Por Mary Stassinákis

Por Mary Stassinákis, no Monitor Mercantil

Uma semana antes da chegada dos líderes dos países desenvolvidos, e dos em desenvolvimento veloz, chegarem à Londres, o primeiro-ministro e o ministro das Finanças da Grã-Bretanha, respectivamente Gordon Brown e Alistair Darling, convocaram para uma reunião na Downing Street, 10 (residência do primeiro-ministro), um grupo de executivos – escolhidos a dedo – dos 13 maiores bancos norte-americanos, europeus, asiáticos e africanos, além de autoridades governamentais do setor bancário britânico.

O objetivo da reunião foi a revisão dos fundamentos, do funcionamento e dos mecanismos de fiscalização, assim como da filosofia – caso seja necessário – do sistema financeiro internacional. Porque, independentemente dos sentimentos de ira e suspeita que alguém possa nutrir contra o sistema financeiro internacional, todos concordam que ele não pode ficar como está, pois dele eclodiu a crise.

Todos, então, estão de acordo que o sistema financeiro (leia-se bancário) deve mudar. E todos concordam – por unanimidade – até na meta central da mudança, que é a reconstituição da confiança do mundo neste sistema.

E a confiança, como se sabe, é algo que se perde com facilidade, mas dificilmente se reconquista. Por isso, os aspectos mais difíceis, que ficam para definição posterior, são a forma, o método e a direção para a qual a reestruturação do sistema financeiro internacional deve se mover.

E é preciso que os aspectos (mais difíceis) sejam definidos no espaço de tempo mais curto. Porque todos reconhecem (felizmente) que a crise econômica continuará se estendendo e se aprofundando até que a confiança para com os bancos seja reconstituída.

“Aquilo que é necessário fazer é tornar o sistema bancário capaz de absorver os rangidos da economia. Porque o que conseguimos até agora é multiplicá-los ao invés de absorvê-los”, declarou o “lorde” Terner, presidente da Autoridade Fiscalizadora das Empresas de Prestação de Serviços Financeiros da Grã-Bretanha.

Terner esteve no epicentro desta reunião graças a um extenso plano de reestruturação do sistema financeiro internacional por ele elaborado, que na ocasião ele distribuiu para ser analisado e estudado.

O plano – com 122 páginas – protagonizou na reunião da Downing Street, durante a qual políticos, banqueiros e fiscalizadores (todos carregando suas pesadas parcelas de culpa, por causa de sua incapacidade de evitar a catástrofe) puseram o dedo na ferida dos pontos fracos do setor bancário internacional, que de forma dolorosa se revelaram catastróficos para os cidadãos.

O jornal britânico Guardian destacou que qualquer busca de “ressuscitação” do setor bancário e reestruturação do sistema não pode ignorar os grandes desafios empresariais e econômicos, mas também sociais.

O Guardian relata que organizações bancárias tradicionais da Grã-Bretanha, como o Royal Bank of Scotland, o HBOS e o Bradford & Bingley, precisaram da intervenção estatal, feita com o dinheiro dos contribuintes britânicos, para que continuem funcionando e garantam as economias de seus clientes (britânicos em sua esmagadora maioria).

O jornal também destaca que a forte presença do sistema bancário britânico na agora falida Islândia obrigou o governo Brown a apoiar as subsidiárias dos bancos britânicos naquele país.

Cinco propostas para os bancos

A primeira medida proposta pelos especialistas que participaram do encontro em Downing Street é a adoção de uma providência que Franklin Roosevelt tomou há 60 anos para tirar os EUA da Grande Depressão.

Terner propõe o retorno da Lei Glass-Seagal (dois políticos norte-americanos), que prevê a separação total das atividades de banking varejista e de investimentos.

“Os bancos realizam obra pública e devem obedecer a filosofia que Glass e Seagal introduziram”, diz Giorgio Cuesta, professor da Cass Business School de Londres. Ele propõe imites à concentração do setor porque – conforme sustenta no Guardian – “as sucessivas aquisições e fusões de bancos agravaram a crise”.

A segunda medida discutida foi a revisão radical da forma de remuneração dos executivos dos bancos, pois, como se sabe, trata-se de uma das questões mais sérias da crise atual.

O desprezo da opinião pública em relação à política de bonificações e de generosíssimos salários dos executivos, que reconhecem as remunerações e bonificações como análogas à lucratividade, apareceu com a crise. Afinal, a tentação de os executivos apresentarem desempenhos “a qualquer custo” é grande e invencível.

A terceira medida diz respeito ao “deletar” das dívidas. Os banqueiros estão convencidos (um pouco tarde, é verdade) que o sistema não pode se estabilizar se os balanços bancários não forem limpos das aplicações de alto risco. Isto é, se a incerteza sobre a situação econômica real em que se encontram não for eliminada.

