No dia 18 de novembro de 1999, partidos, personalidades, entidades populares e democráticas lançaram, em Brasília, o "Manifesto em Defesa do Brasil, da Democracia e do Trabalho". O documento marcou o lançamento de um amplo movimento cívico para a formação de um governo democrático e popular, capaz de assegurar um rumo progressista para o país e recuperar a confiança do povo em seu destino. Todos que de alguma forma contribuem na luta por uma sociedade mais justa manifestaram um objetivo em comum, que é a luta pelos direitos do povo, para garantir a todos os brasileiros o direito à saúde, à educação, à moradia, à segurança pública, ao transporte, ao emprego, à terra. Numa palavra: o direito à cidadania.

Era o germe da mudança, que fez nascer o Brasil com a feição do governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva — a antítese do seu então passado recente, político e econômico. O país havia passado pelo neoliberalismo, precedido de uma década tida como perdida e um longo regime ditatorial, que o levaram à beira do caos e fizeram do Estado uma máquina predadora e geradora de ineficiências. Para a conformação de forças que levaram Lula à vitória, o movimento transformador brasileiro elaborou projetos que respondiam minimamente aos desafios daqueles novos tempos. E o Brasil entrou em uma fase de progresso cuja extensão jamais havia experimentado.

Até então, a história democrática no Brasil era marcada pela descontinuidade — com fases de evolução e refluxo. A perspectiva transformadora, no entanto, não deixou de se firmar com todas as forças — gigantescas em certos casos e ínfimas em outros. Ou seja: em um país como o nosso, onde se quisermos contar a verdade a história oficial deve passar por uma completa reelaboração, o significado da chegada à Presidência da República de um candidato com perfil nitidamente de esquerda pela primeira vez é um fenômeno que precisa ser devidamente dimensionado. 

A esquerda teve poucas oportunidades, ao longo do tempo, de aparecer diante do povo, de mostrar sua fisionomia e suas propostas. Este respiro democrático surgido com o governo Lula tem permitido maiores espaços para a defesa das suas concepções. E mostrou, na prática, a teoria de que o peso das lideranças políticas de um país reflete o estado de espírito de uma época, segundo a força das aspirações de uma ou outra classe — ou de um conjunto delas. Ou por outra: a eleição de Lula foi a concretização de uma aspiração popular histórica.

Desde antes da sua proclamação, o povo brasileiro vê a República como sinônimo de independência nacional, liberdade política e distribuição de renda. Somente as correntes políticas munidas de viseiras dogmáticas não viram que a vitória de Lula representou um passo significativo nessa direção, mesmo quando seu governo tomou medidas para o desenvolvimento do capitalismo. Não ver avanços nessas iniciativas é negar o progresso histórico-social. Marx qualificava de "jeremiadas (lamentações) reacionárias" as ações dos que vêem ecos do passado ameaçando o futuro nos contraditórios processos de mudanças — uma verdade dialética estampada em letras garrafais no atual momento político brasileiro.

Símbolo da era que marcou a trajetória do país

O projeto político que está no poder não foi traçado de modo surdimutista. A sua contradição mais evidente — como comentou Luis Fernando Verissimo — está no fato de a vitória de Lula significar uma mudança de era: saímos da era dos Bragança para a dos Silva. O Brasil está mudando de status, incorporando novos elementes em sua dinâmica social e potencializando suas contradições. Não há como compreender a atual fase do Brasil sem estudar as diversas lutas populares da nossa história, seus objetivos, seus programas, suas causas e conseqüências; e sem levar em conta o papel de líderes populares e vultos notáveis da nossa história democrática.

