O mercado de arte, a arte do mercado e o vale-tudo
7 de março de 2010
Há algum tempo foi noticiado através da imprensa, que a Prada – a famosa casa de design de moda – começou a construir em Milão, Itália, um Museu de Arte Contemporânea com mais de dez mil metros quadrados de área. A mesma marca que inspirou livro e filme “O Diabo Veste Prada”, cuja presidente, Miuccia Prada, também possui uma grande coleção de obras de arte, será a partir de 2012 (ano previsto para inauguração do Museu) o mais novo paraíso de curadores, marchands, colecionadores e negociantes do mercado da arte. Um templo da arte contemporânea a mais, onde rezam alguns dos ícones da nova vedete do mercado de ações: a arte visual.
Luciano Trigo, jornalista brasileiro, carioca, inquieto com a observação desse estado atual das artes no Brasil e no mundo, desde 2007 começou, corajosamente, a questionar o que está sendo feito e o que está sendo visto em museus e bienais de arte contemporânea. Essa inquietação levou-o a escrever o livro A Grande Feira – uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea, com o objetivo de verificar “o peso da herança da arte conceitual, a relação entre arte e mercado e o significado da pós-modernidade na arte”.
“Acompanhando as exposições, ao longo dos anos – diz Luciano na entrevista exclusiva – eu comecei a sentir uma certa inquietação diante do que me parecia uma reciclagem sem fim de linguagens e procedimentos do passado, mas fora de seu contexto original. Comecei a pesquisar e refletir sobre o assunto e publiquei os primeiros textos no meu blog, em 2007”. Luciano diz que as reações foram tão fortes – de todos os lados – que ele sentiu que “tinha tocado num tema importante” e decidiu aprofundar sua investigação, o que resultou no livro.
A Grande Feira, um livro repleto de exemplos concretos sobre a relação entre os artistas, suas obras e o mercado, faz uma abordagem muito boa sobre o que Luciano Trigo chama de “o sistema da arte”, que inclui mercado de ações, galeristas, curadores, marchands, mídia, e, no final dessa cadeia, o artista plástico absorvido por esse sistema, aquele que tem espaço para expor em galerias e museus da moda.
Luciano, fazendo uma retrospectiva histórica da arte, diz que o legado das grandes tradições artísticas do passado foi desprezado “ou pelo menos esvaziado” pelos setores que representam a arte contemporânea. Ele diz que esse processo teria começado simultaneamente à ascensão do modelo neoliberalizante de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, no início dos anos 80. Isso que ele chama de “onda politicamente conservadora” que se espalhou pelo mundo, beneficiada pela queda do Muro de Berlim e pela derrocada dos países socialistas, trouxe consigo uma nova visão do papel da arte e do artista na sociedade. E trouxe consigo também a tese do “fim da história”.
“A tese neoliberal do fim da História – continua Luciano na entrevista – tem um correspondente na arte pós-moderna, que é a tese do fim da Arte, ou do fim da História da Arte, que é defendida por Arthur Danto e Hans Belting. Basicamente, eles entendem que a Arte deixou de seguir um caminho evolutivo, como acontecia na modernidade, e que hoje a gente vive um pluralismo baseado, justamente, na releitura, muitas vezes irônica, de movimentos do passado. Este é o pano de fundo teórico da produção artística contemporânea.”
Essa releitura, nas artes plásticas, de movimentos artísticos do passado, movimentos esses que eram fruto do profundo entrelaçamento entre arte e vida, hoje está despida de sentido e a arte cada vez mais se aproxima dos universos da moda, da publicidade e das imagens comerciais da cultura de massa. O falso pluralismo apregoado hoje por esse sistema, esconde o império da arte conceitual, que num certo sentido é a matriz da arte contemporânea, como ele explica no livro.
A capa do livro de Luciano, retrata uma obra conceitual do inglês Damien Hirst, um tubarão morto imerso em formol, vendido em 2004 por 12 milhões de dólares. Hirst é esse novo modelo de “artista” do mercado. Conta com uma equipe de mais de cem assistentes, que executam suas obras, pois ele raramente o faz com suas próprias mãos. Até mesmo as telas que assina, são pintadas por seus assistentes. “Ou seja, do artista não se espera mais que crie, apenas que assine”, diz Luciano.
