O seminário “Desvendar o Brasil — suas singularidades, contradições e potencialidades", promovido pela Fundação Maurício Grabois em conjunto com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) entre 3 e 5 de abril de 2009 em São Paulo, cumpriu o objetivo. O evento ocorreu no contexto da preparação para seu 12º Congresso do partido, previsto para o segundo semestre de 2009, e debateu temas variados, dentro o escopo do seminário, que procuraram desvendar as singularidades que distinguem o Brasil das demais nações e o conteúdo programático da transição do capitalismo ao socialismo no país.

Leia a seguir um resumo dos debates em cada mesa.

O seminário “Desvendar o Brasil — suas singularidades, contradições e potencialidades", promovido pela Fundação Maurício Grabois em conjunto com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) entre 3 e 5 de abril de 2009 em São Paulo, cumpriu o objetivo. O evento ocorreu no contexto da preparação para seu 12º Congresso do partido, previsto para o segundo semestre de 2009, e debateu temas variados, dentro o escopo do seminário, que procuraram desvendar as singularidades que distinguem o Brasil das demais nações e o conteúdo programático da transição do capitalismo ao socialismo no país.

Leia a seguir um resumo dos debates em cada mesa.

A batalha pela construção de um projeto nacional

“Sempre que o partido tirou do centro de sua atuação a questão nacional, acabou se ausentando de batalhas importantes para o país”. A análise, feita por Luís Fernandes, da Finep, resume o principal foco deste primeiro dia de debates do seminário “Desvendar o Brasil”. Permeado por temas polêmicos e apresentações contundentes, o evento feito pela parceria entre a Fundação Maurício Grabois e o PCdoB reuniu, nesta sexta-feira (3) cerca de 300 pessoas na capital paulista.

Sob o tema “O Brasil, seu povo, sua cultura e sua identidade”, os palestrantes – além de Fernandes, o deputado Aldo Rebelo e o secretário de Movimentos Sociais e Juventude do PCdoB, Ricardo Abreu – procuraram esmiuçar as características dos brasileiros tendo como fator fundamental a luta pela implantação de um projeto de nação soberano como caminho para, em longo prazo, se atingir o socialismo.

Conforme Luis Fernandes, que preside a Financiadora de Estudos e Projetos, o PCdoB, desde sua origem, soube participar de momentos relevantes das principais lutas nacionais. “Em ocasiões como a criação da Aliança Nacional Libertadora, a campanha “O petróleo é nosso” e mesmo a Constituinte de 1988, o partido levou ao centro destes debates a questão do projeto de nação”, o que, segundo ele, não teria ocorrido na Revolução de 1930 e nos anos 1950, quando o partido se opunha a Getúlio Vargas. “Foram atitudes que expressaram certa incompreensão da importância do projeto nacional”.

Para Fernandes, é fundamental que os comunistas – que com este seminário buscam subsidiar as discussões sobre a renovação do programa socialista durante o 12º Congresso – tenham “clareza de que a batalha pela construção de um projeto nacional é parte da luta contra o imperialismo e pela construção do socialismo”.

Fernandes defendeu que, para se conceber um projeto conseqüente, é necessário partir da análise concreta da realidade brasileira sob a ótica do marxismo. Desta maneira, destacou algumas contribuições teóricas. Primeiramente, tratou da falsa contraposição entre as questões de classe e a questão nacional. “Marx não contrapôs estes pontos. O que nos deu como grande contribuição foi a interpretação de classe para entender a questão nacional”, explicou.

Em seguida, Fernandes destacou as reflexões de Lênin sobre o imperialismo, que ainda hoje estão atuais. “O movimento revolucionário tem duas vertentes: a clássica, vinda das lutas operárias, e a luta de libertação das colônias. Foi essa formulação que tornou possível aos movimentos marxistas serem baluartes dos processos de independência. Muitos pretensos ‘socialistas radicais’ se opunham à autodeterminação dos povos colocada por Lênin como fundamental para a resistência ao imperialismo”.

Analisando estritamente a formação do Brasil, Fernandes lembrou que o país ainda reflete aspectos que marcaram sua origem. “Sob a criminosa violência da ordem escravocata, forjou-se uma sensibilidade própria dos brasileiros advinda, por um lado, da subjetividade dos dominados – negros e índios – e, por outro, da dos dominantes – os portugueses”.

Como um dos muitos resultados dessa formação está, de acordo com Luis Fernandes, “a tibieza de nossa elite” especialmente diante dos países mais poderosos. Isso explicaria, em parte, a “raiva da elite contra o governo Lula”, que tirou o Brasil de uma posição submissa na política externa e garantiu ao país reconhecimento internacional. “Isso deixa pessoas como o ex-presidente FHC nervosos”, brincou. Por isso, explicou, pensar alternativas para a emancipação nacional é levar tais aspectos em consideração e “valorizar a singular combinação de sincretismo cultural e miscigenação”.

O povo como protagonista

O deputado federal pelo PCdoB-SP, Aldo Rebelo, por sua vez, enfatizou a trajetória de luta dos brasileiros pela conquista da democracia e da igualdade. Inicialmente, ele lembrou que “somos um povo capaz de buscar sua própria identidade”, o que deu ao Brasil “grandes potencialidades de realização como povo e como país. Conquistamos nosso território em meio a muitos riscos. Poderíamos ser uma ‘América Portuguesa’, mas tivemos a capacidade de unir todo esse território num mesmo Estado nacional”.

Contrário à ideia de que o povo pouco participou das principais mudanças que marcaram a história do país – tese que costuma pôr a elite como condutora de tais processos – Aldo disse que “o Brasil fez sua trajetória através de jornadas históricas composta por todos aqueles que se sacrificaram para que o país se tornasse independente em 1822”, enquanto outras colônias, como Angola e Guiné, só a conseguiram nos anos 1970.

