Ouviu um barulho. Foi ver. Era o Onofre.

      Esparramado na porta, ele tentava, sem sucesso, se arrastar como um verme até a altura da campainha. O um metro e meio parecia eterno. Ela o puxou para dentro pelos braços, o arrastando com prática e rapidez. Estava preocupada com os dizeres da vizinhança. Na pequena sala, sobre o tapete, abandonou o marido que, prontamente, se pôs a dormir. Ela foi ao lavabo preparar um banho. Ligou o chuveiro, no “morno”, colocou uma banqueta para sentar-se e, contendo uma amarga lágrima, retornou à sala. O ergueu.

      Os 80 quilos seriam muito para qualquer mulher com um casamento feliz mas, para ela, vinte anos com o Onofre, era apenas um dos fardos a carregar. Os poucos metros separando a sala do banheiro foram vencidos em menos de um minuto, enquanto os sonhos de Marta iam se tornando ainda mais foscos pelo cheiro da bebida e das prostitutas, impregnados até na alma de seu marido, pais de seus três filhos.

      O descarregou lentamente no chão do box. Os jatos o faziam acordar algumas vezes. Se afogava e cuspia a água. E ela o lavava.

      Lavava como o lavava há tempos, desde que começou a sair para beber. E o lavava com o amor de mãe e de esposa. Amor de quem jurou ser eterno o casamento e agora arrasta suas toneladas por respeito à família, aos valores e à tradição. Tirar aqueles cheiros era apagar a verdade, recolher os escombros.

      Aquele corpo nu, ali, era só seu. Precisava desinfectá-lo.

      Ainda um pouco molhado, ela o levou até o quarto e o colocou a dormir em paz, em sua cama. Buscou um copo com água, pois ele poderia acordar com sede.

      O travesseiro foi, para ela, durante toda a noite, o refúgio. Seu amigo. Seu confidente.

      Pela manhã, tudo estava normal. O silêncio reinava no café. Os filhos não comentavam o que, das frestas, viram. Marta sorria docemente e servia a todos. Onofre, em silêncio, lia o jornal e, vez ou outra, comentava da dor de cabeça. Coma algo e tome um comprimido, recomendava a esposa. Sempre prestativa. Como um âmbar, pela janela da cozinha, o sol se encarregava entrar e tirar o mofo da vida cotidiana.

Luiz Henrique Dias é escritor, membro do Núcleo de Dramaturgia do SESI de Curitiba e estudante de Arquitetura e Urbanismo e Gestão Pública. Ele escreve todas as segundas no Jornal A Gazeta do Iguaçu. Leia mais no www.blogdoluiz.com.br ou siga o Luiz no twitter @LuizHDias.