A criação de um “banco ruim”, que absorverá tudo o que for de alto risco, como fez a Suécia para enfrentar a crise bancária da década passada, não está excluída. Contudo, há quem considere que estas ações não são suficientes.

Willem Bouiter, professor da London School of Economics, por exemplo, sustenta essencialmente que o banco distribui aos insaciáveis, aos corruptos e aos incompetentes “atestados de perdão”, enquanto Luigi Chingalez, da Chicago Business School, se declara favorável à uma transformação obrigatória das dívidas em debêntures, e se isso não for possível, é favorável à falência dos bancos.

A quarta medida foi a adoção de um limite máximo à concessão de empréstimos habitacionais para os tomadores interessados. A derrocada do Northern Rock – trata-se do banco que Gordon Brown estatizou – e o comportamento do mercado imobiliário britânico mostram que quando os bancos concedem empréstimos superiores ao valor dos imóveis que os interessados se dispõem a vender e a comprar, aceleram as tendências de queda de preço no mercado imobiliário.

Países que já definiram limites para as concessões de empréstimos habitacionais aos consumidores, como Hong Kong, estão enfrentando melhor a atual crise de crédito.

Finalmente se discutiu a criação de novas instituições fiscalizadores. “Lorde” Terner não surpreendeu seus interlocutores ao sustentar que a autoridade governamental da qual ele é dirigente máximo tem que sobreviver.

A essência da discussão foi que todos estiveram de acordo sobre a necessidade de uma cooperação internacional para a criação e adoção de autoridades fiscalizadores internacionais. “A incapacidade de entendimento entre as autoridades fiscalizadores nacionais é a maior responsável pela crise atual”, disse Steven Handril, presidente da Associação das Empresas de Seguros da Grã-Bretanha, que participou do encontro em Downing Street.

Neoliberais apóiam estatização dos bancos

“Após as catástrofes do ano passado são poucos aqueles que continuam duvidando que o modelo financeiro anglo-saxão desabou”, escreve o político liberal britânico Bins Camble, em seu livro A tormenta: A crise econômica mundial e o que ela significa, lançado semana passada.

Constatando tudo aquilo que os governos foram obrigados a fazer, sem que a crise financeira fosse solucionada, o autor se questiona: “O que mais deverá ser feito? Paralelamente ou até contra mais recapitalizações, creio que os governos devem encarar os bancos como se já estivessem estatizados, e os obrigassem a conceder empréstimos aos clientes confiáveis reconhecendo que isto poderá deixar alguns empréstimos não resgatados no final”.

Serão necessárias outras medidas para a “extração” dos empréstimos tóxicos do sistema bancário. Uma medida – escreve o político britânico – era o Plano Paulson dos EUA, que não funcionou mesmo que por enquanto permaneça de pé.

“O mais bem sucedido programa de gerenciamento da crise bancária, o chamado “sueco” do início da década de 1990, pressupõe, além da injeção de recursos públicos, a separação do bom e do mau banking”.

A “última” (os elementos tóxicos do ativo) deve ser objeto de gerenciamento especial, para a redução dos prejuízos, e a primeira deve se preparar para uma lucrativa privatização.

Entretanto, talvez sejam necessárias outras medidas adicionais de encorajamento ao endividamento fresh: que significa os bancos serem deixados de lado com garantias estatais sobre os novos empréstimos? Mas esta opção tem consequências radicais, por que significa a estatização ou quase estatização do sistema financeiro.

É muito fácil alguém gerenciar organismos como estes do que estatizar os bancos, mesmo que crie o próprio e gigantesco volume de elementos para o estado e a mesma responsabilidade na distribuição dos créditos.

“Contudo, em cada caso, o preço para a reconstituição da estabilidade será aumentar, em muito, o papel do estado no setor bancário”, define o político liberal.

O novo ambiente bancário parece ter optado entre dois eixos básicos: o primeiro é a criação de novos organismos bancários, que serão exclusivamente nacionais, não internacionais e atenderão às empresas, sendo os próprios credenciados pela banco central, o exclusivo “emprestador de última instância”.

Tais organismos podem realizar desempenhos, mas sob regulamentações muito limitadas e com a proibição de se envolverem em atividades de alto risco. Neste sistema, tais atividades serão assumidas por outros organismos financeiros, como os hedge funds, mas sem qualquer proteção estatal.

A alternativa seria um outro sistema de bancos abertos à concorrência, pois assim as instituições de crédito teriam a possibilidade do banking varejista. Será preciso haver uma garantia plena para os depositantes, mas não para as instituições ou seus acionistas.

Um modelo desses, além da possibilidade dos depósitos, seria mais adequado ao livre mercado. O problema nesta construção é que qualquer previsão que seja feita – se um destes bancos desabar – pode levar novamente à necessidade de o Estado salvá-lo, a exemplo do que foi feitos nos últimos meses.