A proclamação da República, enfatizou, “não foi um pacto de elites; foi uma vitória do povo, daqueles que foram fuzilados desde o Rio Grande do Sul até o Pará”. Aldo lembrou, entre outros, de José Bonifácio, que teve papel fundamental da formação de um Estado brasileiro democrático. Nos anos 20, fatos como a fundação do Partido Comunista do Brasil, a Semana da Arte Moderna, a rebelião tenentista, bem como nos anos 1930 a luta pela industrialização, o movimento de mulheres e de estudantes, a mudança da legislação trabalhista, entre outros fatos, “marcaram a continuação daquelas jornadas e o povo estava presente em todas. Tais acontecimentos criam, na memória dos brasileiros a exigência e a necessidade de mudanças”.

Na atualidade, Aldo ressaltou: “o mundo exige que a luta dos povos se dê pela resistência das nações (ao imperialismo)” e, para ele, Lula teve papel relevante nesse processo. “O presidente conseguiu parar o processo de desmonte do Estado”.

Finalizando sua intervenção, o parlamentar perguntou: “a questão nacional é central, mas sob a orientação de quem?”. Segundo ele, “o que distingue a nossa visão sobre a questão nacional daquela dos setores conservadores é que acreditamos em nação somente com a ampliação das liberdades de nosso povo. Nossa questão nacional está intrinsecamente ligada à questão social”. E afirmou: “o povo precisa ser realmente incorporado à nação como protagonista político e social. E essa não é a preocupação das forças conservadoras. Seu projeto para o país está ligado essencialmente aos seus próprios interesses comerciais e financeiros. A nação, para nós, não é mera abstração; é o nosso povo”.

Momento de redescoberta

Na última apresentação da noite, Ricardo Abreu, o Alemão, tratou da atual fase que classificou como sendo de redescoberta do Brasil pelos comunistas. “Nosso desafio coletivo, de dimensão histórica, é desenvolver uma teoria – e uma política – marxista, brasileira e contemporânea. Em outras palavras, trata-se de enfrentar a crise da teoria revolucionária, atualizando o marxismo e, ao mesmo tempo, fundindo-o com o pensamento nacional e latino-americano mais avançado”.

O dirigente baseou sua apresentação nos clássicos do marxismo, mas também bebeu na fonte de figuras tão diferentes como Darcy Ribeiro e Stalin. Seu foco foi tratar da construção do povo brasileiro dentro da sua diversidade; a necessidade premente de construção de um projeto nacional soberano, igualitário e ainda mais democrático casado com a integração latino-americana; a formação miscigenada de nosso povo e, com base em todos esses aspectos, a busca pelo socialismo. Citando o comunista peruano José Carlos Mariátegui, colocou: “não queremos, certamente, que o socialismo seja na América decalque e cópia. Deve ser criação heróica”.

Contra visões que procuram dividir o povo brasileiro de acordo com as etnias que o formaram, Alemão lembrou que “o Brasil é um Estado-nação independente, fundado em 1822, com uma só nacionalidade, um só povo-nação que representa 99,6% da população. Ao mesmo tempo pode ser considerado pluriétnico, pois tem 0,4% da sua população reunida em 280 comunidades indígenas que mantém a sua etnicidade, mas são tribais, não são nacionalidades”.

Recordando Darcy Ribeiro, Alemão enfatizou: “os brasileiros saberão ‘enfrentar com êxito as tensões sociais decorrentes de uma ascensão do negro, que lhe augure uma participação igualitária na sociedade nacional. É preciso que assim seja, porque somente assim se há de superar um dos conflitos mais dramáticos que desgarra a solidariedade dos brasileiros”. Por fim, salientou: “somos antiimperialistas porque somos patriotas e revolucionários. O internacionalismo latino-americano e o patriotismo são inseparáveis”.

Exigência da atualidade

Antes de os palestrantes discorrerem sobre os temas propostos, Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois, e Renato Rabelo, presidente do PCdoB, fizeram uso da palavra. “Conhecer mais e melhor o Brasil contemporâneo é uma exigência, uma necessidade que se impõe às forças políticas progressistas que têm compromisso com a Nação, com o país, com povo e os trabalhadores”, disse Monteiro.

Segundo ele, o seminário se realiza “numa circunstância impar”. “Se a última década do século 20 foi marcada pela proclamada crise do socialismo, o final do primeiro decênio do século 21 simboliza a crise do capitalismo e notadamente o fracasso dos dogmas neoliberais”. Neste contexto, ponderou, “o marxismo é revalorizado e o socialismo se apresenta como uma alternativa renovada e viável”. Renato Rabelo, por sua vez, destacou que o debate é o começo do processo que culminará no 12º Congresso. “Suas discussões servirão de matéria-prima para nossas futuras elaborações”.

O dirigente ressaltou que o “debate é essencial porque para se fazer um novo programa é preciso partir da realidade concreta de nosso país. Temos nossa base teórica, mas precisamos conhecer a fundo nossa própria realidade. Isso é fundamental para cheguemos a um programa candente, vivo, e não meramente formal”.

Rabelo lembrou que ao se tratar da superação da crise “a grande questão que não tem sido considerada é que enfrentamento deve se dar do ponto de vista político e ideológico. Uma saída meramente econômica é pura abstração”. Ele lembrou que “a solução que tem sido pensada a partir de interesses políticos bem definidos. E a lógica que tem prevalecido é a de nacionalizar os prejuízos e privatizar os lucros”.

O dirigente constatou que “se o processo correr dessa maneira e a saída se der pela via capitalista, viveremos futuramente crises ainda maiores. Por isso existe nesse debate a questão da alternativa socialista”. É dentro deste contexto que se dará a elaboração do novo programa de atuação do PCdoB. “Partiremos basicamente de duas matrizes: a defesa de nossa nação e de nossa soberania e, ao lado disso, a possibilidade real que vivenciamos de darmos importantes passos de sentido civilizacional”.

