O poeta Carlos Drummond de Andrade, em Carta a Stalingrado, proclamou: “as cidades podem vencer”. Neste poema ele exalta a vitória do povo soviético e de seu exército, em Stalingrado, sobre a até então imbatível máquina de guerra nazista. Na força e na resistência de uma cidade estava em jogo o destino de um país, e mesmo da humanidade. Esta verdade histórica simboliza muito bem a relação dialética entre a União e os municípios, entre o Estado nacional e as cidades.

Em outubro próximo, as cidades brasileiras vão às urnas. Apesar das iniqüidades, reflexos do processo que forjou o Brasil “urbano”, cidadãos e cidadãs irão votar com a esperança de que as cidades brasileiras, também, podem vencer seus problemas e dilemas. Esta esperança que permeia a subjetividade do eleitorado brasileiro, na atual quadra, relaciona-se com as conquistas sociais e econômicas dos dois governos do presidente Lula. E, também, deriva da gestão democrática e eficiente de um conjunto de prefeitos. A retomada do desenvolvimento, desta vez com políticas de distribuição de renda e de investimentos nos municípios, contribuiu para melhorar a qualidade de vida nos espaços urbanos. Todavia, o imenso passivo social acumulado em décadas e décadas requer avanços e realizações ousadas.

De 1930 até meados dos anos 1970, o Brasil foi um dos países cuja economia mais cresceu no mundo. A par de um Produto Interno Bruto (PIB) entre os quinze maiores, se estabeleceu uma das mais acentuadas desigualdades de renda e propriedade da terra. Nesse período, entre as décadas de 1940 e 1980, a população brasileira se tornou majoritariamente urbana num movimento frenético. O latifúndio, a renda baixa no campo, o ínfimo preço dos produtos primários, a péssima qualidade de vida no interior empurraram milhões para as cidades.

Milton Santos, nosso mais destacado geógrafo, disse certa feita que o “território revela o drama da nação”. E os territórios, que são as cidades, retratam um modelo de desenvolvimento que nos legou, simultaneamente, crescimento econômico e concentração de renda e, ainda, desigualdades regionais.
As duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, simbolizam os impasses das metrópoles do Brasil. Um em cada cinco habitantes da capital paulista vive em favelas e na capital fluminense a violência é uma mancha de sangue que não pára de se expandir. O fenômeno da “favelização” presente no processo de urbanização mundial manifestou-se forte no Brasil. Imensas periferias superpovoadas e entregues à própria sorte, com a ausência ou a presença fraca do Estado.

Quanto à desigualdade regional, uma pesquisa feita em 2005 pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostra bem as disparidades. Com o cruzamento de dados referentes a emprego, educação e saúde, os técnicos criaram um índice para aferir o desenvolvimento sócio-econômico. Resultado: dos 100 municípios com maior desenvolvimento, 87 estão no estado de São Paulo. Segundo mostra a análise por regiões, dos 500 primeiros colocados no ranking, 480 estão nas regiões Sul e Sudeste. Entre os 500 últimos do ranking, 421 estão no Nordeste.

Todavia, é antiga a luta do povo das cidades em busca de soluções. A luta pela reforma urbana remonta à década de 1960. Já no final dos anos 1970, mesmo com a ditadura, o povo ocupa terrenos para garantir o direito à moradia. A Constituição de 1988 assegurou avanços. O capítulo dedicado à política urbana estabelece a “função social” da propriedade urbana. O movimento comunitário, na atualidade, se fortalece tanto em elaboração de idéias e caminhos quanto em luta para obter conquistas. Em várias regiões, administrações avançaram no desafio de governar as cidades. E o governo Lula investe tanto em infra-estrutura quanto em políticas sociais.

Uma República forte e justa se ergue sob os alicerces de cidades prósperas, belas e humanas.

EDIÇÃO 97, AGO/SET, 2008, PÁGINAS 3