Minha relação com a América Latina tem sido fonte de grandes surpresas e alegrias. Em cada país um recorte cultural desta imensa colcha de retalhos. Fronteiras que se fundem em tons crepusculares. Na diversidade, a busca uma voz própria para anunciar-se como mundo novo. Não o da colonização, mas o construído sobre os destroços das culturas pré-colombianas e o naufrágio do sonho europeu de ser Europa aqui. Vagido infantil que vai se transformando em palavra e se reconhece e reconhece o mundo onde se inaugura como identidade. A América que vamos desvelando caminha nos veios profundos das tradições, da pele sensível e das representações recém-construídas. Tenho levado minha presença brasileira aos encontros e trazido amigos de paises vizinhos para  um dialogo que não tem sido possível entre governos. Poetas, artistas, historiadores fazem de Melipilla, Chile; San Juan, Argentina; Trujillo, Peru, cidade de Goiás, ou Goiânia, lugares da América Latina. Especial descoberta é ouvir as vozes dos escritores da América, tão pouco conhecidos entre nós. A maioria permanece relegada a seus pequenos círculos provinciais, quando muito, nacionais. Da mesma forma, os brasileiros, poucos, tenham alguma presença nos meios intelectuais dos países vizinhos. Divulgamos gente nossa e acolhemos poetas hermanos. Um trabalho lento. Uma ponte quase etérea vai nos aproximando. Quero, portanto, em alguns momentos de minha escrita aqui no Diário, contribuir para a divulgação de poetas marcantes de nossa América. Trago hoje o canto de um poeta gigantesco. O filho de Santiago de Chuco na serra peruana, César Vallejo, que viveu entre os anos de 1892 a 1938 e compartilhou a conflitada cena peruana do início do século XX e os sonhos e horrores da Europa repartida entre a utopia socialista e conflagrações como a Guerra Civil Espanhola. Vallejo se destaca por seu dialeto próprio, seu discurso inovador, arauto de um novo americanismo e de uma visão humanista e universal, tudo revelado em sua linguagem quase infantil, vocábulo e texto por onde se expressa um continente futuro. Segue aí, em tradução livre minha, o poema inicial que carrega o título de seu livro de estréia Los Heraldos Negros, Os Arautos Negros:

Há Golpes na vida, tão fortes… Eu não sei!
Golpes como do ódio de Deus; como se diante deles,
a ressaca de todo o sofrido
se empoçasse na alma… Eu não sei!

São poucos; Abrem valas escuras
no rosto mais feroz e no dorso mas forte.
Serão talvez os potros de bárbaros átilas;
ou os arautos negros que nos envia a Morte.

São as fundas quedas dos Cristos da alma,
de alguma fé adorável que o Destino blasfema.
Esses golpes sangrentos são as crepitações
de algum pão que na porta do forno nos queima.

E o homem… Pobre… Pobre! Volta os olhos como
quando por sobre o ombro nos chama uma palmada;
volta os olhos loucos, e tudo já vivido
empoça-se, como um charco de culpa na mirada.

Há golpes na vida, tão fortes… Eu não sei!