A coordenação dos trabalhos desse primeiro dia de seminário ficou a cargo do historiador Augusto Buonicore. Para ele, o debate desta sexta-feira “foi uma maneira de darmos continuidade aos esforços teóricos feitos pelos comunistas ao longo dos 87 anos de história do partido”. E concluiu: “o que tiramos de tudo isso é que se é verdade que na história do Brasil o povo sofreu muitas derrotas, é também verdade que a história brasileira é feita pelas conquistas do povo. Por isso, temos muito que comemorar”.

De São Paulo,
Priscila Lobregatte
Fonte: Partido Vivo

Debate aponta desafio de ir além dos avanços do governo Lula

Ir além dos avanços promovidos pelo governo Lula, superando seus limites, foi o desafio apontado, neste sábado, duante o debate ‘A evolução do estado brasileiro e sua situação atual’. Parte da programação do segundo dia do Seminário Desvendar o Brasil, a discussão resultou em um passeio pela história do país, com direito a análises, pontos de vista distintos e polêmicas. O evento está sendo promovido pela Fundação Maurício Grabois e pelo PCdoB.

De acordo com um dos participantes da mesa, o professor de História da Universidade de São Paulo (USP), Lincoln Secco, a classe dominante brasileira sempre rejeitou a integração do proletariado no seio da sociedade. E, só no fim dos anos 70, os trabalhadores começam a ter seu espaço. Foi, contudo, na década seguinte, que passaram a fazer parte da vida política nacional, de forma reconhecida.

Secco, entretanto, ressalta que o período de ascensão da classe trabalhadora, terminou com uma derrota eleitoral, em 89, quando o ex-presidente Fernando Collor de Mello se elegeu. Já a partir dos anos 90, o momento é de maior dificuldade para a organização dos trabalhadores — com o desemprego e a hegemonia de grupos neoliberais pela América Latina —, mas forças populares conquistam a vitória eleitoral, com a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência.

“Aquele momento foi de um vitória eleitoral, mas de uma derrota na disputa de valores na sociedade brasileira. O governo se estabelece quando os valores neoliberais são dominantes. Isso faz com que tenha um programa rebaixado e que não seja de esquerda. É de coalizão. Evidentemente que o governo promoveu avanços, tem setores de esquerda importantes pela primeira vez. Mas carrega, em si, ambiguidades”, colocou.

Fazendo ressalvas sobre o contexto e o perfil de ambos, o professor comparou o governo Lula ao de Getúlio Vargas, que, segundo ele, promoveu avanços com as leis trabalhistas, mas desorganizou os trabalhadores. “O governo Lula traz novos direitos para as camadas populares, e uma política exterior bem melhor que as anteriores mas, de certa forma, também sequestra um pouco a história dos trabalhadores. Faz com que esses direitos pareçam dádivas”, analisou.

Para ele, não é o Estado que dá direitos. “ É a classe trabalhadora que pode mudar o Estado, e não o contrário”, disse, propondo uma “superação dialética” do governo atual. “É preciso conservar o que ele tem de progressista e negar o que nele há de conservador, uma tarefa dificílima. A popularidade do comandante do Executivo vem, em grande parte, da imagem do doador de direitos. (…) A resposta para isso não pode vir de intelectuais, mas de movimentos vivos e o PCdoB talvez tenha a responsabilidade de mostrar esse caminho”, encerrou.

Reorganizar o povo para as tarefas antiimperialistas

Na mesma linha, o deputado federal Aldo Rebelo defendeu que o atual governo de coalizão tem sido eficiente na mediação de conflitos sociais e tem feito um esforço para implementar uma política externa independente. Contudo, não teria conseguido tratar de questões estratégicas, do reposicionamenhto do estado. “Não se reorganizou o estado para um conteúdo que, se não pode ser socialista, seja de um estado capaz de organizar o povo e a sociedade civil nas tarefas antiimperialistas”, opinou.

Segundo ele, o programa das forças progressistas deve se voltar para essa reestruturação do estado, com capacidade de “planejar, pensar, ter uma política de defesa compatível com nossos interesse, produzir inovações tecnológicas e capaz de oferecer, na área da saúde e da educação o que não oferecemos hoje, apesar dos esforços.”

Para Rebelo, a eleição de Lula foi a ascensão dessas forças e mudou o panorama político, mas estabeleceu seus próprios limites. “Para além desses limites, outras forças devem ajudar a impulsionar esse processo. Nossa responsabilidade é muito essa”, colocou.

O deputado fez um resgate da evolução do estado brasileiro, defendendo que, até o fim do governo de Getúlio Vargas, a modelagem do estado não sofreu alterações. Este processo de mudança só teria se iniciado com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, aproveitando a onda da queda da União Soviética. “Ele se faz portador da ofensiva para remodelar o estado brasileiro, no sentido da privatização, desregulamentação, cerceamento da capacidade do estado como planejador. E fortalece o estado anti-estado”, colocou.

Rebelo falou que, enquanto as forças progressistas viam, na derrubada de Collor, uma chance de combate ao neoliberalismo, a classe dominante tinha outros interesses. “O Collor mostrou-se incapaz de conduzir o processo de mudança que interessava à classe dominante, aos grandes partidos. Era uma liderança fragilizada, de setor periférico, não conseguiu emplacar as privatizações e a classe dominante percebeu que podia pôr no lugar dele alguém com muito mais capacidade de coesão, unidade, convencimento, para implementar o seu projeto”, explicou.

Nesse sentido, Rebelo observou que, diferente do que era esperado pelas forças avançadas, a derrubada de Collor não resultou na vitória de um projeto à esquerda. Ele destacou que Fernando Henrique Cardoso foi o homem que colocou em prática o projeto da classe dominante, fragilizando órgãos de planejamento, desregulamentando o Estado e o reorientando.

