A instauração de processo contra o Goldman Sachs, pela comissão do mercado de capitais (SEC) dos EUA, acusando-o de enganar seus clientes, coincidiu com uma crítica e crônica conjuntura para o presidente dos EUA. Prioridade para Barack Obama é ser votado – o quanto antes – pelo Senado o projeto de lei para reforma do setor financeiro. É um dos mais ambiciosos alvos da Casa Branca.

Este foi o motivo que fez com que Obama viajasse a Nova York, coração do sistema bancário mundial. Em seu discurso aos figurões de Wall Street, assistido pelo CEO do Goldman Sachs, Loyd Blackfein, o presidente Obama destacou que é “para o interesse de todos a aprovação da reforma para o mais estreito monitoramento dos produtos de crédito SDOs que causaram gigantescos prejuízos aos maiores bancos do mundo”.

O recurso da SEC à justiça sobre o imbróglio do Goldman Sachs expõe, exatamente, a falta de um âmbito regulador para estes cinzentos e foscos produtos para investimentos. Quanto ao Goldman Sachs, este nega todas as acusações. Aliás, destaca que sofreu prejuízos totalizando US$ 100 milhões na primavera de 2007 por causa dos produtos creditícios CDOs que se incorporavam ao veículo investidor Abacus, com totais ativos patrimoniais de US$ 7,8 bilhões.

Os difíceis CDOs continham debêntures do mercado norte-americano de crédito habitacional. Fontes anônimas atestam que o Goldman Sachs pode ter perdido em decorrência do investimento específico, mas arrecadou desempenhos de outras “apostas” que garantiam queda mais profunda no mercado da casa própria dos EUA, considerando que desde 2006 os confiscos de casas quebram um recorde após outro.

O Goldman Sachs é acusado de ter transferido perdas de milhões de dólares a seus clientes, incluindo o britânico Royal Bank of Scotland e o alemão IKB Deutsche Industriebank AG. Aliás, após a SEC, em pesquisas recentes, revelou-se que tanto a autoridade britânica de fiscalização bancária (FSA), quanto a correspondente alemã BanFin, deverão realizar investigações próprias a respeito.

Situação delicada

O envolvimento da Paulson & Co., uma das maiores empresas de administração de capitais (hedge fund) não facilita a posição do Goldman Sachs. De acordo com a SEC, a Paulson & Co. ajudou o Goldman Sachs na criação de SDOs para, em seguida, assumir posições short, apostando da queda vertical de seus valores.

Isto declarou – mais ou menos – John Paulson, fundador do homônimo hedge fund, ao jornal The New York Times, destacando que simplesmente indicou algumas debêntures que apostariam contra.

Observadores independentes consideram que existem possibilidades mínimas para serem rejeitadas as acusações da SEC e que a posição do maior banco de investimentos de Wall Street deverá piorar, se não conseguir encerrar, rapidamente, o caso.

Em todo caso, é a primeira vez em que o Goldman Sachs é intimado a depor a um tribunal. Nesta semana, Blackfein, o homem que ano passado sustentou que seu banco “está fazendo uma obra de Deus”, está intimado a depor perante a Comissão Especial do Senado norte-americano sobre o papel que seu banco desempenhou durante a mais profunda crise financeira após o crash de 1929.

Ligações com o poder

O Goldman Sachs é um capítulo à parte em Wall Street, e não só. Neste banco “estudou” o secretário do Tesouro na gestão de Bush Jr., Henry Paulson – um dos arquitetos da catástrofe do Lehman Brothers – em 2006 e quando retirou-se do cargo de presidente e CEO do Goldman Sachs para viajar a Washington, recebeu bonificações cash totalizando US$ 18,7 milhões.

Robert Rubin, secretário do Tesouro dos EUA durante as duas gestões do presidente Bill Clinton, havia traçado antes uma carreira de 28 anos e era membro de seu Conselho Diretor.

Em março do ano passado, Steven Friedman demitiu-se do cargo de presidente do Conselho Diretor do Fed em Nova York, após as reações provocadas pelo fato de que, paralelamente, era membro do Conselho Diretor do Goldman Sachs, por causa de suspeitas de administração “crítica” do banco.

Vantagem básica do Goldman Sachs é que poderá investir capitais próprios com grande sucesso. Cerca de 68% de lucros provém dos mercados, enquanto somente no primeiro trimestre deste ano anunciou desempenhos operacionais de US$ 3,29 bilhões.

Wall Street na berlinda

Não parece seguro que a SEC dos EUA conseguirá vencer o Goldman Sachs na Justiça. Os envolvimentos legais do banco neste verdadeiro imbróglio não são ainda suficientemente claros. Contudo, seja lá o que vai acontecer na sala do tribunal, a questão Goldman Sachs constitui ponto de curva. Coloca sob suspeita aquele sistema de valores que predominou em Wall Street, permitindo comportamentos que, a maioria considera enganadores e não sinceros.

Houve épocas quando os executivos da Wall Street se consideravam corretos redistribuidores de capitais, oferecendo seus serviços, a fim de que as poupanças do mundo encontrassem usos e finalidades produtivas. Hoje, ao contrário, as grandes instituições do mercado norte-americano de capitais se consideram os “capitães do mercado”, segurando seu leme de tal forma a fim de garantirem para eles mesmos – e, em alguns casos, para seus clientes – os maiores desempenhos possíveis. Trata-se de uma diferenciação que faz a diferença.

Como redistribuidor do capital, Wall Street “era paga” para fazer tudo o que era correto de ser feito. Lecionava aos investidores sobre quais ações deveriam preferir. Aconselhava as empresas para as aquisições que deveriam realizar e para quando e, com quais outros deveriam se fundir. Decidia sobre quais eram as empresas dignas de confiança, assumindo as emisssões de novas ações e debêntures que colocaria à disposição do público investidor.

É problema moral

Mas o modelo que predomina hoje é muito diferente. As instituições norte-americanas de investimentos continuam aconselhando e cobrando as respectivas comissões. Entretanto, sua atividade básica se refere às transações que envolvem suas próprias cotas e capitais, assim como, à criação de “oportunidades” para seus clientes.

Os últimos dados econômicos do Goldman Sachs superdestacam as reformas mencionadas. Quase 80% dos desempenhos do primeiro trimestre deste ano, que totalizou US$ 12,8 bilhões, foram resultados de transações próprias.

A insaciabilidade não é uma nova descoberta. O antigo modelo de Wall Street, seguramente, não deixava margens para abusos. Entretanto, no âmbito do antigo modelo estes problemas eram enfrentados como “morais” e não só como “econômicos”. Os comportamentos desta espécie eram considerados “abusivos”. Os modelos atuais do mercado são mais “mornos”.

Teoricamente, o tribunal resolverá o problema do Goldman Sachs. Contudo, mais convincentes são as perguntas ligadas a moral. O banco desempenhou um papel claro, considerando que, se existem investidores que desejam vender e outros dispostos a comprar, tudo está à venda e tudo está à compra.

Ninguém preocupa-se com seu valor, sua natureza. Wall Street, já está bem claro, não exerce autocontrole. E se não pode fazê-lo, alguém outro tratará de controlá-la daqui em diante.

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Fonte: Monitor Mercantil