O mesmo vale para o aperfeiçoamento técnico do artista, pois o desenho perdeu importância. Hoje, cada vez mais impera a arte que Ferreira Gullar chama de “Caninha 51”, ou a “arte da boa idéia”. E Luciano acrescenta que pela lógica do mercado da arte atual, qualquer um pode se dizer artista “em função da eliminação de pré-requisitos ligados à técnica, ao aprendizado, à experiência e ao talento”. Arte é qualquer coisa que o artista defina como arte, o reino do vale-tudo.
Ele diz na entrevista: “Eu entendo que a arte virou um grande clube, e que sua lógica se aproximou da lógica da moda e da indústria do espetáculo. Não há contrapoderes dentro desse sistema, porque a crítica de arte acabou. Há uma grande comunhão de interesses entre uma elite de artistas, as instituições e o mercado”.
No começo do século XX, ricas experiências estéticas resultaram nos vários “ismos” que se condensaram no modernismo. Foi uma época de grande engajamento dos artistas na vida de seus países, além de grande produção teórica e muita experimentação estética, coisa que não se vê nesses tempos de neoliberalismo globalizante. A arte figurativa, e até mesmo a pintura como uma expressão plástica, tem sido considerada, dentro das escolas de arte atuais, como coisa do passado, esquecendo-se eles de que o figurativismo, onde se inclui a arte realista, sempre esteve presente mesmo nos momentos de predominância da arte abstrata.
Um dos argumentos que essa nova classe de artistas e seus aliados têm feito é de que a arte sempre esteve atada ao sistema, desde a Idade Média. É verdade, afirma Luciano, e se passaram mais de duzentos anos para que a arte acadêmica, instituída pelo estadista francês Jean-Baptiste Colbert e pelo pintor Charles Lebrun, fosse questionada. “Com Gustave Courbet – diz Luciano em seu livro – a arte se libertou não apenas de imposições formais como também da subordinação estrita a esferas alheias, como a religião e a política”. Courbet foi o iniciador do Realismo nas artes plásticas, no século XIX.
Hoje a situação é radicalmente diferente. Segundo Luciano, até mesmo o artista “que se julga de esquerda, alimenta e se beneficia de mecanismos selvagens de especulação capitalista, numa subordinação total à lógica do mercado globalizado e à dinâmica da mídia e do espetáculo”. A arte de hoje é a arte domesticada pelo dinheiro e pelas estratégias de marketing. O mercado, hoje, exerce, então, o mesmo papel que antes era exercido pela Academia, que ditava as regras: o deus-mercado determina o que tem ou não valor artístico.
Voltando a falar sobre esse pensamento predominante em meio a uma crítica inexistente, Luciano afirma: “Tudo isso acontece com o beneplácito das elites intelectuais, que demonstram uma receptividade acrítica sem precedentes, ao que lhes é vendido como arte”, embora a saída, para ele, comece exatamente pela abertura do “debate transparente sobre o estado atual da arte”.
No Brasil, esse debate ainda sofre muito preconceito. Até o momento, poucos foram os que ousaram discordar da opinião predominante, como Ferreira Gullar, Afonso Romano de Sant'Anna e o próprio Luciano Trigo. Afonso Romano, que além de crítico de arte é poeta, como também o é Ferreira Gullar, disse, há algum tempo, que não é chamado a dar palestras ou participar de seminários sobre arte em muitas instituições brasileiras. A elas não interessa esse debate, porque estão atreladas a esse sistema.
Sobre isso, Luciano disse na entrevista: “Essas reações emocionais – e às vezes, raivosas – a esses questionamentos mostram que o nível da reflexão sobre arte no Brasil está muito ralo. É um raciocínio binário, que separa as pessoas em amigas e inimigas, e qualquer pensamento independente é muito mal recebido. Na França e nos Estados Unidos, são inúmeros os autores que criticam as regras da arte hoje.” Mas ressalta que muitos artistas, professores e estudantes de arte brasileiros, receberam seu livro de forma muito positiva.
