Sergei Aleynikov foi declarado culpado por roubar um algoritmo. Pode ficar dez anos na prisão. Um algoritmo é, segundo o Dicionário da Real Academia [Espanhola], “um conjunto ordenado e finito de operações que permite solucionar um problema”. E também “um método e notação das diferentes formas de cálculo”. Ninguém conhece os detalhes do algoritmo que Aleynikov roubou. Mas uma coisa é clara: é uma ferramenta matemática que permite ao seu prorietário, o banco de investimento Goldman Sachs, ganhar milhões por ano.

Aleynikov não era um 'trader' da Goldman Sachs, mas sim um programador de computadores do banco cujo salário era de 400 mil dólares brutos anuais (300 mil euros). Em 2009, este cidadão norte-americano emigrado da Rússia em 1991, recebeu uma oferta de 1,15 milhões de dólares brutos (875 mil euros) para trabalhar na Teza Technologies, em Chicago. Aleynikov aceitou e decidiu levar o algoritmo com ele, transferindo-o para um servidor na Alemanha. A Goldman Sachs descobriu e ele acabou na prisão.

Teza Technologies queria o algoritmo do Goldman porque é um empresa que faz 'comércio de alta frequência' ou, como se diz nos EUA, 'HTF' ('High Frequency Trading'). É um tipo de operação em que os mercados financeiros baseiam-se no uso de computadores e programas informáticos através dos quais compram e vendem todo o tipo de activos financeiros em, literalmente, milissegundos. É um sistema praticamente desconhecido pelo grande público, mas converteu-se no rei dos mercados.

Assim, enquanto a opinião pública continua a pensar nas velhas mesas de negociação repletas de jovens com camisa e gravata a olhar através de um ecrã ao mesmo tempo que gritam “compra” ou “vende”, a grande maioria das transacções financeiras do mundo são feitas por computadores programados e armazenados em edifícios como o novo centro de dados no valor de 76 milhões de euros que a Atlantic Metro Communications está a construir perto de Wall Street, para acomodar essencialmente computadores, técnicos e programadores.

Cada uma dessas máquinas rastreia permanentemente o mercado, analisando as diferentes plataformas de negociação – sejam estas bolsas, mercados de renda fixa ou matérias primas, praticamente à velocidade da luz. O seu objectivo é encontrar tendências na evolução dos preços dos activos ou anormalidades no mercado.

Operando a 0,0025 segundos

Por exemplo, uma acção de uma empresa pode cotar-se, durante uns meros segundos, nuns cêntimos a mais em Frankfurt do que em Londres. Nesse caso, o computador compra essas acções em Londres e vende-as em Frankfurt. Ou pode lançar constantemente acções de compra e venda, procurando diferenças infinitesimais de preços de forma a obter benefícios. No fundo, é o clássico 'comprar barato e vender caro', mas com margens decimais e em tempos que não superam os 0,0025 segundos.

As margens são minúsculas. Mas o volume das operações, imenso, demonstra que o valor do arrendamento do edifício da Western Union, o número 60 da Rua Hudson – o centro de comunicações mais próximo de Wall Street – disparou.

Contudo, com o HTF também cresceu a incerteza. Não se pode esquecer que o mercado está assim nas mãos de máquinas. De acordo com a revista Institutional Investor, nada mais e nada menos que entre 50 e 70% de todas as transacções de todas as bolsas dos EUA realizam-se por meio do 'trading de alta frequência', apesar desta técnica só ter começado a popularizar-se a partir de 2004.

No mercado de divisas a sua presença é ainda mais recente: chegou em 2007, e já se supõe que representa 25% do mercado 'spot' (a contado), de acordo com este estudo do Banco de Pagamentos Internacionais da Basileia (BIS, siglas em inglês). Isso significa que 283 mil milhões de euros em moedas mudam de mãos em cada dia por meio deste sistema.

