– Carro no Brasil é igual carroça!

      Eu, particularmente achei que ele tinha razão neste caso, pois embora a indústria automobilística seja estrangeira, os carros que aqui fabricam são inferiores a aqueles que fabricam nos seus países de origem. Além do quê, são no mínimo 50 % mais barato lá do que aqui. O leitor pode afirmar – ah, mas é porquê o governo brasileiro cobra altos juros deles, por isso os carros são tão caros! Isso é verdade até certo ponto; na verdade, não só o presidente collorido, como o do topete, quando falaram mal dos carros, não deram em contrapartida nenhuma contribuição para baratear os preços; nem nenhuma contribuição para exigir da indústria multinacional que aqui se instalou, da utilização dos mesmos métodos de fabricação e materiais de mesma qualidade que usam em seus países de origem , na produção de seus carros.

      Pois é; o presidente collorido falou grosso com a indústria automobilística, mas depois falou e fez, também outras coisas e acabou por sair de Brasília antes do tempo; se estou lembrado, numa carroça, embora sem junta de bois ou de burros, pois que motorizada era.

      Lembro-me muito bem, que quando garoto, o quanto era bom ter uma boa carroça, ou ainda, para quem tinha condições; uma charrete de pneus. Dessa maneira, nossas carroças daquele tempo não eram nem à gasolina, nem a álcool, nem a gás. Tampouco sabíamos tratar-se de uma carroça “flex” ou “flex total” ou ainda “super flex”. Era motor de um só cavalo; às vezes, uma mula ou égua. Para manter o motor de tração funcionando, capim e água eram suficientes. Quando o sol era abrasador, após o uso desses motores animais, jogávamos alguns baldes de água fresca no lombo deles; com isso, o motor já ficava “recondicionado” e pronto para tracionar mais uma vez. Às vezes, depois de algum trabalho pesado, soltávamos os animais num piquete (ou mangueirão, como diz em alguns estados do Brasil) e os deixávamos lá, por toda uma semana, quando os pegávamos de volta e: “dá-lhe trabalho”!

      Naquela época não havia rodízio de carroça: nem no “Praça da Matriz de Cravinhos". Ainda havia outra coisa: se queríamos chegar num determinado lugar as oito em ponto; lá estávamos as oito em ponto, pois também não havia tantas carroças assim. Portanto, se não havia congestionamento, não havia estresse, esse mal moderno que tanto mal nos faz. Como diz um amigo meu, João do Mato, lá de Ibiúna, “…hoje existem tantos carrões, a tecnologia está atualizadíssima, conseguem fabricar um carro sem nenhum defeito, mas essa geringonça tão moderna acaba por ficar parada no meio do congestionamento..” .  Eu não sou doido para passar o poder aos bichos; o George Orwell fez isso na sua “Revolução dos Bichos” e deu-se muito mal…

      Raros são os dias em São Paulo que não haja congestionamento de 150 quilômetros durante a manhã e 180 quilômetros à tarde. Hoje em dia, eu consigo ir até meu trabalho, distante 16 quilômetros de minha casa em meia hora (antes das seis da manhã), porém na volta, quando tudo vai muito bem, consigo voltar em duas horas!

      Mas a modernidade está aí! Mas e apesar disso, o chip eletrônico que abre e fecha o porta-luvas não funciona se a estrada tiver buracos, a maioria dos carros tem ”air bags”, mas não marca a temperatura do carro, tanto é verdade que, se  seu carro ferver, você só ficará sabendo quando o  carro empacar, digo estancar de repente. E carro quebrado numa Marginal Tietê, só para citar um lugar, é convite para alguns tipos se aproximarem com muito empenho e vontade. E não se tratam dos “chapas” não; os chapas são gentes decentes, que por R$50,00 por dia, carregam sacarias e mercadorias em pesadas caixas, para os caminhoneiros; carregam e descarregam. Soube de um caso, que uma pessoa conhecida me relatou, que quando o carro dele “pifou” em plena Marginal Tietê, por volta da meia-noite, chegaram dos dois lados, dois guinchos, que se auto-abalroaram, e os respectivos motoristas ainda saíram no tapa, disputando a possível cliente; uma mulher. E discutiram tanto, se bateram tanto, que quando se acalmaram, a Porto (seguradora) já havia chegado com um guincho muito mais moderno e levou o carro, enquanto os dois guincheiros ficaram lá retomando a discussão, por quererem saber quem foi o culpado pela perda da “féria do dia”, ou da noite; como queiram. Ainda hoje ouvi pelo rádio, uma entrevista do Prefeito Kassab, direto do  Japão, explicando que está conhecendo como se opera os trens com monotrilho, possível solução para o trânsito caótico de São Paulo, para os próximos dez anos.

      De certa forma eu quero a modernidade, mas gostaria de ver as marginais de SãoPaulo, repletas de charretes e carroças coletivas, transportando os operários e executivos em suas charretes, apreciando de passagem o povo pescando e fazendo piquenique às margens do Rio Tietê.

      Mas um leitor desavisado pode pensar: e os chapas, que ficam parados à cada dois quilômetros das Marginais, como vão sobreviver sem caminhões para descarregar?

      – Ora, digo eu.  Eles vão vender minhocuçu massa de pescar tilápias e carpas nas marginais: são quase quarenta quilômetros de marginais; isso se contarmos apenas de um lado. Provavelmente, os chapas deixarão de ser “chapas”, porque serão empresários. E eu tenho pensado seriamente: se chegar esse dia, eu vou me associar a um desses “chapas” e vamos abrir um negócio de aluguel de pangarés.Tenho dito. Que venham as carroças!

 Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.