O republicano Lúcio de Mendonça, por exemplo, considerava a proclamação da República "uma transição para mais aperfeiçoada forma de governo". Essa definição ganhou efetividade com a “era Vargas”. A revolta da população com o suicídio de Getúlio Vargas, que chorou a morte do presidente, apedrejou a embaixada dos Estados Unidos e incendiou jornais, é um símbolo de uma era que marcou a trajetória do país. Mesmo nas pesquisas mais recentes, é o presidente mais lembrado do país. Perto dele, todos os outros parecem figuras pálidas. A principal razão é a fantástica transformação que liderou em pouco mais de duas décadas. O Brasil de 1954 era bem diferente da república bronca de 1930. Era o mais promissor centro de produção industrial da América Latina.

Sob o comando de uma inspetoria federal, o atual Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), estradas começavam a chegar a regiões remotas. Linhas aéreas passaram a conectar o Brasil aos Estados Unidos e às capitais européias. Uma massa de habitantes do campo mudara-se para as cidades, envergando o macacão de operário e organizando-se em sindicatos. A federação frouxa existente até 1930, em que o chefe regional muitas vezes desafiava impunemente o presidente da República, deu lugar a uma em que o poder da Capital Federal passou a ser incontestável. Aconteceu também uma mudança no eixo e na qualidade da política.

De alguma forma, até o golpe militar de 1964, depois de vários atentados contra a ordem democrática perpetrados pela elite, tínhamos uma unidade costurando o país. Com a ditadura militar e seu "milagre econômico", a uns foi dado o acesso aos padrões de vida de uma sociedade industrial e a outros apenas a cota de sacrifício necessária àquele salto econômico. Encerrado o período militar, o desafio sempre foi o de operar um novo ciclo de crescimento com outras premissas. Lula chegou à Presidência com essa missão. "A mudança para a esquerda na América do Sul é uma reação ao fracasso, dramaticamente evidente em alguns casos, da política econômica de livre mercado imposta pelos Estados Unidos e pelas agências internacionais sob sua influência, na era do chamado Consenso de Washington. Sem esse fracasso, é quase certo que Lula não teria sido eleito", disse o historiador marxista Eric Hobsbawm em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

Liderança na América Latina

É um diagnóstico perfeito, que dimensiona devidamente o peso da responsabilidade que repousava sobre o governo brasileiro. Se internamente houve inicialmente uma reação tímida quanto à herança maldita da "era FHC", no front externo o Brasil começou com tudo. O chanceler Celso Amorim e o então secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, mostraram a que vieram logo no início. Execrado na "era FHC" basicamente por ter assumido uma postura crítica em relação à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), Samuel Pinheiro Guimarães representou com maestria o governo brasileiro no "Grupo de Amigos" da Venezuela durante a crise institucional daquele país.

A atuação do governo brasileiro foi uma clara demonstração da disposição do Brasil de exercer uma liderança na América Latina, não deixando que uma crise como a venezuelana, nas suas fronteiras, se agudizasse e chegasse a algum tipo de desenlace trágico e sem a sua participação. A atitude contrastou fortemente com a do governo de FHC, que no momento da tentativa de golpe de abril de 2002 simplesmente pediu que houvesse uma saída institucional, sem se preocupar sequer em denunciar o golpe e, menos ainda, em reivindicar o retorno do presidente eleito. Na reta final do seu primeiro mandato, Lula fez o governo avançar também em outras frentes.

A reeleição em 2006 representou uma ruptura em larga escala com a política da direita. Desde 1994, o país se arrastava, sem futuro, sem perspectiva, sem esperança. O aparecimento do PSDB foi a boa nova política que as oligarquias representadas pelo então PFL (DEM, atualmente) esperavam após o fim da ditadura militar. O tucanato emergiu como força dirigente do neoliberalismo depois que a aposta da velha direita em Fernando Collor de Mello fez água.

