Lá vão, a viajar desde sempre, pelas matas, rios, grotas e paisagens de Goiás, os deuses que habitam a alma brejeira de Antônio Poteiro. Sensibilidade telúrica Macunaíma ou Saci, a fazer malabarismos e traquinagens para “não esbarrar na precisão”, Poteiro, de caboclo brejeiro a artista admirado em todo o mundo, tem sua saga de viver e sua arte retratadas pelo artista inglês Rodulfo, com maestria de quem domina o seu ofício. Com que leveza e precisão ele deu forma e movimento ao que foi, é e continuará a ser este grande artista brasileiro!

      “Ah! Velho mago!/Enfeitiçaste o barro!/Bom e antigo barro/que sonhava ser cova de semente/e corpo de tijolo”. Mas até o mais humilde tijolo ou adobe sonha ser melhor do que ele mesmo. Sonha, por exemplo, ser sublime, estando em alguma parte da Catedral de Chartres. Ou nas maravilhas erguidas pelo engenho humano, tendo lampejos da eternidade, a partir de seus sonhos! “Enfeitiçaste/com teus sortilégios/a cor que espreguiçava no mundo”, diz o poeta Aidenor Aires: “Agora, vê o espelho/de tua traquinagem! A cor não se contenta/em ser primavera, em ser manhã/em ser noite ou floração;/toda cor do mundo se rebela/e vem virar milagre;festa e pão;no território de tua casa/no latifúndio de tua mão”.

      Em boa e fecunda hora de sublime mutação, deixando os potes da sobrevivência artesã, levado foi este poteiro Português-brasileiro a se mostrar ao mundo de corpo inteiro: levando às telas os deuses de uma estranha teologia cabocla, de imaginário fertilizado pelo maravilhoso. Revelou então o rosto de um Deus Balança – a face possível de uma justiça cidadã, menos etérea e mais concreta, mas sempre a lembrar que, sob os véus de Maia, tudo é ilusão – sob a regência de Shiva, tudo e construção e destruição. 

      Deu-se, então que, desabrochando da vontade dos deuses que nele não paravam de nascer, Antônio Poteiro revelou ao mundo o seu rosto pluriforme de sátiro artista, mago do barro, antena sensível a captar a alegria cantante da Vida. Sendo sua matéria de criação a energia da terra, das coisas, gentes e bichos, só mesmo a poesia iluminar o mundo poteiriano à luz da nobre arte de Rodulfo.

      Temos, assim, nesta magistral coleção de gravuras em metal, quatro formas de grandiosa arte: a arte de dar vida ao barro, às formas e cores, em Antônio Poteiro. A arte de gravar biografando, em Rodulfo. A arte de descrever poetizando, em Ivone de Oliveira Silva. E, por fim, ou nos começos disto tudo, a arte de admirar e homenagear, em Camilo, Baron Of the Fulwood. Benditos sejam todos eles, por toda arte e beleza que fizeram!

 Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.