Formação e desenvolvimento do Estado brasileiro

Responsável pela análise histórica da construção do Estado brasileiro, o professor de filosofia da Unicamp, João Quartim de Moraes, destacou algumas particularidades do país, que além de ter sido o único do Novo Mundo cuja consolidação política e unidade se Deu sob uma monarquia, foi o ultimo a abolir a escravidão.

Quartim destacou a importância de Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, no processo de integração, apesar de este ter sido um defensor da ótica escravocrata. O professor ressaltou ainda os motivos que levaram a aproximação do exército à causa abolicionista. Segundo ele, foi na Guerra do Paraguai que os brancos livres recuaram da missão de defender o Brasil, cabendo aos negros a tarefa.

Quartim questionou a utilização do termo “trabalhador livre”, para designar a condição dos escravos libertados com a abolição. E avalia que esse cenário tem rebatimentos até hoje. “Havia uma massa de escravos libertados, outros que já eram livres, o povo empobrecido das redondezas das fazendas, que simplesmente sobreviviam, sem terem se tornado operários, encarnações do trabalho assalariado. Um povo explorado de diversas maneiras. E isso atravessou a história social do país”.

Também na participação do professor, a era Vargas teve destaque. Ele recordou que tanto o Golpe de 64 quanto a era FHC se esforçaram para apagar o legado getulista. E reconheceu que Vargas, de forma ambígua, desenvolveu duas linhas políticas que são constantes na plataforma histórica da esquerda: a defesa da soberania nacional e as leis trabalhistas.

De São Paulo,
Joana Rozowykwiat
Fonte: Partido Vivo

O papel do Estado no desenvolvimento nacional

Entrelaçando elementos históricos com dados da realidade, conceitos marxistas e táticas políticas, a mesa que debateu os “Padrões de acumulação capitalista no Brasil e o capitalismo brasileiro hoje” deu uma verdadeira aula de economia. Coordenada por Renildo Souza, economista, professor do Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia e membro da direção nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a mesa deste sábado (4) deixou a plateia com a sensação de “quero mais”. O debate ocorreu no âmbito do seminário “Desvendar o Brasil”, promovido pela Fundação Maurício Grabois em conjunto com o PCdoB, em São Paulo.

Bem humorado e inspirado, Aloísio Teixeira, professor, economista e reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), abriu o debate citando a seguinte frase de Karl Marx na carta a W. Bracke no preâmbulo do texto Crítica ao Programa de Gotha: “Cada passo de movimento real vale mais do que uma dúzia de programas.” Ele fez ainda algumas considerações sobre este documento marxista para lembrar que Marx inicia a sua grandiosa obra O Capital com a análise da mercadoria.

Aloísio Teixeira disse que os três componentes essenciais da produção de mercadoria — trabalho, terra e dinheiro — ganharam um dinamismo avançado no capitalismo e promoveram uma mudança radical na sociedade humana. Ele explicou também que não há uma “teoria geral” para se interpretar esse fenômeno em decorrência das particularidades de cada país. Para Aloísio Teixeira, no caso do Brasil é preciso ter em conta a colonização local, produto da expansão mercantil européia.

Investimentos estatais

Segundo ele, os colonizadores encontraram aqui terra farta e clima favorável à produção de açúcar, mercadoria com uma forte demanda à época. A produção iniciou-se com o trabalho escravo — em um processo no qual nem o trabalho e nem a terra eram livres. Para Aloísio Teixeira, essa configuração determinou o desenvolvimento das relações econômicas e sociais brasileiras. No decorrer do debate, ele fez também considerações sobre o papel do proletariado na transformação da sociedade, o desenvolvimento do Brasil no século XX e a atual crise econômica.

Aloísio Teixeira lembrou que os investimentos estatais foram essenciais para a chegada do grande capital no país. Sem a destinação de recursos públicos maciços para o desenvolvimento da siderurgia e da energia, por exemplo, os investimentos estrangeiros poderiam ter tomado outro destino. Na atual crise, segundo ele, o governo deve destravar a máquina pública, amarrada, por exemplo, pelas imposições da Lei de Responsabilidade Fiscal e do superávit primário.

Reformas de base

Carlos Alonso de Oliveira, economista, professor livre-docente da do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), iniciou sua exposição dizendo que o período desenvolvimentista foi determinante para o Brasil. Segundo ele, o desenvolvimentismo que transformou o país de uma sociedade agrária em uma sociedade urbana fez o Brasil estar hoje entre as principais economias do mundo. Ma a renda per capita ainda é muito baixa, destacou.

A interrupção dos processos de reformas de base pelo golpe militar de 1964, de acordo com Carlos Alonso de Oliveira, significou também o fim das ações do Estado voltadas ao desenvolvimento. Os investimentos estatais, destacou, foram decisivos para a industrialização do país. Sem eles, disse o professor, não haveria a infra-estrutura necessária à entrada do capital estrangeiro em setores como o automobilístico. Se esse elemento não contasse, os capitais vindos de fora poderiam ter optado pela Bolívia ou a Nigéria, exemplificou.

Política conservadora

Segundo Carlos Alonso de Oliveira, a visão de que o capital estrangeiro faz por si só o desenvolvimento é falsa. Para ele, quem gostava dessa idéia era o ex-presidente neoliberal Fernando Henrique Cardoso (FHC), que apostou na “estabilidade” da moeda como única condição para a entrada de capitais no país. O resultado, destacou, foi a financeirização da economia com as reformas conservadoras dos anos 90. O governo Lula, disse o professor, promoveu algumas mudanças consideráveis neste paradigma.

Para ele, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não é pouca coisa. Carlos Alonso de Oliveira cita ainda a nova configuração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a política de valorização do salário mínimo e a geração de novos consumidores por meio de gastos públicos. Mas, ressaltou, há a política conservadora do Banco Central (BC), extremamente desfavorável ao crescimento econômico.

