Até a próxima crise
Um mnemônico mundial lembram nestes dias os grandes jornais europeus e norte-americanos quando referem-se ao sistema bancário. Em dias assim, há dois anos, em meados de setembro de 2008, “foi desabado” o banco de investimentos Lehman Brothers, um dos cinco maiores do mundo, sinalizando a maior crise do sistema financeiro em quase um século.
Os governos dos países mais ricos do mundo, nos EUA e na Europa, abriram imediatamente suas “burras” liberando trilhões de dólares e euros para salvarem os bancos e seus insaciáveis banqueiros. O negro aniversário conduz a um balanço das consequências da crise e à pergunta fundamental: será que algo mudou, evitando assim uma repetição desta tragédia no futuro?
“O terremoto financeiro, atrelado com o nome do Lehman Brothers, mudou o mundo menos do que parecia inicialmente”, escreve decepcionado em análise de página inteira o jornal Franfurter Algemeine, o mais conservador da direita alemã.
Mas não há somente esta avaliação pessimista. Da margem oposta do Canal da Mancha, o jornal britânico The Guardian, de orientação centro-esquerda, publica ampla análise com o título “O baile da vitória dos banqueiros”.
E o texto abre com o seguinte parágrafo: “Assim que os bancos superaram a crise de sua salvação, imediatamente após o Lehman Brothers, desfecharam um ataque que os levou a vencerem todas as batalhas que travaram desde então. Assim, têm agora tanta convicção, a ponto de não se importarem mais em dissimular que consideram importante o que pensam os políticos e o mundo”.
Quem paga o preço
Irado está mais um jornal britânico. O Independent de Londres – moderado sem disfarces – em editorial com o característico título “O triunfo dos lobistas”, escreve entre outros: “Parece que os políticos encontram-se em processo de sua rendição incondicional aos blindados interesses do mundo bancário”.
O Financial Times, o jornal do sistema financeiro britânico por excelência, não mostra ter avaliação essencialmente diferente, embora a expresse com palavras menos agressivas, analisando com sangue-frio os motivos deste comportamento dos banqueiros.
E escreve, entre outros: “O choque da derrocada do Lehman foi tão apavorante, a ponto de obrigar os bancos a fazer de tudo que era necessário para salvar o sistema. E foram bem sucedidos neste esforço, mas com custo. Os métodos de salvação que maquinaram protegeram em grau elevado os investidores dos bancos contra as consequências de suas loucuras. Mas, agora, somos nós que pagamos o preço”.
“O apoio que receberam os bancos em forma de liquidez barata resultou tornar muito lucrativas as atividades dos bancos de investimentos. Impacientes para acertar a baderna de seus balanços, os banqueiros têm optado por utilizar os capitais baratos em seus jogos financeiros, no lugar de utilizá-los em concessões de empréstimos. Os investidores não agiram para cortar as mais arriscadas estratégias dos bancos porque – eles mesmos – haviam sido protegidos contra os prejuízos (com recursos doados pelos governos)”, destacou em seu editorial da mesma edição o FT.
Furo na água
Porém, nos últimos dias aconteceram dois fatos que desencorajaram, por completo, todos aqueles que alimentavam esperanças de que seriam aplicados freio e brida à insaciabilidade dos banqueiros, considerando o incalculável custo da última crise.
O primeiro é, claramente, simbólico e confirma o atrevimento, a audácia e a insolência dos bancos e dos banqueiros: foi nomeado CEO do Barclay”s – um dos maiores bancos britânicos – um conhecido executivo que simboliza o mais extremo aventureirismo bancário, o esquema de banco-cassino, chamado Bob Diamond.
O segundo fato é muito mais essencial. Em meados deste mês, os presidentes dos bancos centrais reuniram-se na cidade de Basiléia, aqui, na Suíça, e decidiram os novos cânones destinados a restringir o atrevimento, a audácia e a insolência dos bancos comerciais. Esta reunião resultou em furo na água. O que decidiram?
Manter, por exemplo, em demanda direta 3,5% dos depósitos a partir de 2013, devendo este percentual atingir, gradualmente, 7% em 2019! Hoje, este percentual é de 2%, significando que, se um em cada 50 depositantes sacar seu depósito, o banco ficará sem liquidez, de acordo com as normas.
Ao caos novamente
Hoje, os bancos jogam 98% dos depósitos de seus clientes no cassino do sistema e, com as novas regulamentações, após esta crise e após uma década estarão jogando “somente” 93%. É possível imaginar o que acontecerá se um dia os depositantes precisarem sacar em massa seus depósitos. Mesmo até um em cada 15.
Fracassou estrondosamente a tentativa de Obama de aplicar um imposto de US$ 19 bilhões aos bancos. Naufragou no Congresso dos EUA. Fracassaram, também, os esforços para separar os bancos comerciais dos bancos de investimentos. Também, foram ridicularizados os esforços para obrigar os bancos de manter em cash o maior percentual dos depósitos.
“Os bancos vencem sempre e, vencendo, se arrastam para o caos novamente. Isto seria muito bom, se não arrastassem atrás deles também todos nós”, escreveu com desespero John Lanchester, articulista do Guardian.
Todos concordam que nada mudou. Não foi posta barreira alguma às atividades bancárias que provocaram a crise econômica mundial. Então, até a próxima crise.
__________________________________________________________________________
Fonte: Monitor Mercantil