"Choque de Capitalismo" de Mário Covas

Já em 1989, quando a confraria tucana lançou Mário Covas para concorrer à Presidência da República, estava claro que este partido então recém-criado se apresentava como alternativa para esta aliança estratégica. No dia 28 de junho daquele ano, em seu lançamento como candidato a presidente, Mário Covas pronunciou o discurso que acabou ficando famoso com o título "Choque de Capitalismo". "Basta de gastar sem ter dinheiro. Basta de tanto subsídio, de tantos incentivos, de tantos privilégios sem justificativas ou utilidade comprovadas. Basta de empreguismo. Basta de cartórios. Basta de tanta proteção a atividades econômicas já amadurecidas. Mas o Brasil não precisa apenas de um choque fiscal. Precisa, também, de um choque de capitalismo, um choque de livre iniciativa, sujeita a riscos e não apenas a prêmios", disse ele. O discurso de Covas até na forma ficou famoso na boca de Collor de Mello.

Logo após se divorciar de Collor, o PFL achou o par perfeito: velho e novo liberalismos se uniram em regime de comunhão de bens. A aliança foi programática e, portanto, duradoura. Como a política dos liberais tem discurso e prática diferentes, FHC assumiu a Presidência da República empalmando as promessas de Covas e o resultado de seus dois mandatos foi a herança maldita da qual o país se bate para livrar-se. A eliminação da oceânica distância entre os administradores do dinheiro público —formados, na “era FHC”, por banqueiros de todo tipo e de toda laia — e seus reais donos tem sido o grande desafio do governo Lula.

A máquina pública deve existir para servir a sociedade — não para se servir dela. É para isso que o Estado precisa de síndicos verdadeiramente responsáveis. Para que ninguém tenha o direito de rasgar ou fazer leis de forma autoritária, transformando o casuísmo em um modo de vida ou em uma vantagem para grupos que se locupletam às custas da coletividade. A elite que historicamente dominou o Estado faz de tudo para afastar de qualquer posição política a imensa maioria da população.

Desconstrução nacional que vem da ditadura

As eleições deste ano, portanto, representam um momento histórico para que o programa de projetos sociais e de soberania nacional seja levado adiante. Os brasileiros têm sua grande oportunidade de instaurar de maneira mais sólida no país um modelo político moderno, rejeitando, de um lado, as amarras oligárquicas que nos travam e, de outro, as utopias neoliberais que, mesmo tendo virado pó em todo o mundo, ainda se oferecem como panacéia e propõem o caminho que, já sabemos, dá em tragédias sociais e políticas.

O que se apresenta como palco de combates, portanto, é uma arena complexa. Possivelmente estejamos diante do que o camarada Mao Tse Tung chamaria de "a diferença entre as contradições antagônicas e as contradições não-antagônicas". Como ente político consciente de suas responsabilidades históricas, o campo governista tem a obrigação de unir forças para dar combate à linha de desconstrução nacional que vem da ditadura. Há no Brasil, hoje, como tem dito recorrentemente o presidente Lula, muitas oportunidades prontas esperando por empreendedores. E outras tantas por inventar.

Essa visão unitarista, descontada a hipérbole que às vezes compreensivelmente permeia o discurso do presidente, chega muito mais perto da atual realidade brasileira do que a visão neoliberal. A candidata Dilma Rousseff, compreendendo essa realidade, defendeu, no debate dos presidenciáveis na TV Globo, uma aliança política que permita a transformação do Brasil e a preservação da democracia. Segundo ela, um partido político não será capaz de governar o Brasil sozinho. “Defendo a construção de uma coligação que reflita a multiplicidade do Brasil. Nós queremos que o Brasil continue distribuindo renda, incluindo as pessoas socialmente e assegurando a ascensão social de milhões de brasileiros. Isso deve ser objeto de uma sustentação política”, explicou Dilma.