Empresas estatais

Sobre a crise econômica global, Carlos Alonso de Oliveira disse que ela não é passageira. Seu desdobramento, afirmou, vai depender da forma como os Estados Unidos agirão. Ele ressaltou, no entanto, que a gravidade da situação abre espaços para políticas nacionais. E destacou que o Brasil precisa romper com o marco legal dos anos 90, que paralisa as ações do Estado. Carlos Alonso de Oliveira lembrou a advertência do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, de que o Brasil precisa de uma legislação de emergência para enfrentar a crise.

Ele lembrou ainda que o país sente a falta de empresas estatais, que agora poderiam ser a linha de frente dos investimentos públicos a fim de amenizar os efeitos da crise global. Carlos Alonso de Oliveira destacou o papel da Petrobras, que promove investimentos e puxa uma cadeia produtiva com larga repercussão na economia. Ele citou ainda o papel fundamental dos três bancos públicos — BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal — para enfrentar a crise global.

Mais valor e menos peso

João Sicsú, economista, diretor de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também disse que o Brasil está preparado para enfrentar a crise global. Ele informou que o governo está com as finanças públicas organizadas e sadias. Para João Sicsú, o fato de o país ter uma grande demanda por obras de infra-estrutura e três grandes bancos públicos dá ao governo amplas possibilidades de investimentos que dinamizam a economia.

Ele também criticou as amarras legais e burocráticas que impedem a chegada do dinheiro “à rua”. Segundo João Sicsú, existe uma parafernália de regras que limita a velocidade dos investimentos. O economista disse ainda que o país precisa incorporar tecnologia à produção para exportar mais valor e menos peso. Ele citou que para isso os investimentos em infra-estrutura são determinantes. E terminou a exposição com uma afirmação otimista. “Temos onde gastar”, sintetizou.

De São Paulo,
Osvaldo Bertolino
Fonte: Partido Vivo

A luta pelo socialismo é também uma luta moral

No último dia do seminário “Desvendar o Brasil”, que aconteceu em São Paulo entre os dias 3 e 5, Giovanni Alves, professor de sociologia da Unesp foi categórico: “temos um processo perverso de desconstrução da consciência coletiva, destruída pelo neoliberalismo”. Ele foi um dos palestrantes que participaram da mesa deste domingo intitulada “As classes sociais no Brasil na atualidade”.

Para Alves, “a luta pelo socialismo é também uma luta moral – mas não moralista – porque exige a participação de sujeitos capazes de construir essa nova sociedade”. O professor destacou que é preciso formar adequadamente, para além dos muros da escola, cidadãos críticos e conscientes da necessidade de se mudar estruturalmente a sociedade.

Ligando esta questão à classe trabalhadora, base imprescindível para uma transformação profunda da sociedade, Alves disse que “na vida cotidiana, a máquina do capital tenta desefetivar o proletariado. A grande luta de classes hoje é pela formação de uma consciência de classe entre os trabalhadores”. Só assim, acredita, “será possível construir o socialismo do século 21”.

Partindo do legado marxista, o palestrante tratou das teorias da exploração e do estranhamento. A primeira delas “explica a dinâmica estrutural de produção e acumulação de valor, finalidade intrínseca do sistema de controle sócio-metabólico do capital”. O segundo conceito diz respeito à desefetivação do homem “a partir das relações sociais e práxis histórica constitutiva do trabalho estranhado e da vida social estranhada subjacente à produção do capital”.

A situação criada pelo capitalismo implica, segundo colocou o professor, “numa separação histórica ou alienação primordial que origina o proletariado e que marca o destino de homens e mulheres”. Tal separação histórica ou alienação, explicou, tende a ser reiterada de forma sistêmica no tempo histórico presente resultando, entre outros fatores, na precariedade salarial.

Esse conjunto de aspectos que caracterizam os trabalhadores de todo o mundo, a “condição de proletariedade”, abriu um “campo de possibilidades concretas para a constituição da classe social do proletariado propriamente dita”, explicou Alves. Para ele, mudar os rumos do capitalismo para a construção do socialismo depende de “mediações concretas – com instituições sociais, políticas ou culturais – capazes de produzir um tipo específico de consciência social: a consciência de classe”.

Ainda durante sua apresentação, o professor defendeu que “o PCdoB é um dos maiores e mais importantes partidos comunistas do Ocidente e tem grande responsabilidade e compromisso com essa discussão e com a elaboração teórica renovada”.

Radiografia

Adalberto Moreira Cardoso, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), procurou radiografar as principais mudanças no perfil social do país desde 1940 até 2000, ano do último Censo do IBGE, como forma de compreender melhor a realidade com a qual a esquerda precisa lidar para a construção de um novo projeto nacional. “O PIB cresceu 22 vezes em 60 anos; porém, o PIB per capita foi multiplicado apenas cinco vezes. Se a população não tivesse crescido, o PIB per capita hoje seria equivalente ao da Espanha”, constatou.

Num período de 50 anos, o país deixou de ser majoritariamente agropecuário – em 1950 o setor era responsável por 25,08% da economia e em 2000 essa participação caiu para 5,6% – enquanto no mesmo período o setor de serviços passou de 49% para 66%. A indústria não sofreu grandes mudanças: saiu de 24,96% para 27,73%, mas teve seu pico entre os anos 70 e 80. Cardoso demonstrou que, apesar de ter havido mudanças, houve também certa inércia na economia brasileira. “Com o fraco desempenho dos anos 80, a indústria – que até então tinha 44% de participação – caiu para praticamente os mesmos índices dos anos 1940 e 1950”.

Tais mudanças transformaram a geografia do país, que passou de agrário para urbano, levando ao inchaço das cidades e ao aumento das carências sociais até hoje não solucionadas. Neste sentido, os salários também sofreram alterações consideráveis. “No período Vargas, o mínimo foi valorizado, depois foi depreciado durante o período militar e hoje, embora tenha havido aumentos sucessivos, equivale ao que era nos anos 1940”, disse o professor. A desvalorização também fez com que em 1950, 80% dos trabalhadores ganhassem o equivalente a 900 reais; em 2000, este índice chegou a 64%. “Esse patamar de renda foi uma barreira que a grande maioria dos brasileiros não foi capaz de romper”, avaliou.

