Ainda não se conhece inteiramente em que direção vão soprar os ventos da Nova República. Houve calmaria e turbulências na primeira fase do governo Sarney. Em certas ocasiões levantou-se, imponente, a vela mestra da nau governamental. Parecia que iríamos adiante. Logo, porém, falharam os propulsores políticos e não se saiu do lugar. Até agora só a bujarrona das liberdades conquistadas ajuda a navegar. Devagar, devagar. Dizem os adivinhos do tempo que chegará breve o bom momento de levar o barco a porto seguro. Tomara.

Certamente já não se pode esperar muito. Falta quase tudo na embarcação desarvorada que, se não for ao fundo, poderá matar seus passageiros – milhões de pessoas – de carência geral. O que se ouve dizer enfaticamente é que não há dinheiro. A maquineta da fabricação de papel moeda anda emperrada. Se se trabalha a todo vapor aumenta os índices inflacionários.

A palavra-de-ordem mais corriqueira na área econômica é cortar, cortar mais ainda na carne do povo. Porque o que se corta produz menos ensino, menos saúde, menos moradia, menos emprego, menos seguro social, menos tudo.

Mas não se corta onde é preciso cortar – no perdulário orçamento da dívida externa. Por aí escoam-se bilhões de notas de curso internacional, levando consigo os recursos principais acumulados pelo país com tanto sacrifício. "Temos que honrar os compromissos!…" Compromissos com quem e de quem? A nação nunca foi consultada acerca de um endividamento irracional, transação clandestina entre usurários estrangeiros e inescrupulosos aproveitadores nacionais. Pagamos, durante anos, juros extorsivos cujo montante é maior do que a pretensa dívida. E, ao que parece, vamos continuar pagando, se o povo deixar. Não há dinheiro precisamente por isso. O dinheiro que temos, e não é pouco, entregamos aos banqueiros de fora, impiedosos e insaciáveis.

Queremos mudar? Não há outra maneira senão suspender o pagamento das dívidas e congelar os juros respectivos. É o que os brasileiros reclamam, conscientes de que a inflação como a recessão provém das dívidas.

Tancredo dizia, e Sarney diz igualmente, que não se pagará a dívida com a fome do povo nem à custa do desenvolvimento econômico. Não se pagará? A verdade é que se está pagando dessa forma. Até quando? Ultimamente se fala em endurecimento com o FMI que, por sua vez, se declara intransigente. Não bastam promessas, de boas intenções o inferno é calçado. Exigem-se atos concretos. Se o governo não está disposto a satisfazer a rapinagem dos credores insolentes com a fome do povo, que suprima, de imediato, o pagamento dos juros da dívida externa. Reduzirá, assim, de quase dois terços, o déficit público, o que repercutirá sensivelmente na inflação, na queda da taxa interna de juros, na retomada do desenvolvimento. Fora daí, a fala presidencial cai no vazio. Converte-se em simples retórica.

O povo observa atentamente o rumo que tomou a Nova República. Rumo do progresso efetivo? Ou da fictícia acomodação de interesses contrapostos? Quem mandará afinal neste país tão sofrido: o poder do dinheiro e, no caso, do dinheiro estrangeiro principalmente, ou a vontade da maioria da nação? O que predominará? A iniciativa privada onde se abrigam dominadoras as multinacionais ou a construção de uma economia independente voltada para os interesses fundamentais da pátria?

O Brasil vai dar certo, afirmou em seu último discurso o presidente da República. Certíssimo, se se tomarem as medidas de fundo, corajosas e patrióticas, com o apoio do povo, das amplas forças democráticas. Do contrário, restará a estagnação, a espoliação intolerável do capital estrangeiro e de seus agentes nativos, a crise social em progressão.

Enfim, vai ou não vai mudar?

EDIÇÃO 11, AGOSTO, 1985, PÁGINAS 3