Sobre o papel da arte e do artista no mundo de hoje, Luciano falou que o artista, “ao aderir incondicionalmente a um sistema dominado por interesses de mercado” faz com que seu papel e o da própria arte esteja perdendo relevância. “É claro que dá para tentar negar isso, embrulhando com um discurso sofisticado e pretensioso cada artista novo que aparece – e a cada ano é preciso que surjam novos nomes, como na música pop.” Com um tipo de arte tão assemelhado à moda, é compreensível que o artista famoso hoje, seja o ofuscado de amanhã… Que papel representa esse tipo de arte narcisista, voltada para uma meia dúzia de “iluminados”, que não dialoga com o público?
Luciano Trigo lembra também em A Grande Feira, que a passagem da arte moderna para a arte contemporânea não se deu por uma simples coincidência. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, houve um “deslocamento do polo artístico hegemônico da Europa para os Estados Unidos”.
Mas isso não se deu de forma passiva. Pelo contrário, os Estados Unidos, através da CIA, orquestrou uma campanha que alcançou os principais países europeus, e mesmo a América Latina, com a finalidade de apresentar ao mundo uma nova arte, que começou com o Expressionismo Abstrato. Depois incentivaram artistas da Action Painting como Jackson Pollock, o minimalismo, a Pop Art e a arte conceitual. Essa campanha está descrita pormenorizadamente em um outro livro, “Quem Pagou a Conta?”, da jornalista inglesa Frances Stonor Saunders.
A arte como expressão de uma boa idéia (Caninha 51), na verdade repete à exaustão o ato conceitual de Marcel Duchamp com seu famoso urinol, ou as milhares de performances, das mais bizarras às mais perversas. Essa arte da boa ideia não sobrevive sem um discurso, chegando-se ao absurdo de que para cada obra conceitual seja criado um palavreado acadêmico, o que obriga o público de arte a uma situação no mínimo cômica: ao invés de “contemplar” a obra de arte, ele precisa ler o texto explicativo da obra. E coitado daquele que não entender…
Voltando à entrevista, Luciano conclui: “O debate que eu proponho não é sobre a qualidade estética da arte contemporânea, mas sobre a sua lógica interna, as suas regras ocultas, a sua rede de relacionamentos e poder. Acho que levantei questões interessantes no livro, e as reações a ele mostram que existia uma demanda reprimida por esse debate no Brasil.”
Que, esperamos, seja ampliado ao máximo. Em prol da Arte.
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Livro:
A Grande Feira – uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea
Editora Civilização Brasileira
2009 – 1ª Edição
240 páginas
Artista plástica, graduanda em Letras pela USP, designer gráfica, aluna do Atelier de Arte Realista de Mauricio Takiguthi.
Luciano Trigo, jornalista brasileiro, carioca, inquieto com a observação desse estado atual das artes no Brasil e no mundo, desde 2007 começou, corajosamente, a questionar o que está sendo feito e o que está sendo visto em museus e bienais de arte contemporânea. Essa inquietação levou-o a escrever o livro A Grande Feira – uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea, com o objetivo de verificar “o peso da herança da arte conceitual, a relação entre arte e mercado e o significado da pós-modernidade na arte”.
“Acompanhando as exposições, ao longo dos anos – diz Luciano na entrevista exclusiva – eu comecei a sentir uma certa inquietação diante do que me parecia uma reciclagem sem fim de linguagens e procedimentos do passado, mas fora de seu contexto original. Comecei a pesquisar e refletir sobre o assunto e publiquei os primeiros textos no meu blog, em 2007”. Luciano diz que as reações foram tão fortes – de todos os lados – que ele sentiu que “tinha tocado num tema importante” e decidiu aprofundar sua investigação, o que resultou no livro.
A Grande Feira, um livro repleto de exemplos concretos sobre a relação entre os artistas, suas obras e o mercado, faz uma abordagem muito boa sobre o que Luciano Trigo chama de “o sistema da arte”, que inclui mercado de ações, galeristas, curadores, marchands, mídia, e, no final dessa cadeia, o artista plástico absorvido por esse sistema, aquele que tem espaço para expor em galerias e museus da moda.
Luciano, fazendo uma retrospectiva histórica da arte, diz que o legado das grandes tradições artísticas do passado foi desprezado “ou pelo menos esvaziado” pelos setores que representam a arte contemporânea. Ele diz que esse processo teria começado simultaneamente à ascensão do modelo neoliberalizante de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, no início dos anos 80. Isso que ele chama de “onda politicamente conservadora” que se espalhou pelo mundo, beneficiada pela queda do Muro de Berlim e pela derrocada dos países socialistas, trouxe consigo uma nova visão do papel da arte e do artista na sociedade. E trouxe consigo também a tese do “fim da história”.
