Amo a mulher balzaquiana
– a que sobreviveu
a loucas paixões,
pois ela sabe a dor das perdas
e conhece o áspero caminho
dos desencontros.

Tenho um pendor secreto
pelos sentimentos profundos
das sufocam na memória
coisas indizíveis
a si mesmas.

Seu olhar esquivo
está sempre a fugir
como a cercar
o querer profundo
da chama de viver
que nelas arde mais
do que nas vidas apaziguadas,
como fogo inconsumível
de arredios arrependimentos.

Bem mais vazias de conteúdo
são as que tiveram
vidas esvaziadas
de vertigens inconfessáveis.

Amo a mulher que vive
a ocultar turbulências
de gestos tresloucados
e acidentes de discurso
mas de vez em quando
queda-se em longos silêncios
grávidos de decisões heróicas.

Seus passos seguros
são os de quem viveu
profundamente
as previsíveis calamidades
da pátina dos dias.

Compadeço desta mulher que passa
às seis em ponto da tarde
e nem sabe se está no parque
tão absorta segue
em sua tristeza insabida

Um gesto simples,
uma palavra amorável
poderia reacender
em sua alma morta
a prontidão para o Encontro.

Talvez por isto
nas horas mudas
(que são quase todas)
de sua vida magra
rara e feita
de uma secura de pedra
suspira profundamente,
sem que ninguém perceba
a solidão acesa
em que viaja,
densa e silente,
como quem deu adeus
a toda esperança.

 Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.