega à situação em que o devedor tem medo de tomar emprestado, e o banco, por medo de não receber, recusa emprestar, tem-se uma pedra no caminho. O chamado imbróglio, nó cego difícil de desatar. Como diria o vulgo: “Se a liquidez empossa”, fazê-la fluir não há quem possa. Vamos e venhamos: a crise veio da prática macunaímica do subprime – ou seja, passar adiante o desastre previsível – tiro que saiu pela culatra. No golpe da pirâmide os malandros locupletam-se e saem de fininho da cena do crime.

      O que foi o caso dos bancos do “paraíso” norte-americano, que passavam a outras mãos a bomba de efeito retardado. Agências de classificação de risco empacotavam créditos, vendendo gato por lebre, em reluzentes embrulhos, em que havia mais joio que trigo. No futebol como nos mercados, feio é perder. Deram crédito a pessoas sem renda, sem emprego, sem bens, sem lenço e sem documento. Uma vez despertados do sonho do consumismo sem freios, viram-se em meio ao pesadelo de um inferno financeiro sem paradeiro.

      Como se já não bastasse o estrago que causam na sanidade os catrumanos  -humanos que se tornaram desumanos – (evoé, Guimarães Rosa!) agora temos a mata enlouquecida dos parvenus (saudações, Visconde de Taunay!) – capitalistas sem capital, empresários sem empresa, que em frenesi demoníaco dedicam-se, como especuladores da Bolsa de Valores,. a fazer dinheiro com dinheiro. Outros Sonsândrades pós-modernos, em face da súbita falência, terão que vender as pedras da Vitória!  Na velha República como na nova, picaretas abaixo de toda suspeita (com suas malas pretas) entregam-se às viagens da voracidade (e como aves de rapina – ou hienas engravatadas) buscam lucrar em cima do trabalho alheio.

      Mas quando a Bolsa cai que esborracha, saem com ar de coitadinhos, a anunciar á praça que são os novos falidos do pedaço. Sendo o jogo de ganhar o mesmo que nos leva a perder até as calças, é de se prever que não é difícil ser conviva no banquete milionário, quanto dar com os burros n´água. Pena que a queda tenha se dado quando os novos ricos e remediados estavam chamados à festa.

      Agora, que soam na taba cívica de Macunaíma os sinais da quebradeira, uma pergunta não quer calar: por quem dobram os sinos da Bolsa? Os sinos dobram pelos que acreditaram ser possível enganar ganhar muito dinheiro o tempo todo, sem correr riscos. No mais, é como re-escrevevia Drummond, o vate itabirano, encarnando o cândido José: “E agora, José/ a festa acabou/o povo sumiu/o fogo esfriou/e agora, José/ para onde?”.

 Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.