Clones malditos dos intelectuais do passado

Será em torno dessa bandeira, de suas possibilidades, do seu avanço, que será resolvida a batalha pela mudança no país. Não é algo para prazos curtos, principista. A saída de FHC de Brasília foi uma grande conquista para o país. Lula assumiu com a missão de enfrentar, basicamente, duas vertentes da herança da "era neoliberal". A primeira era o retrocesso histórico, que levou o país de volta à total dependência do exterior. A segunda era o que o saudoso jornalista Aloysio Biondi chamava de destruição da alma nacional. No primeiro caso, sob a alegação de que era preciso reduzir a dívida interna e o déficit público, o governo vendeu tudo: bancos, ferrovias, empresas de energia, telefônicas, siderúrgicas e até estradas e portos.

Essa operação pode ser chamada de lesa-pátria. FHC não tinha o direito de liquidar um patrimônio construído por várias gerações, e que representava certa garantia de soberania nacional. As estatais não eram propriedade do governo, mas, sim, patrimônio de toda a sociedade. O Estado era o seu mero gerente. E o pior é que as privatizações não reduziram nem a dívida e nem o déficit. Para cobrir os rombos criados, elevaram os juros, quebraram a União, os Estados e os municípios. O modus operandi dos que comandaram a economia nessa era de triste memória, apropriadamente chamados por Biondi de "clones malditos dos intelectuais do passado" — uma referência a Otávio Gouvêa de Bulhões, Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen —, começou a ser posto em prática em São Paulo, no episódio que culminou na privatização do Banespa, o banco do Estado.

Poucas horas antes da posse do primeiro mandato do governador Mário Covas, no final de 1994, o Banco Central decretou a intervenção no banco paulista, alegando que o Estado havia deixado de pagar uma parcela de um acordo de refinanciamento da dívida firmado com o governo federal. No entanto, o atraso era inferior a dez dias — e as regras do acordo de financiamento previam que qualquer punição somente poderia ser adotada após 30 dias de atraso. Além dessa irregularidade flagrante, o Banco Central afirmou, contra todas as evidências, que o banco possuia um "rombo". As provas no processo judicial mostraram que o Banespa nunca quebrou. Mas a equipe de FHC construiu uma imagem de "quebra" para abrir caminho à privatização.

Entrada de novos jogadores em cena

No segundo caso, o que Biondi chamou de "destruição da alma nacional", os "clones malditos" investiram contra o trabalhador, o funcionalismo público, o aposentado, o agricultor, o empresário nacional e o Estado, patrocinando desemprego, cortes na aposentadoria e nos direitos trabalhistas, falsas reformas do funcionalismo, falências, facilidades para importações e juros escorchantes — jogando, assim, um seguimento da população contra outro. Até o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, foi posto a serviço dessa desconstrução nacional. (Biondi chamava o banco, na "era FHC", de Banco Nacional de Desmantelamento Econômico e Social.)

Lula foi muito bem na sua missão. Analisando esse passado recente, político e econômico, uma das conclusões a que se pode chegar é que o Brasil que nasceu com seu governo recuperou uma respeitabilidade que não existia desde Juscelino Kubitschek. Havia pelo menos três gerações de brasileiros que não sabiam o que era isso. Gente que, como nação, aprendeu a olhar no espelho e enxergar fracasso, inépcia. A ideologia dominante não permitia a entrada de novos jogadores em cena porque, na sua concepção, isso não iria multiplicar a riqueza, mas dividir a já existente. E a elite, conseqüentemente, iria perder poder econômico e político.

Por não ter tido interesse em apresentar um projeto de nação e guiar o país movida meramente pela defesa de seus privilégios, a elite deixou ao povo espaços mínimos de atuação — o que, em muitas ocasiões, resultou em lutas duras para criar o contraponto ao autoritarismo. Essa é a principal explicação para a possível eleição de Dilma Rousseff já no primeiro turno, com uma vitória ainda mais contundente do que as que Lula realizou em 2002 e 2006.