Dessa forma, a grande mobilidade social dos brasileiros está diretamente ligada à mobilidade estrutural, que fez com que grande parte saísse do campo para a cidade. No entanto, explicou o professor, “64% dos que migraram não tiveram melhora de vida”.

Este fato, somado à queda no emprego industrial, à piora nas relações sociais e ao aumento brutal das classes baixas urbanas a partir principalmente dos anos 90, serve para se compor o perfil da massa trabalhadora hoje. “A vida ficou pior para pessoas de escolaridade maior por conta da precarização do trabalho. Isso se aprofundou até meados dos anos 2000, mas tende a ter melhorado desde então”, acredita Cardoso.

Em resumo, o professor salientou que “para a ação política da esquerda é preciso limpar o ambiente dessa noção pré-concebida de se tentar encontrar um proletariado com consciência proletária. Nosso desafio é criar identidade com a classe trabalhadora no cotidiano e dar uma direção a ela”. Para ele, o presidente Lula “é a consciência da classe trabalhadora no poder” e a crise “é uma grande janela de oportunidades para se atrair o trabalhador e despertar nele a compreensão sobre as saídas e alternativas possíveis para a crise”.

Classes sociais

Dando continuidade a tal radiografia, Waldir Quadros, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) procurou aprofundar a análise sobre o desemprego e o perfil das classes sociais no Brasil. Quadros explicou que a baixa classe média é hoje extremamente importante porque representa a maior fatia da população e conseguiu fugir da pobreza, o que aumentou seu potencial de consumo. “A classe C tem sido cada vez mais valorizada pelo comércio e mesmo pelos setores políticos porque é uma faixa da população que cresceu consideravelmente”, disse.

Ponto positivo mostrado pelo professor foi o retrocesso no número de miseráveis. Em 2000, eles eram 22,4% dos desocupados e em 2007, 10%. “Isso se deve ao crescimento econômico, fator que tem um impacto profundo na sociedade. É o crescimento que torna possível equacionar o problema social brasileiro”.

Quadros enfatizou que, como se constatou nos anos 80, “a estagnação é perversa no Brasil”. Ele colocou ainda a necessidade de se ir além e se buscar um planejamento para o desenvolvimento nacional. “O Brasil tem ciclos de crescimento, mas não tem ainda bases para um crescimento continuado, autônomo e significativo, embora hoje haja melhores oportunidades”. Para ele, essa transformação depende de “mudanças mais profundas na condução política do processo”.

O pesquisador reconheceu que tem havido melhoras na área social desde a chegada de Lula ao poder, mas “é preciso atitude de Estado e mudanças na política econômica para que o país não volte a despencar”. E colocou: “o atual governo, seja ou não de esquerda, é visto como de esquerda e se falhar, a esquerda estará em maus lençóis e certamente não terá uma segunda chance”. De acordo com o professor, “a burguesia financeira é o inimigo do momento. Nosso desafio é dar respostas para a sociedade do século 21”.

A mesa, coordenada pela diretora de Formação da Fundação Maurício Grabois, Nereide Saviani, foi encerrada por Neomar de Almeida Filho, reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ele procurou esquadrinhar os tipos diferentes de universidade que existiram ao longo do tempo e defendeu uma universidade aberta para o social, como forma de incluir a população no processo de formação e, ao mesmo tempo, transformar a sociedade de maneira crítica na busca por um novo modelo econômico.

De São Paulo,
Priscila Lobregatte
Fonte: Partido Vivo

Os caminhos para a transição ao socialismo

Finalizando o seminário “Desvendar o Brasil”, no domingo (5) à tarde, o ministro da Justiça, Tarso Genro, o presidente do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, e o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, debateram o tema “Os rumos da revolução brasileira e a transição para o socialismo”. No evento, Tarso Genro avaliou que está em curso uma ''campanha para promover um cerco contra a atividade política'', a fim de impor o poder do grande capital.

O objetivo dessa investida, explicou, é omitir ilegalidades dentro e fora do Estado e criar um ambiente de desconfiança generalizada no mundo político para impor o poder da tecnocracia, do grande capital. A resposta a essa situação, disse Tarso Genro, é pautar um projeto que tenha como ponto máximo a luta pelo socialismo — um projeto que abra caminho para se discutir coisas mais profundas da sociedade capitalista.

Ele abriu o debate dizendo que exporia suas idéias de maneira bem sistemática e enfatizando o valor do seminário para uma reflexão sobre a democracia e o futuro das lutas progressistas brasileiras. O ministro lembrou que o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) é uma importante organização do movimento democrático no país e resgatou, de forma sintética, a trajetória de unidade das forças progressistas que conduziu Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Segundo Tarso Genro, a eleição de Lula representou uma virada histórica que enseja uma reflexão sobre o futuro da democracia no Brasil.

Citando uma passagem do texto que ele publicou no livro O mundo Real: Socialismo na era pós-neoliberal — uma coletânea que inclui também artigos de Giuseppe Cocco, Carlos Maria Cárcova, Juarez Guimarães, com apresentação de Mário Soares e introdução de Fernando Haddad —, Genro disse que o debate sobre o socialismo sob a ótica da democracia é um tema que seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT), não tem discutido. O ministro afirmou que ele e a sua tendência petista têm lutado para resgatar este debate.

Genro disse que o avanço para uma sociedade pós-capitalista — que seria o socialismo — deve ter em conta o desenvolvimento de um padrão tecnológico e científico. Para ele, nos últimos 40 anos houve grandes mudanças qualitativas das forças produtivas, sem alteração das relações de produção. O ministro destacou que há um fenômeno novo, a redução substancial do trabalho vivo, que despontencializou a classe trabalhadora como agente com vigor político para a revolução ou as reformas preconizadas pelos ideais socialistas e social-democratas.