“A tese neoliberal do fim da História – continua Luciano na entrevista – tem um correspondente na arte pós-moderna, que é a tese do fim da Arte, ou do fim da História da Arte, que é defendida por Arthur Danto e Hans Belting. Basicamente, eles entendem que a Arte deixou de seguir um caminho evolutivo, como acontecia na modernidade, e que hoje a gente vive um pluralismo baseado, justamente, na releitura, muitas vezes irônica, de movimentos do passado. Este é o pano de fundo teórico da produção artística contemporânea.”
Essa releitura, nas artes plásticas, de movimentos artísticos do passado, movimentos esses que eram fruto do profundo entrelaçamento entre arte e vida, hoje está despida de sentido e a arte cada vez mais se aproxima dos universos da moda, da publicidade e das imagens comerciais da cultura de massa. O falso pluralismo apregoado hoje por esse sistema, esconde o império da arte conceitual, que num certo sentido é a matriz da arte contemporânea, como ele explica no livro.
A capa do livro de Luciano, retrata uma obra conceitual do inglês Damien Hirst, um tubarão morto imerso em formol, vendido em 2004 por 12 milhões de dólares. Hirst é esse novo modelo de “artista” do mercado. Conta com uma equipe de mais de cem assistentes, que executam suas obras, pois ele raramente o faz com suas próprias mãos. Até mesmo as telas que assina, são pintadas por seus assistentes. “Ou seja, do artista não se espera mais que crie, apenas que assine”, diz Luciano.
O mesmo vale para o aperfeiçoamento técnico do artista, pois o desenho perdeu importância. Hoje, cada vez mais impera a arte que Ferreira Gullar chama de “Caninha 51”, ou a “arte da boa idéia”. E Luciano acrescenta que pela lógica do mercado da arte atual, qualquer um pode se dizer artista “em função da eliminação de pré-requisitos ligados à técnica, ao aprendizado, à experiência e ao talento”. Arte é qualquer coisa que o artista defina como arte, o reino do vale-tudo.
Ele diz na entrevista: “Eu entendo que a arte virou um grande clube, e que sua lógica se aproximou da lógica da moda e da indústria do espetáculo. Não há contrapoderes dentro desse sistema, porque a crítica de arte acabou. Há uma grande comunhão de interesses entre uma elite de artistas, as instituições e o mercado”.
No começo do século XX, ricas experiências estéticas resultaram nos vários “ismos” que se condensaram no modernismo. Foi uma época de grande engajamento dos artistas na vida de seus países, além de grande produção teórica e muita experimentação estética, coisa que não se vê nesses tempos de neoliberalismo globalizante. A arte figurativa, e até mesmo a pintura como uma expressão plástica, tem sido considerada, dentro das escolas de arte atuais, como coisa do passado, esquecendo-se eles de que o figurativismo, onde se inclui a arte realista, sempre esteve presente mesmo nos momentos de predominância da arte abstrata.
Um dos argumentos que essa nova classe de artistas e seus aliados têm feito é de que a arte sempre esteve atada ao sistema, desde a Idade Média. É verdade, afirma Luciano, e se passaram mais de duzentos anos para que a arte acadêmica, instituída pelo estadista francês Jean-Baptiste Colbert e pelo pintor Charles Lebrun, fosse questionada. “Com Gustave Courbet – diz Luciano em seu livro – a arte se libertou não apenas de imposições formais como também da subordinação estrita a esferas alheias, como a religião e a política”. Courbet foi o iniciador do Realismo nas artes plásticas, no século XIX.
Hoje a situação é radicalmente diferente. Segundo Luciano, até mesmo o artista “que se julga de esquerda, alimenta e se beneficia de mecanismos selvagens de especulação capitalista, numa subordinação total à lógica do mercado globalizado e à dinâmica da mídia e do espetáculo”. A arte de hoje é a arte domesticada pelo dinheiro e pelas estratégias de marketing. O mercado, hoje, exerce, então, o mesmo papel que antes era exercido pela Academia, que ditava as regras: o deus-mercado determina o que tem ou não valor artístico.
