Portugal está na mira dos mercados desde o início da crise da dívida soberana. A surpresa desagradável em um panorama crítico foi a Bélgica, cuja dívida pública é a terceira maior da zona do euro, de 96% de um PIB de US$ 380 bilhões, ou US$ 365 bilhões.

Governos sob ameaça do mercado têm poucas chances de resistir se colecionam déficits monumentais como agora. Tornam-se ainda mais vulneráveis sem unidade política interna. Portugal está às vésperas de eleições (23 de janeiro) e a oposição do PSD já encomendou a cabeça do primeiro-ministro socialista, José Sócrates, que carrega consigo o desgaste da recessão e das medidas de austeridade para combatê-la. A Bélgica vive um drama político complicado, capaz de desfechos inusitados. O país tem um dos mais longevos governos interinos do planeta (212 dias) e assistiu ontem, ao vivo e em cores, à intervenção do rei Albert II, que ordenou ao primeiro-ministro Yves Leterme que reduza o déficit público previsto para 2011 de 4,1% para 3,7% do PIB, a fim de evitar que os mercados levem o país à bancarrota. Os títulos belgas de dez anos estão com os maiores prêmios de risco em relação aos da Alemanha e pagavam no início da semana 4,24%.

A zona do euro vive pressões tão fortes que podem cindi-la. Os líderes da união monetária abdicaram de usar a arma da reestruturação das dívidas soberanas e agora só lhes resta estender seu enorme (e, parece, insuficiente) abrigo financeiro aos países que forem tombando pelo caminho. Um dos principais motivos para isso é o de que uma reestruturação colocaria em maus lençóis os bancos do continente, ainda em situação frágil. Os bancos (inclusive os locais) têm exposição de US$ 265 bilhões a Portugal, consideradas as dívidas pública e privada. A conta sobe para US$ 610 bilhões em relação à Bélgica e ultrapassa US$ 1 trilhão em relação à Espanha.

O dinheiro do fundo de estabilização financeira da zona do euro – € 440 bilhões – pode não ser suficiente para aguentar a crise. A Grécia já levou € 110 bilhões e a Irlanda, mais € 80 bilhões. O socorro financeiro foi da ordem de 40% a 45% do PIB dos países resgatados. Se essa proporção se mantiver, Portugal precisaria receber até € 100 bilhões.

Mesmo com todo o dinheiro emprestado, com o auxílio diário que mantém os bancos portugueses pendurados nas linhas do Banco Central Europeu e com a compra maciça de títulos soberanos dos países sob ataque, a catástrofe maior não parece estar afastada, e sim mais próxima. Os títulos da Espanha estão novamente sob pressão e, nesse caso, os números são de outra ordem, trágica. Um resgate da Espanha atingiria a casa dos € 500 bilhões. A crise mudaria de qualidade e os riscos de uma reestruturação forçada ou de retirada de algumas nações da zona do euro cresceriam exponencialmente.

Um alívio para essa performance desesperadora poderia vir de uma recuperação econômica inequívoca dos países da união monetária. Ela dependerá das maiores economias do bloco, Alemanha e França, já que os países sob ataque do mercado estão com planos de austeridade em execução e não prometem crescimento para 2011 – no máximo, uma expansão pífia em 2012. Sob o regime monetário comum, porém, um avanço dos países mais competitivos não resolve os problemas estruturais de perda de competitividade dos países muito endividados, que não podem ajustar-se com maxidesvalorizações. A solução oficial é a de dar poderes à Comissão Europeia de intervir nos orçamentos nacionais, algo que, na essência, mexe com o pacto federativo torto da zona do euro. Na prática, no curto prazo, resta a ajuda financeira ilimitada. Com isso, a questão do déficit, que aflige boa parte da Europa, terá uma solução lenta, difícil e acidentada.

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Fonte: editorial do Valor Econômico