Em entrevista ao Portal da Fundação Maurício Grabois, Marco Antonio Raupp, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) diz que no segundo governo Lula as políticas para a ciência e tecnologia deram um salto gigantesco. Segundo ele, a ciência passou a ter um papel de protagonista.

Leia os principais trechos da entrevista, concedida ao jornalista Osvaldo Bertolino

Podemos começar falando um pouco da situação da ciência nos anos 1990, que sofreu com aquele período do neoliberalismo, ficou à míngua. E sobre a situação da ciência hoje. Explique, por favor, a diferença entre essas duas situações.

Raupp – No anos 1990, e em alguns anos anteriores também, lutávamos sempre pela sobrevivência. A SBPC batalhava para o reconhecimento na sociedade da importância da ciência, mas sempre estava num patamar de luta para manter as atividades. E, agora, eu diria que se estabeleceu o fenômeno

Em entrevista ao Portal da Fundação Maurício Grabois, Marco Antonio Raupp, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) diz que no segundo governo Lula as políticas para a ciência e tecnologia deram um salto gigantesco. Segundo ele, a ciência passou a ter um papel de protagonista.

Leia os principais trechos da entrevista, concedida ao jornalista Osvaldo Bertolino

Podemos começar falando um pouco da situação da ciência nos anos 1990, que sofreu com aquele período do neoliberalismo, ficou à míngua. E sobre a situação da ciência hoje. Explique, por favor, a diferença entre essas duas situações.

Raupp – No anos 1990, e em alguns anos anteriores também, lutávamos sempre pela sobrevivência. A SBPC batalhava para o reconhecimento na sociedade da importância da ciência, mas sempre estava num patamar de luta para manter as atividades. E, agora, eu diria que se estabeleceu o fenômeno realmente, no segundo governo Lula. É recentíssimo.

Porque se definiu uma política industrial para o país. Antes disso só havia manifestações isoladas. Por exemplo, quando se criaram os fundos setoriais já foi no governo Fernando Henrique, na gestão do ministro Ronaldo Sardemberg. Era um instrumento importante de financiamento, recursos para financiamento. Ali foi uma grande luz. Só que nos últimos anos do governo FHC eles não foram utilizados porque todos foram contingenciados.

E também não tinha uma política clara. Então, esse mecanismo de financiamento foi criado no governo Fernando Henrique, mas não foi usado plenamente por ele. E não havia uma política clara que integrasse a ciência, a tecnologia, a inovação, o conhecimento com as políticas de desenvolvimento econômico. Não tinha uma política de desenvolvimento econômico. Se dizia na época que a melhor política era não ter política.

E, quando se estabeleceu essa política, se colocou a política de desenvolvimento científico e tecnológico como protagonista dentro da política global de desenvolvimento do país criou-se um ambiente altamente favorável. A ciência passou a ter um papel de protagonista.

Com essa crise que aconteceu agora a coisa se aprofunda mais. Veja que os países mais afetados por ela, como os EUA, são os que mais fortemente colocaram a necessidade de se partir para um novo modelo no qual a ciência e a tecnologia tenha muito investimento, uma participação muito grande, e vai ter um papel importantíssimo.

Então, são momentos diferentes tanto na história do Brasil como na história do mundo, que estamos vivendo agora. A crise aconteceu há questão de meses. Estamos vivendo este grande momento em que temos de desempenhar papéis no esforço nacional, da sociedade nacional, para modernizar e para fazer o país crescer econômica e socialmente. Isso dá uma importância muito maior para a ciência e tecnologia. E nos dá também uma responsabilidade muito maios.

Esse nos dá se refere a quem? As pessoas e as instituições são responsáveis pelo desenvolvimento dessas atividades. Por quê? Porque se incrementa muito mais, quantitativamente, e também há demandas com que não estamos acostumados. Eu digo nós como comunidade científica e acadêmica, que sempre atuou muito dentro dos muros universitários. E agora a sociedade está dizendo: “Vocês têm um papel a desempenhar, têm de dizer para que serve a ciência, onde ela pode ser usada em benefício da sociedade”. Isso é um desafio.

É muito rico esse momento porque abre oportunidades para o pleno desenvolvimento da ciência. Mas requer uma atitude importante das instituições de ciência, dos indivíduos. Há apoio para que elas se envolvam, porque há políticas, como já disse. E temos de ajudar nesse esforço global, que é sempre um esforço da sociedade como um todo de desenvolvimento.

Como nunca antes. Como diz o nosso presidente, nunca antes existiu essa oportunidade. E está acontecendo. E a meu ver é irreversível. Não é algo que vai depender de um próximo presidente que tenha inclinações para apoiar a ciência ou não. É irreversível porque o mundo todo está seguindo esse caminho.

