Renildo de Souza


O desenvolvimento é a questão decisiva da vida das nações periféricas. No Brasil, ao longo do século 20, ocorreram transformações profundas, a exemplo da industrialização e urbanização. Mas o país, embora possua uma economia ampla e diversificada, mantém-se subdesenvolvido, com graves problemas estruturais tecnológicos e financeiros ao lado de péssima distribuição de renda.

 No passado, pensou-se que a grande tarefa da industrialização esgotava o significado de desenvolvimento. Ademais, como se sabe, desenvolvimento não é só o aumento do PIB. Assim, o neodesenvolvimentismo brasileiro deve ser uma construção de longo prazo que se baseia na busca da modernização e dinamismo da economia, alargamento social da democracia e redução substancial das desigualdades sociais e regionais. Há necessidade de um modelo que associe as vantagens dos mercados interno e externo e produza um ciclo de crescimento com altas e sustentadas taxas de crescimento do produto interno bruto. É preciso ter noção de metas e prazos de crescimento da economia.

Geralmente, há um viés na visão de desenvolvimento, enfatizando o papel do Estado ou do mercado. Na verdade, considerando as condições concretas do Brasil e do mundo, há necessidade de um projeto que combine ação estatal e mercado, sob a mobilização do povo e construção de uma vontade nacional em prol do neodesenvolvimentismo. Vejamos a questão do mercado. Desde os anos 1980, com as dificuldades do nacional-desenvolvimentismo, surgiu uma contestação esmagadora, predominante, à intervenção estatal na economia. Afirmou-se uma campanha global de liberalização dos mercados e privatização de empresas públicas. O auge dessa transformação ocorreu, no início dos anos 90, recebendo o impulso da queda do socialismo real.

 Surgiu um fervor religioso em adoração do mercado. Como disse o economista húngaro Janos Kórnai, seria saudável a destruição da produção, o desemprego e o caos dos países do leste Europeu, no início dos anos 90, porque a transição ao mercado era a passagem ao capitalismo, o paraíso prometido. Como disse Margareth Thatcher, “não há alternativa”.

 O modelo do assim chamado mercado auto-regulado e da livre-empresa seria a única forma de organizar a economia. O mercado tanto forneceria automaticamente a sinalização e orientação através dos preços, quanto consistiria na positiva dispersão das informações entre múltiplos agentes. Portanto, o mercado produziria os cálculos econômicos e as decisões ótimas, geraria os incentivos à iniciativa e à inovação, premiaria a eficiência e expulsaria os ineficientes. O mercado maximizaria a satisfação dos consumidores e os lucros das empresas, minimizando os custos. A racionalidade na alocação dos recursos seria obtida exclusivamente através do mecanismo do mercado. O mercado auto-regulado garantiria equilíbrio, estabilidade e harmonia na atividade econômica. O desenvolvimento seria resultado da expansão do livre mercado.

 Como se vê, há uma ideologia que ignora a existência inevitável das crises, conflitos, exploração, fomes, guerras e racismo, ou seja, agravamento dos problemas econômicos e políticos no contexto das reformas orientadas ao mercado. Hoje, no mundo, essa crença ainda resiste de pé, apesar do fracasso do neoliberalismo como provou a experiência da América Latina nos anos 90. As suas raízes estão incrustadas nos interesses da grande burguesia em todos os países. A despeito das resistências, as forças políticas dominantes (inclusive a social-democracia adaptada), a mídia e a esfera acadêmica propagam os valores morais e culturais e a interpretação da história em consonância com a dominação neoliberal e a conseqüente entronização do mercado.

 Entretanto, Eric Hobsbawm adverte que “o mercado produz desigualdade tão naturalmente como combustíveis fósseis produzem poluição do ar”. Na tentativa de imposição do modelo de mercado auto-regulado, houve forte agravamento da distância entre os povos dos países ricos e aqueles dos países pobres, conforme o PIB per capita. O mercado não conseguiu relançar a economia mundial para a restauração do ciclo de prosperidade dos chamados anos dourados. Há uma distribuição espacial de investimentos, inovação tecnológica, fluxos comerciais, que resulta em um desenvolvimento restrito às áreas centrais, com poucas exceções como Coréia do Sul, além dos casos de rápido crescimento da China e da Índia. Na Coréia, China e Índia há forte regulação estatal do mercado, contudo. O desemprego mantém-se em taxas elevadas mesmo em regiões desenvolvidas como a Europa Ocidental e a distribuição de renda, por exemplo, nos Estados Unidos, tem uma piora acentuada. Não é ociosa a lembrança de que os déficits fiscal e externo dos Estados Unidos são uma ameaça de efeitos de grave desestabilização da economia mundial. Hoje, o próprio impasse da rodada de Doha mostra que a liberalização dos mercados choca-se, na prática, contra os interesses protecionistas, especialmente da agricultura, das grandes potências.

 Sobretudo no caso dos países periféricos, o mercado por si só, espontâneamente, não garante as mudanças estruturais para o novo padrão produtivo e tecnológico e a busca de alternativas diante das restrições da OMC à liberadade na formulação de políticas comerciais e industriais. Principalmente nesses países, o mercado não assegura proteção à economia nacional diante da finança mundializada e hipertrofiada.

 No caso da defesa da ecologia, o mercado tem que ser contrariado. O mercado é insuficiente para lidar com as externalidades da economia, os bens públicos, a construção do sistema de inovação e o esforço global de neodesenvolvimentismo.

 A própria experiência brasileira já mostrou, muito gravemente, que o mercado, só e espontaneamente, não viabiliza a infra-estrutura econômica necessária ao desenvolvimento. O mercado de trabalho, em seu próprio funcionamento, tem agravado a sua desestruturação no Brasil, ajudado pela revogação e modificação da legislação trabalhista durante o governo de Fernando Henrique. A nossa experiência recente comprova a necessidade de políticas públicas para o combate ao desemprego.

 O mercado financeiro brasileiro impôs um padrão perverso de endividamento interno, elevadas taxas de juros, escasso crédito bancário e privilegiamento do curto prazismo.  O mercado como único regulador da economia é impotente ou inadequado, especialmente nos países periféricos, diante da necessidade de promoção de ajuste neodesenvolvimentista para fazer face a grandes desafios.

 

Fonte: Portal Vermelho