Os peritos afirmam que os números são mais baixos. “O HTF necessita de pouco capital. Se, por exemplo, dizem que um banco investe um milhão de dólares em 'tranding de alta frequência', na verdade pode ser que um computador tenha comprado e vendido 20 vezes acções por 50 mil dólares”, explicou ao elmundo.es Irene Aldridge, autora do livro “High Frequency Trade” e sócia do Able-Alpha Trading, uma consultora especializada nestas operações.

Isto explica os aparentes paradoxos como o seguinte: em 2009, de acordo com a consultora britânica TABB, o 'trading de alta frequência' compreende 60% das transacções de títulos nos EUA e 40% no Reino Unido, mas só alcançaram um volume de negócios de 16 mil milhões de euros. A maior parte das operações deste tipo são de carteira própria, ou seja, realizadas com fundos próprios – não dos clientes – pelos bancos e fundos.

As Vantagens

As vantagens deste trading são evidentes. Através da 'análise fundamental' que se baseia na verificação do estado financeiro de um empresa, “pode conseguir-se uma rentabilidade de 5%, mas se se atrasa duas semanas”, explica Aldridge, deve analisar-se a informação e dar as ordens de compra. Com o HFT a margem é de 0,1%, mas repete-se várias vezes ao longo do dia. Além de que, neste segmento de mercado, os custos caem constantemente. Um computador que valia 2 milhões de euros em 1984, custa hoje mil, ainda que este valor não inclua a sua programação, algo que é muito mais caro.

O HFT está a transformar as operações nos mercados financeiros de baixo para cima. As suas consequências são quatro:

*A transformação dos brokers num espécie em perigo de extinção. “Os Bancos estão a susbtituir todos esses intermediários que lhes custam milhões de dólares por ano por computadores”, explica Aldridge. Um computador como aqueles utilizados no HFT não custa mais que mil euros. Por sua vez, programá-lo por menos de 225 mil euros não é possível, se bem que normalmente o custo real é muito mais elevado. Em todo o caso, são inferiores aos de um 'broker' que facilmente cobra dois ou três milhões de euros por ano;

*A destruição da análise técnica, isto é, do exame dos 'charts' e dos gráficos das bolsas. Na verdade, o HTF apenas acelerou uma tendência iniciada com a chegada dos 'quants', quer dizer, dos peritos – físicos, astrónomos ou matemáticos – capazes de desenvolver modelos de análise de valores cada vez mais sofisticados. O 'trading de alta frequência' não pode sobreviver sem este tipo de sistemas pelo que a sua procura é cada vez maior. Assim, o hedge fund Renaissance Technologies, provavelmente o mais rentável do mundo, tem 300 trabalhadores e nenhum deles é economista. O seu fundador, Jim Simons, era um dos matemáticos mais perigosos dos EUA, com uma ampla carreira no mundo académico e no mundo da Defesa até que aos 40 anos decidiu que já estava farto de investigar e ia aplicar os seus conhecimentos matemáticos a procurar tendências no mercado e diferenças imperceptíveis em preços. Resultado: uma fortuna de 6.500 milhões de euros, segundo a 'Forbes';

* A criação de uma nova geração de instituições financeiras, desconhecidas pelo grande público, mas que estão entre as mais rentáveis do mundo e que, além disso, frequentemente não têm a susa sede principal em Nova Iorque ou em Londres. Renaissance – que se encontra perto de Hamptons, uma zona turística a 200km de Nova Iorque – é apenas uma delas. Outras relevantes são a Getco – em Chicago – e a Tradebot – na Cidade do Kansas – , são as 'número um' e 'número dois' do sector, respectivamente, com um volume de transacções diário superior, em cada uma delas, a mil milhões de acções. No total, entre 200 a 400 bancos, brokers e fundos realizam 'trading de alta frequência' regularmente nos EUA, ainda que os activos com que operam são dos mais comuns: Citigroup, Bank of America, General Electric e Intel foram os cinco valores mais negociados por estes traders entre Abril de 2008 e Abril de 2010, segundo a consultora Woodbine Associates;

*A explosão do mercado. Até há três ou quatro anos, a maior parte das operações de câmbio de divisas, por exemplo, faziam-se por telefone. Agora, a cada dia se utiliza mais os computadores e o HTF. A consequência, segundo o BIS, é que o volume do mercado de dividas cresceu cerca de 20% em três anos, chegando a rondar os 4 biliões de dólares diários (3 biliões de euros) “apesar da crise financeira de 2007 a 2009 e das recentes turbulências no mercado de títulos de dívida soberana na Europa”.