Quadro partidário brasileiro

Lula é de longe o melhor presidente que o Brasil teve desde o fim da ditadura militar. José Sarney, apesar de ter conduzido bem o país pela senda democrática, ficava com o rosto marcado por erupções toda vez que seu governo passava por um momento mais difícil. Fernando Collor de Mello pilotou uma barca furada. Itamar Franco foi emparedado já no início do seu governo e FHC reinou absoluto com seu cesarismo atormentado. O Brasil não tinha um presidente que aparente tamanha sobriedade como Lula desde os tempos de Juscelino, Brasília e a Bossa Nova.

Seu governo é resultado do quadro político brasileiro, que se modernizou quando o governo do presidente Getúlio Vargas configurou o cenário político com partidos claramente representando classes ou camadas sociais. Neste período, surgiu o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Surgiram também o PSD e a UDN, que retomaram a clássica configuração partidária da República Velha. O PTB, partido ligado ao movimento operário que adotou uma plataforma nacional e democrática, revelou-se uma força ponderável na formação de um campo político nacional amplo e ao mesmo tempo com base popular, também integrado pelo Partido Comunista do Brasil — então com a sigla PCB —, e cumpriu importante papel até o golpe de 1964.

Hoje, pode-se dizer que, numa conjuntura evidentemente muito mais complexa, o DEM e o PSDB são, em essência, a continuidade do PSD e da UDN. O Partido Comunista do Brasil — com a sigla PCdoB —, que voltou a figurar com destaque no cenário partidário, participa de uma frente popular desde 1989, liderada pelo PT, que se ampliou até a vitória eleitoral de Lula em 2002. Oito anos depois, esse pano de fundo aparece nítido na foto. A predominância do pensamento avançado dirigindo o país é, portanto, um passo de enorme significado histórico. Lembremos que o domínio da elite brasileira nunca foi um passeio político.

Diálogo do mendigo e o céu

Se ficarmos só na República, há o ascenso operário do início do século XX, a resistência dos tenentes, a revolução de 1930, a insurreição de 1935 e o conflito entre "ortodoxos" e desenvolvimentistas inaugurado com a "Era Vargas". Getúlio Vargas dizia, sem pejo, de "espoliação" e da luta do Brasil contra os "trustes internacionais". Quando a tática de conciliação com a UDN ruiu, em meados de 1952 — o partido já havia tentado impedir a posse de Vargas, em 1950 —, o jornalista e militante antigetulista Carlos Lacerda começou a liderar uma cruzada reacionária em larga escala. Aos trancos e barrancos, de 1964 a 2002 esse pensamento direitista-udenista comandou o país.

Derrotado em 2002, ele recrudesceu seus atos. Isso explica porque, no Brasil de hoje, cada crise é tratada pela mídia como a última e definitiva. É como se não houvesse vida pós-crise, por maiores que sejam as provas em contrário. O resultado é uma história distorcida, alicerçada em dados saídos freqüentemente sabe-Deus-de-onde. Essa forma facciosa de ver as coisas contribui para que se tenha uma imagem do país que às vezes nada tem a ver com a realidade. É, a rigor, a visão da República Velha, pré-revolução de 1930, definida pelo historiador Pedro Calmon nesses termos: "O país varrera de si a fantasia dos dogmas franceses (…). Submerge a República teórica, que não fora exeqüível, e se impõe a Republica que podemos ter."

Esse é um fato da maior importância na história da República. E compreendê-lo é compreender o atual capítulo decisivo da nossa história. Hoje, o que se fala no Brasil é do papel do desenvolvimento do capitalismo com feição nacional. Defende-se um mercado interno com consumidores de bens de consumo e matérias-primas. Ninguém está pregando um deslocamento de classe no poder. Mas isso basta para que o governo seja duramente atacado. A raiz dessas sucessivas crises políticas é a nossa rasgada distância entre classes sociais, que faz lembrar o diálogo do mendigo e o céu, de um dos romances de Machado de Assis:

— Afinal, não me hás de cair em cima, dizia o primeiro.

— Nem tu me hás de escalar, respondeu o segundo.