O desenvolvimento do país esteve sempre muito ligado ao desenvolvimento da ciência e tecnologia…

Raupp – Ele esteve parcialmente ligado ao processo de desenvolvimento do país, no que se refere às empresas privadas, tanto capital nacional quanto internacional, que se estabeleceram aqui para produzir o que não produzíamos. Porque era substituição de importações. Então, para que essas empresas vieram para cá? Para produzir aqui o que não era produzido aqui e importávamos.

Tinha um setor grande, no modelo que surgiu aqui na Revolução de 1930, que se consolidou a partir da Companhia Siderúrgica Nacional, de Volta Redonda, para criar empresas estatais importantes, que permitissem ao governo também investir. Então, todo esse sistema estatal foi criado nessa época. Faz parte do modelo. Essas estatais tinham uma visão estratégica e já desenvolviam tecnologia.

Quase todas elas possuíam departamentos, ou institutos, de estudos científicos. Mas o sistema produtivo, como um todo, não. A ciência e tecnologia não era chamada a contribuir. Muito pouco. E fizemos a industrialização sem demandar tecnologia. Então, não temos isso. Portanto, o sistema de ciência e tecnologia foi construído nesse período dos anos 1950 até o governo Geisel, quando o país ainda tinha uma política de crescimento. E operava esse modelo.

E, então, o país criou uma base industrial importantíssima, mas sem ter demanda tecnológica. No geral, essas empresas não sabem direito o que é ciência e tecnologia. Se falar que a FNEP financia programas de capacitação, a maioria delas nem sabe o que é FNEP. Eu digo isso em forma ampla.

E começou a haver consciência para isso depois desses 20 anos de paradas no desenvolvimento, em que se começa a pensar: “Poxa, o país está fazendo experiências, imitando a Margareth Thatcher, ou tentando outras coisas aqui.”. Mas ficou patinando por quantos anos?. Havia, inclusive, uma ideia – FHC dizia isso – de que se se mantivesse o equilíbrio macroeconômico os investimentos viriam de fora.

O Estado não era para fazer investimentos. Porque a poupança no Brasil era muito baixa. Contando tudo ficava na faixa de 17/18%. Então, não sustenta o desenvolvimento de per si, natural, como ocorreu em outros países. Portanto, o papel do Estado é muito importante. Porque já foi nesse período de industrialização. O capital internacional, numa faixa de cerca de 30% dos investidores; capital nacional, cerca de 30%; e o governamental com 40%.

Criou-se também um sistema universitário importante. Algumas personalidades se destacaram nisso. Anísio Teixeira, por exemplo, foi um grande nome. O Darcy Ribeiro também. Eles embasaram toda a iniciativa na reforma universitária no Brasil, que nas universidades federais, paradoxalmente, foi executada pelos militares. Porque os militares tinham essa visão de que era algo importante.

O modelo econômico de certa forma dependente que perpassou todo esse tempo também não contribuiu para nosso atraso na ciência e tecnologia?

Sim. A meu ver, se tivéssemos adotado um modelo para nos desenvolvermos com nossas próprias pernas, com nossos próprios investimentos – deixando de lado o capital internacional –, a ciência teria sido muito mais necessária. Mas não foi assim. Não sei se era viável também. Sinceramente, não nego, não rejeito esse modelo tripartite de investimento, criado pelo Getúlio Vargas. Porque é uma coisa sui generis, original.

Quando o mundo estava bipolarizado entre comunismo e imperialismo, nós conseguíamos desenhar um modelo que permitiu um processo de industrialização claríssimo que em outros lugares não ocorreu. Então. Um modelo teve sucesso. No entanto, nenhum modelo é eterno. Esta agora é a visão do cientista. O cientista diz: “O modelo serve para explicar uma determinada realidade, mas se mudam as condições dessa realidade, deve-se encarar outro modelo”.

Na Nova República, tentou-se ainda avançar um pouco, mas já não funcionava mais porque a realidade era outra. O governo Collor, digamos assim, deslanchou nessa visão liberal de Estado mínimo, que se devia acabar com isso. Ele não tinha mensagem. Então, copiou o que estava em moda na Inglaterra.

Esse sistema se desenvolveu meio apartado do sistema econômico. Agora é que está juntando. Veja que o sistema econômico agora está demandando ciência e tecnologia. O governo tomou a iniciativa, mas os empresários também falam. Por exemplo, naquela reunião no World Trade Center com muitos empresários, capitaneados pela CNI e todas as federações estaduais, foi dito que a empresa que não renovar, não agregar tecnologia estará perdida nessa nova quadra que vem pela frente. Eles é que estão falando agora. Não somos nós, os cientistas, e nem o governo – que sempre falaram nisso.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve com a comunidade científica e pediu um diagnóstico da situação. O que foi apresentado?