Agora veja-se, o 'trading de alta frequência' também é controverso. Como declarou o senador do Delaware, Ted Hauffman, “temos todos esses gorilas e para quê? Metemo-los em zoos com gente que não tem nem a autoridade nem a informação para lidar com eles”.

E o 'high frequency trading' tem muitos inimigos. Por vários motivos. O mais óbvio, como assinala Hauffman, é não estar regulado. Para complicar as coisas, bastantes vezes estas operações são realizadas no chamados 'dark pools', isto é, em mercados nos quais o comprador e o vendedor não se identificam, assim, a opacidade da operação é total. Em terceiro lugar, os 'traders de alta frequência' conseguem operar com muito pouca liquidez, “podendo cair como dominós se um acontecimento inesperado os obriga a manter posições que registam menos-valias por pouco mais do que uns segundos”, explicaram Nicholas Paisner e Edward Hdas no boletim 'online' Breakingviews.

Também o facto de que os algoritmos não têm em conta a qualidade da gestão de uma empresa ou da situação política de um país que acaba de realizar uma emissão de títulos: a eles só lhes interessa o preço e o comportamento do mercado. Para os computadores, os títulos de Portugal, Espanha, Grécia, França ou da Bélgica não são dívidas de país com governos, sindicatos e situações políticas diversas, são apenas activos financeiros que se compram e vendem. Neste contexto, os computadores reforçam de forma dramática as tendências do mercado.

Pode-se então produzir aberrações como aquelas sucedidas durante o 'flash crash', ou seja, o famoso derrube de Wall Street no dia 6 de Maio quando o parque nova-iorquino perdeu 998 pontos em cinco minutos e recuperou-os em outros quinze. Naquela altura, o operador de alta frequência, Tradervox, chegou a vender, num claro exemplo de como os computadores podem reagir numa situação de caos, acções do gigante da consultoria Accenture, por um centavo de dólar, apesar da empresa estar a ver 40 dólares antes de que o mercado se tornou literalmente louco.

Mas esta é só a parte negativa do HTF. Os defensores deste sistema usam quase os mesmo argumentos para realçar as suas vantagens. Afirmam, em primeiro lugar, que os algoritmos “não vêem televisão nem ouvem rádio, portanto, não são susceptíveis a pânicos nem a euforias colectivas”, como assinala Aldridge. Por outras palavras, estabilizam o mercado. Ao mesmo tempo, a sua acção incrementa, pelo menos em teoria, a liquidez do mercado.

O certo é que, enquanto o debate se arrasta, o 'high frequency trading' continua a crescer. Os esforços dos Democratas no Senado dos EUA para regular-lo estão virtualmente paralisados depois das eleições do passado 2 de Novembro em que os Republicanos, que se opõem a qualquer controlo, conseguiram uma minoria de bloqueio suficientemente grande para imperdir qualquer reforma. E, ao fim e ao cabo, deve ter-se em conta que, por muito que se culpem os computadores, os programadores são sempre seres humanos. De facto, o 'flash crash' do dia 6 de Maio não começou com nenhum computador, mas sim com um operador que deu uma ordem de vem da Accenture tão monstruosamente alta que sozinho fez cair o mercado.

O qual poder ser bom ou mau. Como afirma nas suas memórias 'My life as a quant?', Emanuel Derman, um físico sul-africano que foi um dos pioneiros nos métodos quantitativos em Wall Street e que hoje ensina na Universidade de Columbia, “a capacidade de provocar uma tremendas destruição com os teus modelos é fonte de uma enorme responsabilidade”. No entanto, até agora quem foi mais destruído pelos algoritmos do 'trading de alta frequência' foi Sergei Aleynikov.

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Fonte: Esquerda.net