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    Comunicação

    Castro Alves do Brasil

    Castro Alves do Brasil, para quem cantaste? Para a flor cantaste? Para a água cuja formosura diz palavras às pedras? Cantaste para os olhos para o perfil recortado da que então amaste? Para a primavera? Sim, mas aquelas pétalas não tinham orvalho, aquelas águas negras não tinham palavras, aqueles olhos eram os que viram a […]

    POR: Redação

    2 min de leitura

    Castro Alves do Brasil, para quem cantaste?
    Para a flor cantaste? Para a água
    cuja formosura diz palavras às pedras?
    Cantaste para os olhos para o perfil recortado
    da que então amaste? Para a primavera?

    Sim, mas aquelas pétalas não tinham orvalho,
    aquelas águas negras não tinham palavras,
    aqueles olhos eram os que viram a morte,
    ardiam ainda os martírios por detrás do amor,
    a primavera estava salpicada de sangue.

    – Cantei para os escravos, eles sobre os navios
    como um cacho escuro da árvore da ira,
    viajaram, e no porto se dessangrou o navio
    deixando-nos o peso de um sangue roubado.

    – Cantei naqueles dias contra o inferno,
    contra as afiadas línguas da cobiça,
    contra o ouro empapado de tormento,
    contra a mão que empunhava o chicote,
    contra os dirigentes de trevas.

    – Cada rosa tinha um morto nas raízes.
    A luz, a noite, o céu, cobriam-se de pranto,
    os olhos apartavam-se das mãos feridas
    e era a minha voz a única que enchia o silêncio.

    – Eu quis que do homem nos salvássemos,
    eu cria que a rota passasse pelo homem,
    e que daí tinha de sair o destino.
    Cantei para aqueles que não tinham voz.
    Minha voz bateu em portas até então fechadas
    para que, combatendo, a liberdade entrasse.

    Castro Alves do Brasil, hoje que o teu livro puro
    torna a nascer para a terra livre,
    deixam-me a mim, poeta da nossa América,
    coroar a tua cabeça com os louros do povo.
    Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
    Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar.

     

    Pablo Neruda
    Canto Geral
    Tradução de Paulo Mendes Campos
    Revista por Maria José de Queiroz
    Difel/Difusão Editorial – edição 1979

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