A obra enfeixa artigos com uma narrativa que parte de uma regra básica: esqueça as palavras de significado vago. O autor explica idéias profundas com formulações que fazem o leitor entender as coisas facilmente. Esta característica é algo reconfortante — pois os temas do livro muitas vezes são tratados de modo assustador, com um “marxismo” impregnado de erudição e afogado em terminologia complicada que obscurece os problemas e não chega às  situações concretas.

 A mensagem de Buonicore é o privilégio do pensamento sério e completo em oposição ao discurso baseado em slogans pedregosos e análises superficiais. Marxismo, História e Revolução Brasileira: Encontros e desencontros tem a vantagem de ser uma obra de artigos curtos, bem-escritos, engenhosos e fluentes. Buonicore é, antes de qualquer outra coisa, um conhecedor da alma do povo.

 Categoria de fenômeno social

 Ele radiografa a essência das contradições sociais, gera artigos seminais, cria paradigmas e equações para entender e explicar o que ocorre no mundo da atualidade. Buonicore não é um propagador de idéias alheias; é uma das raras fontes. O autor lança mão da clareza na escrita para enfrentar a indiferença em relação à alma do marxismo — na definição de Lênin —, a dialética.

 O livro é um poderoso instrumento para se compreender o marxismo com espírito científico, isento de paixões e sem a carga irracional de ódio, herdada em boa parte de preconceitos incutidos por anos de anticomunismo. Mesmo quando ele não é excluído da categoria de fenômeno social — o marxismo é ensinado até nas universidades norte-americanas —, procuram a todo custo destituí-lo de sua alma. É assim que os espíritos se fecham ao seu conhecimento, possivelmente com medo de a ele se converter.

 Outra resposta à vulgarização do marxismo passa pelo esclarecimento de que para compreendê-lo é preciso compreender a sua essência revolucionária — coisa que Buonicore faz com maestria. Revolução não é outra coisa senão o reajustamento dos quadros institucionais de um país, de modo a atender mais satisfatoriamente às necessidades da sociedade. E se isso acontece é porque as formas que se procura modificar já não correspondem às demandas do convívio coletivo.

 Interpretação do processo histórico

 Buonicore explica que o reajustamento do poder é um processo revolucionário longo. A Revolução Francesa, por exemplo — que nem era marxista —, não se limitou à tomada da Bastilha. Ela prosseguiu na forma de uma série de reformas políticas, sociais e econômicas que se realizaram até que se completasse a modificação da estrutura da sociedade.

 Para o autor, o desenvolvimento do processo revolucionário por meio da luta de classes também não implica inevitavelmente em uso da violência, em insurreição. Aliás, a história demonstra que são precisamente os interessados em manter um sistema social já inadequado os primeiros a recorrer à violência para continuarem no poder. Estes sim precisam de golpes e de guerras para afogar descontentamentos e revoltas. Em síntese: a compreensão da essência revolucionária do marxismo nada mais é do que o exame e a interpretação do processo histórico e da realidade social dele derivada.

 Neste exame e interpretação, Buonicore indica que a compreensão da essência revolucionária implica também em compreender que podem surgir contradições entre a ordem das coisas (o programa político) e a força das coisas. O revolucionário francês Saint-Just, que ficou conhecido pela publicação do livro O Espírito da Revolução e da Constituição da França — no qual ele considerava a morte do rei como necessária à estabilidade do novo regime — dizia: “Talvez nos leve a força das coisas a resultados que não imaginávamos.” Trocando em miúdos: para compreender a realidade, é preciso pensar a realidade.

 Decrépitos “novos filósofos”,

 Pensar é apreender os fatos pelo pensamento e compreendê-los como processo em contradição — a mola do movimento real das coisas. Logo, se a realidade é dialética e se pensar é apreender a realidade, pensar é apreender dialeticamente os fatos, entender o progresso da idéia de socialismo. Ou seja: estamos diante do desafio de pensar um socialismo renovado, que precisa ser inventado e que tende cada vez mais a não imitar os modelos do passado.

 Uma constatação disso é o enfrentamento, por Buinicore, de um dos problemas mais graves para os socialistas: o do Estado. O objetivo de destruição da “máquina estatal” talvez seja um dos grandes dilemas que se apresentarão num futuro próximo para as forças revolucionárias. O problema do Estado é o problema da revolução. E cada nação enfrenta esse problema com particularidades próprias. O marxismo, independente do que dizem dele os já decrépitos “novos filósofos”, não pode evidentemente ser resumido a um modelo.

 Buonicore mostra que é impossível sustentar o princípio simplista de que há um socialismo “certo” somente na via pela qual o marxismo foi interpretado ao longo da maior parte do século XX. Isso não significa que não exista um marxismo “certo”. Só que ele não pode mais ser definido institucionalmente. E não é absolutamente fácil saber sempre, em qualquer circunstância, quando o seja — como se acreditava no passado.

 Controle autoritário

 Marxismo, História e Revolução Brasileira: Encontros e desencontros  mostra que o marxismo não pode ser separado da política. Compreender esta unidade dialética é ver a história tomando consciência dela própria por meio da reflexão filosófica, do seu sentido social, dos seus vetores principais. O livro de Buonicore, portanto, é um maná para quem quiser compreender a alma do marxismo.

 Por tudo, Marxismo, História e Revolução Brasileira: Encontros e desencontros precisa ser lido. Por sua originalidade, pela seriedade e consistência dos seus artigos, porque Buonicore escreve bem. É uma pena que escritos deste tipo tenham pouca divulgação.

 É dura a vida de escritor no Brasil. Primeiro você tem que ultrapassar a barreira do esquálido público que lê livros. É um mercadinho. Depois você tem que ultrapassar uma barreira ainda mais cruel: o controle autoritário dos monopólios de mídia sobre a divulgação de idéias. Mas é a velha história: é melhor acender uma vela do que maldizer a escuridão.