Nos últimos anos, termos como sociedade da informação e sociedade do conhecimento invadiram os meios de comunicação de massa, ganhando considerável projeção social. Surgidos originalmente no âmbito das pesquisas acadêmicas, tais conceitos nada têm de simples modismos. Ao contrário: eles encerram a tentativa de traduzir transformações nas estruturas produtivas – hoje cada vez mais intensivas em conhecimentos e tecnologia – e seus impactos na sociabilidade humana.

Com efeito, no mundo em que vivemos o domínio da Ciência & Tecnologia (C&T) representa, cada vez mais, componente central de qualquer estratégia sustentável de desenvolvimento econômico e social. Isso ocorre desde logo porque, na condição de fator decisivo à incorporação de valor a produtos e processos, a C&T tornou-se elemento determinante de bem-estar econômico e social.

Apesar de sua natureza particular, intangível, a Ciência & Tecnologia, como tantos outros bens, vive concentrada nas mãos de poucos. Nestes tempos de globalização neoliberal, marcados por guerras, militarização e desrespeito aos legítimos anseios e à autodeterminação dos povos, a distribuição desigual do conhecimento, e em especial da tecnologia, tornou-se uma forma de perpetuar a concentração de riquezas e poder. Isso ocorre porque as empresas monopolistas e os países centrais dominam os processos de produção e difusão de saberes técnicos, restringindo a algumas nações o monopólio da tecnologia e impedindo assim a modernização, em bases autônomas, de tantos outros países periféricos. É o que muitos chamam de apartheid tecnológico – a segregação do mundo entre dois grupos de países: de um lado, aqueles que dominam a fronteira do conhecimento e, em função disso, mantêm a capacidade de decidir sobre seus próprios destinos; de outro, todos os demais países, que se retardam na condição de meros fornecedores de matérias-primas.

Atenta a essa realidade, a Fundação Maurício Grabois, em seus esforços de estudo e pesquisa sobre a realidade mundial e brasileira e os problemas do desenvolvimento, tem procurado acompanhar de perto a temática da Ciência & Tecnologia, bem como seu principal corolário produtivo: a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos, atividades comumente reunidas sob o rótulo “inovação”.

Visando a contribuir para o embasamento dos comunistas e das demais forças patrióticas e democráticas, a Fundação decidiu debruçar-se sobre o assunto, discutindo com cientistas, pesquisadores, professores, parlamentares, gestores públicos e dirigentes de entidades da área. No centro da pauta, a questão de como alcançar para a Ciência & Tecnologia o patamar de investimentos imprescindível à realização de um novo projeto nacional de desenvolvimento, capaz de transformar estruturalmente nosso país.

Foi assim que, no espaço de apenas quatro meses, a Fundação Grabois promoveu dois seminários sobre o assunto, que bem poderiam ser considerados, tamanha a integridade de seus objetivos e perspectivas, como dois momentos de um mesmo debate. O primeiro deles teve lugar em 30 de setembro de 2009, na cidade de São Paulo. Intitulado Ciência & Tecnologia para o novo projeto nacional de desenvolvimento, o seminário reuniu nomes como o matemático e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Marco Antonio Raupp; a secretária de Ciência e Tecnologia do estado de Pernambuco, Luciana Santos; o reitor da Universidade Federal de Viçosa (MG), Luiz Cláudio Costa; o cientista político e presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Luís Fernandes, e os dirigentes da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) Hugo Valadares e Elisângela Lizardo.

Realizada também na cidade de São Paulo, a segunda atividade aconteceu no dia 5 de fevereiro de 2010. Sob o tema Ciência, tecnologia e desenvolvimento nacional: perspectivas para a 4º Conferência de CT&I, o seminário buscou discutir propostas e linhas de ação voltadas à 4º Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, marcada para ocorrer em Brasília cerca de quatro meses após, entre os dias 26 e 28 de maio de 2010. Atividade de flagrante importância para a área, auspiciada pelo Governo Federal, a 4º CNCTI foi concebida com o objetivo principal de colher sugestões para a elaboração do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI) 2011-2014, que ficará como proposta da sociedade para o próximo governo. Daí a necessidade, antevista pela Fundação, de delinear uma visão dos setores progressistas sobre o assunto, definindo uma agenda política de intervenção na Conferência.

Nessa segunda oportunidade, proferiram intervenções o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), professor Carlos Alberto Aragão; o presidente da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro; o presidente do Partido Comunista do Brasil, Renato Rabelo; o ex-vice-presidente do BNDES, Darc Costa; o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Luis Fernandes, e o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Martins.

Em ambas as oportunidades, um consenso podia ser constatado na fala dos diversos palestrantes. Ele diz respeito à ideia de que, após anos de baixos investimentos em Ciência & Tecnologia – resultantes da prevalência do paradigma neoliberal que deixou o Estado anêmico –, o Brasil, a partir desta década, adentrou nova fase de valorização da pesquisa científica e tecnológica, base incontornável para a realização de um moderno e audacioso projeto nacional de desenvolvimento.

Em 2008 o país já investia – somando recursos públicos e empresariais – 1,43% de seu PIB nessa área, contra 1,30% em 2000, segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia. Parece pouco, mas esse crescimento, associado a uma política eficaz, fez com que o Brasil passasse a ocupar a meritória 13ª posição entre as nações de maior produção científica, com 2,12% do total mundial de artigos publicados em revistas especializadas, deixando para trás países de tradição na área, como Rússia e Holanda.

Os números estimulam o otimismo, mas também alertam para a necessidade de ir além. O investimento ainda é baixo em termos relativos, inclusive porque, como ficou bem claro em ambos os seminários, não é possível fortalecer a política nacional de ciência e tecnologia sem mudanças profundas na política macroeconômica. Os investimentos em inovação são sempre cercados de riscos e, em função disso, cabe ao Estado criar um ambiente econômico propício. Se as políticas de juros e de câmbio não contribuem, se não há fundos de capital de risco e os programas de subvenção são escassos, é evidente que a iniciativa privada não se sentirá motivada a investir em empreendimentos inovadores.

Além disso, as diretrizes que se revelaram frutíferas precisam se tornar políticas de Estado. Políticas que não sejam apenas de um governo, mas que atravessem sucessivos governos, criando sólidas raízes nas instituições, nas entidades, na sociedade. Só assim será possível responder às necessidades de um país que cresce apesar da crise mundial – fazendo-se nação de destaque entre os emergentes –, mas que ao mesmo tempo ainda não aproveita devidamente suas potencialidades em função do estágio insuficiente de sua capacitação técnico-científica.

Nos artigos aqui publicados, gentilmente revisados e cedidos à publicação por todos os palestrantes, os convidados destacam a essência de sua concepção de Ciência & Tecnologia face ao contexto atual. Neles o leitor encontrará a defesa de uma ciência humanista, comprometida com o desenvolvimento nacional, com a geração de riquezas, com a sustentabilidade ambiental e com a resolução de nossos graves problemas sociais. É com tal espírito, e buscando levar esse rico debate a um número maior de pessoas, que, juntamente com a editora Anita Garibaldi, lançamos esta publicação – possível apenas graças à generosa participação de cada autor, aos quais desde já agradecemos.

Esperamos que as teses e concepções aqui reproduzidas contribuam para elucidar os caminhos que o Brasil precisa adotar a fim de avançar ainda mais nessa área, de tão grande importância para a soberania e o desenvolvimento da Nação.

Fábio Palácio é diretor de Comunicação e Publicações da Fundação Maurício Grabois