O ministro disse ainda que essas mudanças debilitaram a moral do trabalho, forjada pelas duas revoluções industriais que precederam a atual transformação radical nos meios de trabalho — a chamada terceira revolução industrial. Para Tarso Genro, houve uma manipulação cultual e ideológica, com o reforço do poder da mídia, por meio de um consumismo predatório que dilui a moral trabalhista e contamina, em última instância, toda a sociedade.

Segundo ele, outra conseqüência deste processo de mudanças é a alteração na estrutura de classe para tentar impor uma unicidade subjetiva, o neoliberalismo. Para Tarso Genro, o resultado é uma fragmentação da classe trabalhadora. O ministro enfatizou que a mídia cumpre um papel central nesse processo. Ele destacou que a liberdade de imprensa é uma categoria central no âmbito das transformações sociais, mas ela precisa ser compreendida como circulação de opiniões. Segundo Tarso Genro, isso significa dar condições para que as pessoas possam fazer um juízo e escolher quais caminhos seguir.

Ele explica que um ponto de partida para a atuação das forças progressistas é o debate sobre uma nova teoria de empresa. Para o ministro, o socialismo não desenvolveu um método de organização do trabalho que foi além do taylorismo. Romper conscientemente com esse sócio-metabolismo implica, afirmou, em buscar formas jurídicas democráticas dentro do capitalismo a fim de antecipar a sociedade na qual a distribuição da produção seja de acordo com a capacidade de contribuição no processo produtivo.

Tarso Genro disse ser ilusão a idéia de começar as mudanças na organização do trabalho do zero, a partir da tomada do poder político. Segundo ele, essa foi a causa fundamental do fracasso das experiências socialistas. O ministro disse que os agentes da nova sociedade podem atuar dentro de uma ordem jurídica capaz de entusiasmar a classe trabalhadora para as mudanças estruturais. Tarso Genro terminou afirmando que para ele esse é o caminho de um socialismo democrático e renovado.

Tarefas para as forças progressistas

Economista e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann avaliou que a atual crise econômica mundial pode ser vista como uma oportunidade para as forças progressistas que defendem uma transformação mais profunda na sociedade. Segundo Pochmann, o atual modelo de capitalismo está em xeque, mas não pelo aparecimento de um novo projeto. Caberia, portanto, à esquerda construir essa alternativa.

O economista relatou que as últimas três décadas foram de regressão nas conquistas sociais e laborais. Como forma de buscar rentabilidade, se construiu um caminho que, avalia ele, hoje se mostra extremamente artificial, que foi a perspectiva da financeirização da riqueza, da crença de que seria possível gerar riqueza sem produção. ''Essa fase capitalista deu base a uma ordem internacional conservadora. E o desmoronamento da experiência soviética garantiu aos Estados Unidos uma unipolaridade pouco vista antes. A supremacia do mercado se deu inclusive às custas da redução do papel do estado e do uso crescente de parcela do fundo público para a alimentação do circuito especulativo'', detalhou.

Para ele, contudo, essa perspectiva encontrou uma fase em que seus limites são dados, não só pela incapacidade de sua continuidade, mas pelos efeitos que impõe inclusive do ponto de vista ambiental. ''O fato novo dessa crise atual é que ela atinge também a esfera ambiental. Ao mesmo tempo, a crise encontra, pela primeira vez, quase a totalidade dos países submetidos à lógica capitalista. Atinge, então, mais amplamente o conjunto do mundo. É uma crise estrutural'', colocou.

Em sua intervenção, Marcio Pochmann sugeriu às forças progressistas interessadas em superar o capitalismo algumas tarefas e reflexões. ''A crise do capital abre uma discussão a respeito da propriedade. É necessário que se levante a bandeira da revolução da propriedade. Ela concentrada tal como está hoje, do ponto de vista privado, é um entrave ao avanço econômico e social'', ponderou. Segundo ele, o fundo público precisa ser ampliado e ter seu papel rediscutido, com o objetivo de que ele financie ''uma sociedade superior a que temos hoje''. Nesse sentido, ele defendeu que é necessária, então, a realização de profundas reformas tributárias. Essas alterações devem se dar sob o viés da justiça social e ''abandonando a referência da tributação da chamada velha economia e cada vez mais se concentrando na tributação de novas formasde riqueza''.

''O estoque da riqueza segue concentrado em pouquíssimas famílias. Esse é um debate necessário, com vistas à mudança drástica na economia. Os ricos seguem sem pagar tributos. Outro fato importante a ser avaliado diz respeito à ausência de democracia na propriedade dos meios de produção brasileiros'', colocou.

Pochmann também falou da importância de fazer uma drástica mudança na relação do trabalho com a vida. E defendeu a redução na jornada de trabalho. ''Imaginamos que é possível libertar o homem do trabalho heterônomo. Do ponto de vista histórico, essa luta tem sido exitosa. As novas técnicas de gestão e produção fazem com que o trabalhador hoje exerça o seu trabalho cada vez mais fora do local de trabalho. E o trabalho fora do local de trabalho gera riqueza não contabilizada, não repartida'', disse. Na sua intervenção, ele defendeu ainda que a educação deve estar presente não apenas na infância e adolescência, mas na vida toda. ''Isso só será possível com a ampliação do fundo público'', pontuou. O presidente do Ipea afirmou que, hoje, o fundo público não financia o público, mas o privado.

Outro ponto levantado pelo economista está relacionado à refundação do estado, que, segundo ele, está saturado pelas idéias e compromissos do século XX. ''Precisamos do estado que olhe a sociedade na sua totalidade, precisamos de matricialidade e coordenação nas ações''. A última questão levantada por Pochmann foi a necessidade de construção de um padrão de consumo e produção socialmente sustentável. ''É compatível uma vida saudável com uma vida simples. As casas ficaram maiores, porque são depósitos do consumo. Rever esses valores é obra de todos os que defendem uma transformação'', encerrou.