Raupp – Para nós, e já dissemos e apresentamos isso para ele, como as instituições universitárias e de pesquisa no Brasil em 95% são públicas, existe uma dificuldade, uma amarração e uma falta de qualidade na gestão pública. Haveria a necessidade de maior flexibilidade e mais autonomia para os gestores, para trabalharem com metas. E ter autonomia para atingir essas metas. Avaliação por resultados.

Hoje não tem isso. Hoje as instituições públicas são avaliadas pelos procedimentos. Um cacoete que herdamos do “controle da inflação”, em que se tarjavam, fechavam as iniciativas dos órgãos públicos. Precisava se cercar de todos os cuidados, e criar uma superburocracia muito bem paga, por exemplo, de controladores para segurar tudo isso.

Mas agora estamos na fase em que é preciso estimular mais criatividade por parte dos executores das políticas públicas. Por exemplo, um engenheiro vai fazer uma obra e começava com um salário de 4 mil reais por mês. Um procurador federal começa com 13/15 mil reais. Então, onde você acha que estão os mais qualificados, digamos assim?

Portanto, continua um aparato de controle de avaliar, obrigar as pessoas a seguirem determinados procedimentos. Portanto, há uma questão de gestão – tem uma demanda por qualidade da gestão com mais autonomia e que estimule mais as pessoas que vão se responsabilizar pela execução das políticas públicas – muito importante que não está resolvida no país.

Esse debate frequentará a sucessão presidencial?

Raupp – Sem dúvida. A meu ver, a questão ambiental está na ordem-do-dia. Mas não do ponto de vista religioso, do ambientalismo como uma religião. Começou assim. Os ambientalistas eram religiosos. Botemos os pingos nos i. Mas agora não. Há outra visão segundo a qual temos existe capacidade de usar com eficiência o meio ambiente, para tê-lo a nossa disposição indefinidamente.

Se o Brasil fizer isso será a primeira potência ambiental do planeta. Potência ambiental no sentido de um país que cresceu, se desenvolveu, enriqueceu, trouxe bem-estar para a sua população, sem destruir o meio ambiente. Isso é difícil. Não é fácil. Quais os grandes países do nosso tamanho que fizeram isso? Os EUA não prestaram atenção nisso. A União Soviética também não. O mar de Aral não existe mais. Na China também, o que se queima de carvão lá…

Todo mundo tem as suas razões. Os chineses dizem “não temos energia, fazemos o quê?”. Tudo bem, a meu ver, todo mundo tem certo crédito. Se o país não tem outra saída tem de usar até certo ponto. Mas depois tem de compensar. A partir do momento em que se atinge certo patamar tem de começar a compensar.

Portanto, isso será necessário porque os consumidores do mundo todo, no Brasil e em qualquer lugar, com essa globalização da informação, não querem trabalho escravo. Não é apenas a sustentabilidade ambiental, mas a sustentabilidade social também. Ninguém quer comprar carne, por exemplo, de uma fazenda que tem trabalho escravo. Não vai comprar.

Daqui a alguns dias o BNDES vai dizer que não dará mais empréstimo para quem tenha isso, e não satisfaça os requisitos de sustentabilidade ambiental e social, trabalhistas.
Essas coisas serão cobradas. Portanto, a partir de agora, estamos num patamar da situação econômica em que para crescermos teremos de disputar economicamente o mundo. É inevitável.

Nossas empresas terão de se capacitar a sair pelo mundo. E para elas se capacitarem precisam atender ao requisito de ter competitividade, que é renovação, agregação de tecnologias, capacidade de mudar rápido, de se adaptar a novas situações, para ter uma boa capacidade de competição. E isso tudo requer ciência, tecnologia e conhecimento, de um modo geral.

E a sustentabilidade ambiental também. Evidentemente, a ciência de per si não resolve nada. A ciência não é outra religião. É preciso ter políticas públicas para boa utilização da ciência. Porque a má utilização da ciência também ocorre. Não vamos pensar que a ciência é a panaceia universal. Mas, é preciso ter conscientização da sociedade.

Com essas decisões de ordem política, definiremos quais os objetivos que perseguimos. Qual a qualidade que queremos nessa caminhada. E, daí, usar bem a ciência. A ciência é um instrumento importantíssimo. Mas como todo instrumento tem de ter decisões políticas que tenham respaldo da maioria da sociedade. Vivemos num regime democrático. Portanto, essa conjugação das duas coisas é importante.