Voltando a falar sobre esse pensamento predominante em meio a uma crítica inexistente, Luciano afirma: “Tudo isso acontece com o beneplácito das elites intelectuais, que demonstram uma receptividade acrítica sem precedentes, ao que lhes é vendido como arte”, embora a saída, para ele, comece exatamente pela abertura do “debate transparente sobre o estado atual da arte”.
No Brasil, esse debate ainda sofre muito preconceito. Até o momento, poucos foram os que ousaram discordar da opinião predominante, como Ferreira Gullar, Afonso Romano de Sant'Anna e o próprio Luciano Trigo. Afonso Romano, que além de crítico de arte é poeta, como também o é Ferreira Gullar, disse, há algum tempo, que não é chamado a dar palestras ou participar de seminários sobre arte em muitas instituições brasileiras. A elas não interessa esse debate, porque estão atreladas a esse sistema.
Sobre isso, Luciano disse na entrevista: “Essas reações emocionais – e às vezes, raivosas – a esses questionamentos mostram que o nível da reflexão sobre arte no Brasil está muito ralo. É um raciocínio binário, que separa as pessoas em amigas e inimigas, e qualquer pensamento independente é muito mal recebido. Na França e nos Estados Unidos, são inúmeros os autores que criticam as regras da arte hoje.” Mas ressalta que muitos artistas, professores e estudantes de arte brasileiros, receberam seu livro de forma muito positiva.
Sobre o papel da arte e do artista no mundo de hoje, Luciano falou que o artista, “ao aderir incondicionalmente a um sistema dominado por interesses de mercado” faz com que seu papel e o da própria arte esteja perdendo relevância. “É claro que dá para tentar negar isso, embrulhando com um discurso sofisticado e pretensioso cada artista novo que aparece – e a cada ano é preciso que surjam novos nomes, como na música pop.” Com um tipo de arte tão assemelhado à moda, é compreensível que o artista famoso hoje, seja o ofuscado de amanhã… Que papel representa esse tipo de arte narcisista, voltada para uma meia dúzia de “iluminados”, que não dialoga com o público?
Luciano Trigo lembra também em A Grande Feira, que a passagem da arte moderna para a arte contemporânea não se deu por uma simples coincidência. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, houve um “deslocamento do polo artístico hegemônico da Europa para os Estados Unidos”.
Mas isso não se deu de forma passiva. Pelo contrário, os Estados Unidos, através da CIA, orquestrou uma campanha que alcançou os principais países europeus, e mesmo a América Latina, com a finalidade de apresentar ao mundo uma nova arte, que começou com o Expressionismo Abstrato. Depois incentivaram artistas da Action Painting como Jackson Pollock, o minimalismo, a Pop Art e a arte conceitual. Essa campanha está descrita pormenorizadamente em um outro livro, “Quem Pagou a Conta?”, da jornalista inglesa Frances Stonor Saunders.
A arte como expressão de uma boa idéia (Caninha 51), na verdade repete à exaustão o ato conceitual de Marcel Duchamp com seu famoso urinol, ou as milhares de performances, das mais bizarras às mais perversas. Essa arte da boa ideia não sobrevive sem um discurso, chegando-se ao absurdo de que para cada obra conceitual seja criado um palavreado acadêmico, o que obriga o público de arte a uma situação no mínimo cômica: ao invés de “contemplar” a obra de arte, ele precisa ler o texto explicativo da obra. E coitado daquele que não entender…
Voltando à entrevista, Luciano conclui: “O debate que eu proponho não é sobre a qualidade estética da arte contemporânea, mas sobre a sua lógica interna, as suas regras ocultas, a sua rede de relacionamentos e poder. Acho que levantei questões interessantes no livro, e as reações a ele mostram que existia uma demanda reprimida por esse debate no Brasil.”
Que, esperamos, seja ampliado ao máximo. Em prol da Arte.
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Livro:
A Grande Feira – uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea
Editora Civilização Brasileira
2009 – 1ª Edição
240 páginas
Artista plástica, graduanda em Letras pela USP, designer gráfica, aluna do Atelier de Arte Realista de Mauricio Takiguthi.