Crise põe socialismo em pauta

Renato Rabelo iniciou sua exposição registrando que a aquela mesa coroou o trabalho do seminário. Ele disse que o objetivo era o de ouvir ao máximo os convidados para ter diversas opiniões interessadas em construir um novo mundo, uma nova vida, uma nova sociedade. Segundo o presidente nacional do PCdoB, é importante a participação no debate sobre uma nova sociedade também dos portadores do pensamento avançado brasileiro que não são do Partido.

No terreno da teoria revolucionária, disse Renato Rabelo, o PCdoB tem observado cada experiência do socialismo em suas respectivas épocas para tirar ensinamentos. Ele destacou que a experiência concreta é mais eficiente do que as previsões sobre como seria o socialismo. Renato Rabelo explicou que no processo de congresso, no PCdoB, todos opinam abertamente e que, portanto, não há uma posição que pode ser definida como sendo do Partido.

Ele definiu a diferença entre os ideólogos da nova e da velha sociedade como pediátricos e geriátricos. Segundo Renato Rabelo, o socialismo é um processo em nascimento, com pouca experiência sobre como aplicar o pensamento marxista. Para o presidente do PCdoB, as primeiras tentativas de edificação socialista ocorreram de forma sui generis, uma vez que Karl Marx havia formulado a tese de que as revoluções ocorreriam a partir das economias desenvolvidas.

Vladimir Lênin, disse Renato Rabelo, desenvolveu a teoria do elo mais débil da cadeia imperialista como ponto da ruptura revolucionária. Segundo ele, a revolução na Rússia representou uma experiência específica, abrupta, que não se repetiu na China e em Cuba, por exemplo. O presidente do PCdoB explicou que dessa constatação pode-se tirar a conclusão de que não há modelo único de socialismo. Para ele, a realidade de cada país levou o capitalismo a ter um desenvolvimento desigual, própria de cada local. Não é possível, portanto, destacou Renato Rabelo, copiar modelos.

O fundamental, afirmou, é ter em conta a contradição entre modo de produção e as relações de produções, que precisa ser resolvida. E ressaltou que outra lição importante é que a formação econômica e social não passa direto de uma fase para outra, sem levar em conta etapas de transição. Renato Rabelo lembrou que Marx definiu a marcha do movimento real, avançado e progressista, como algo que surge no bojo da velha sociedade.

Mas para isso, disse o presidente do PCdoB, a conquista do poder político é decisiva. Sem o Estado transformado e a serviço da nova sociedade não é possível dar forma às mudanças, ressaltou. O poder político, destacou, cumpre papel fundamental na transição da velha para a nova sociedade. Segundo Renato Rabelo, foi aí que a coisa pegou nas experiências passadas de socialismo. Para ele, os sovietes, que surgiram espontaneamente no processo revolucionário russo, não se desenvolveram quando o socialismo adquiriu forma após a tomada de poder pelo proletariado.

O presidente do PCdoB enfatizou que o desafio está aí, na conquista do poder político para a edificação de um novo Estado que seja a expressão das forças progressistas. Segundo ele, não há como garantir a transição sem uma hegemonia, no poder político, do pensamento avançado. E isso, como dizia Antônio Gramsci, lembrou Renato Rabelo, se faz dentro da velha sociedade. É preciso ter em conta ainda, destacou, que as forças revolucionárias encontram-se em uma fase de defensiva estratégica.

Para Renato Rabelo, a crise econômica global do capitalismo coloca a questão da luta pelo socialismo em pauta, mas isso não quer dizer que a passagem para uma nova sociedade está na ofensiva. Segundo ele, no quadro mundial a correlação de forças não está dada. Nessa fase, disse, o fundamental é acumular forças e definir qual caminho seguir. O presidente do PCdoB explicou que a consciência da maioria da sociedade sobre a importância da mudança de paradigma tem papel decisivo.

Renato Rabelo lembrou que o poder unipolar está em crise porque os instrumentos utilizados para a sua imposição começam a ser minados. E isso abre espaços, segundo disse, para a busca de um caminho de desenvolvimento nacional, resultado da combinação da crise global com a realidade brasileira. Ele explicou que de 1930 a 1980 o Brasil teve um importante desenvolvimento, mas de 1981 até 2005 o país estagnou.

Esse cenário, afrimou, levanta a questão do caminho a seguir. Para Renato Rabelo, esse é o desafio do governo Lula. Ele lembrou os avanços obtidos de 2002 para cá, mas ressaltou que existe um nó que é a política monetária e fiscal. Segundo Renato Rabelo, para enfrentar a crise o Brasil não está bem preparado porque o Estado está submetido a uma legislação que trava as iniciativas do governo. Ele citou os exemplos dos entraves burocráticos ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o pagamento de juros, que equivale a 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB).

Renato Rabelo finalizou dizendo que na visão do PCdoB a democratização do Estado significa fazer dele um indutor do avanço civilizacional, que garanta a defesa das liberdades políticas e a soberania nacional. Ele defendeu um conjunto de reformas que fortaleçam um pólo bancário público e façam a produção gerar mais valor. Para Renato Rabelo, a economia brasileira é primarizada. Ele destacou ainda a importância da integração solidária da América do Sul e encerrou a exposição enfatizando o papel do Estado na definição de um novo caminho para enfrentar a crise global.

A mesa, coordenada por Madalena Guasco, doutora em Educação pela PUC-SP, professora titular da PUC-SP e coordenadora-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), deveria contar também com Eduardo Campos, presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e governador do Estado de Pernambuco, e José Dirceu, advogado, ex-minitro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, e Roberto Amaral, vice-presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que por motivos particulares não puderam estar presentes.

De São Paulo,
Osvaldo Bertolino e
Joana Rozowykwiat
Fonte: Partido Vivo