Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    Comunicação

    Canto para acordar Célia

          Nos últimos dias, Goiânia ficou despovoada. Vou ao Instituto Histórico, à Academia Goiana de Letras, à Academia Feminina e não encontro Célia. Estou falando da escritora anapolina Célia Siqueira Arantes. Companheira em muitas jornadas literárias. Nos eventos da cidade. Nas viagens ao Peru e ao Chile. Em todos os lugares cativou afetos e admiração […]

    POR: Redação

    4 min de leitura

          Nos últimos dias, Goiânia ficou despovoada. Vou ao Instituto Histórico, à Academia Goiana de Letras, à Academia Feminina e não encontro Célia. Estou falando da escritora anapolina Célia Siqueira Arantes. Companheira em muitas jornadas literárias. Nos eventos da cidade. Nas viagens ao Peru e ao Chile. Em todos os lugares cativou afetos e admiração pela fácil comunicação, pelo carinho de abraçar e se deixar abraçar. Uma enfermidade a impede de estar ao nosso lado. Mas creio que não está sossegada. Espera ansiosa o reencontro, em qualquer tempo ou dimensão. Porque Célia não vive como quem tem oitenta anos. Carregava uma infinita infância, um benquerer à vida de fazer inveja. Que várias as surpresas da vida! Às boas nos acostumamos céleres; às más nos terrificamos. Estou terrificado e cavando esperanças de ver Célia levantar, declamar, falar, como no momento que o infeliz acidente roubou-lhe a palavra. Mas impôs-lhe apenas uma pausa. Ela não está calada. Vejo-a sorridente, Cônsul dos Poetas Del Mundo, buscando adeptos, encaminhando e zelando de seu consulado lírico que, via internet, vai decifrando caminhos planetários. Para acordar Célia estou escrevendo estas palavras e um poema que dediquei a ela há pouco tempo.

     
    Tem gente…

     
    Tem gente
    que leva a vida como quem arruma
    os pertences da casa.
    Aqui, um ramo de afeto.
    Ali, um pouquinho de açúcar.
    Sal, no ponto, preservando.
    Afasta as cortinas:
    janela gosta de horizontes.
    Ouvidos atentos:
    – deixa cantar os passarinhos!
    Pelo terreiro, que ainda existe
    no “lá fora” do apartamento,
    galinhas ciscam saudades.

    Abre as toalhas. Pousam sorrisos, tantos:
    do pai austero, da mãe louçã,
    do marido comovido,
    das primas lúbricas,
    do terno irmão.
    Num girassol, braços abertos,
    o peito inflando filhos
    e os netos, astros, todos brilhando.

    Tem gente que leva a vida
    como um pastor, pastoreando.
    Agita os braços, açula ventos,
    e se comove de vê-los lerdos, espreguiçando.
    Convoca chuvas, e se enternece,
    vendo-as cair no milharal curvado em prece.
    Chama os passarinhos e, como ovelhas,
    o aéreo bando freme e obedece.

    Tem gente que leva a vida
    como viajante, viajando.
    Junta caminhos, confere mapas
    e portulanos,
    mas nunca vai sozinho na trajetória.
    Caminha com pés antigos, de tanta gente,
    em estradas conhecidas, quase parentes.
    Viaja novas estradas
    em misteriosos roteiros.
    Mas vai sem pressa. O dia é longo.
    Vai entretida na prosa
    e no sonho dos companheiros.

    Tem gente que leva a vida
    como bom descobridor, descobrindo.
    Descobre que o dia é grande
    pra todo afã e cuidado.
    Descobre que a noite é um envolope
    que traz o dia embrulhado.
    Descobre que o tempo é um projeto
    que nunca se realiza.
    Quer acabar com o momento
    em nome de um tal futuro.
    Mas é o instante de luz
    que resgata todo escuro.
    E pra viver não precisa calendário
    ou idade.
    Onde se põe o carinho
    aí fica a eternidade.

    No mais, é tudo mistério
    que só o amor pode ver.
    E só nos cabe na vida
    ir devagar, arrumando,
    pastoreando,
    viajando,
    descobrindo…
    Porque não existe depois,
    Só agora, sem notícia do “em antes”,
    como vai levando a vida
    minha amiga
    CÉLIA SIQUEIRA ARANTES.