Após superarem diversos obstáculos em razão da falta de condições estruturais que marca esta 11ª edição do FSM, e no melhor espírito do Fórum, as duas fundações realizaram o debate que contou com a presença do secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) e do professor de Economia Política e diretor de Pesquisas do Forum Du Tiers Monde, Bernard Founou Tchuigolia, camaronês que vive há mais de 30 anos no Senegal. A atividade aconteceu no mesmo local onde o presidente Lula foi recebido pelo presidente do Senegal Abdoulaye Wade, na tarde anterior: o Place de Souvenir próximo à Universidade do Senegal.

O ministro Gilberto Carvalho lembrou a visita que fez à Ilha de Gore, local símbolo da infâmia da escravidão por onde eram desterrados os escravos africanos, afirmando que as lembranças da visita reforçam os compromissos com a luta contra a exploração e a escravidão em todos os momentos da história da humanidade. Lembrou também que a colonização da África foi conduzida pelos países ricos que financiavam as elites locais e o restante do país – sua cultura, seu povo, sua identidade – era esquecido.

Conforme destacou Carvalho, o Brasil tem reafirmado seu compromisso com o processo de integração com os irmãos africanos descortinando uma nova situação, bem diferente inclusive do que se pensava ser possível antes do primeiro mandato do presidente Lula. Garantiu que os compromissos fazem parte da agenda da presidente Dilma e que o Brasil respeita e respeitará a autonomia dos processos construídos e demandados pelos países africanos.

Realçando o papel da Mãe África e de nossas identidades culturais, o ministro falou desse novo modelo de parceria que nasce com a marca da humildade, pois é preciso afastar também as pretensões, muito recorrentes, de prepotência e supremacia social e econômica. “O Brasil que sempre bebeu dessa cultura somente agora efetiva a inserção do estudo da história da África nos currículos escolares”, lembrou.

Carvalho afirmou ainda que o Brasil tem construído propostas para promover o desenvolvimento da agricultura, lembrando que há semelhanças enormes entre a savana africana e o cerrado brasileiro, até pouco tempo improdutivo e que hoje produz o melhor trigo do país. Nesse sentido, enfatizou o papel da Embrapa, que está atuando em Gana. Ele também falou sobre a reunião realizada em Roma na sede da FAU e que mobilizou os países africanos e seus ministros de agricultura para esse projeto de produção e aproveitamento das savanas africanas.

Outro ponto destacado pelo secretário foi a criação da universidade afro-brasileira, no município cearense de Redenção, a primeira cidade a abolir a escravidão no Brasil. A instituição de ensino oferecerá diversos cursos de intercâmbio e troca de experiências e vivências entre estudantes brasileiros e africanos.

Na área da saúde, lembrou o programa de combate à anemia falciforme, o combate à AIDS, o laboratório de medicamentos em Moçambique para produção de antiretrovirais e o escritório da Fiocruz com capacidade de desenvolver diversos medicamentos. Segundo Carvalho, a contribuição do Brasil é no sentido de promover uma integração que não reproduza os modelos e padrões de exploração, mas que integre com fraternidade, humildade e reconhecendo a autonomia dos parceiros.

Desafios a superar

Em sua fala, o senador pelo PCdoB-CE, Inácio Arruda, ressaltou que as dificuldades para a realização do Fórum no Senegal demonstram os desafios que precisaremos superar para promover ações de integração. Um dos pontos abordados foi o fato de que até pouco tempo, a África era esquecida pelas velhas oligarquias e, apesar de o continente ser constituído por povos milenares, o quadro atual é marcado pela afirmação de países jovens, como acontece na América Latina.

“Os colonizadores se foram e nos deixaram heranças culturais e imensas limitações. Nossas nações antigas, pré-colombianos, os incas, maias, astecas, por exemplo, foram dizimados. Houve genocídios atrozes e, no Brasil os índios também foram subjugados e exterminados. Depois, veio a escravidão. Portanto, foi um parto doloroso pelo qual a humanidade passou até chegar ao nascimento desses povos e de suas nações e países. Mas, até hoje esses povos continuam sendo colonizados e explorados através de novos mecanismos econômicos, financeiros e de dominação cultural”, afirmou o comunista.

De acordo com Arruda, esses novos povos realizaram e realizam lutas históricas e heroicas de libertação. “A África nunca foi pobre; vivia bem, se alimentava e produzia. Vivia com suas complexidades e dilemas, mas de forma autônoma, e os colonizadores impuseram um série de adequações não para melhorar a vida dos povos, mas para melhor a vida das colônias”, colocou.

Chegando ao cenário atual, lembrou que hoje vivemos na América Latina e na África um projeto diferente, novo, com novas perspectivas. “No Brasil, um operário vira presidente da República e transforma um país deprimido em um movimento ascendente no plano nacional e internacional, com os comunistas governando juntos. A democracia se consolida e os avanços sociais são relevantes. Outros exemplos são Evo Morales na Bolívi – um cocaleiro também sindicalista –, Chávez na Venezuela. No Uruguai, um ex-guerrilheiro, José Mujica, estancieiro e socialista, coordena uma coalizão de esquerda que dirige o país há anos. Na Argentina, uma mulher do campo democrático abre espaço para a esquerda; no Paraguai, Lugo supera anos de concentração de poder das elites tradicionais e locais”.

Para o senador, é nesse contexto que a integração precisa ser pensada e realizada. “A África também tem um cenário de renascimento exuberante em alguns países. É preciso, reconhecendo a soberania das nacionalidades, promover a integração com novos mecanismos como as transferências de conhecimento, ciência e tecnologia”.

Inácio Arruda afirmou ainda que é preciso ampliar os laços de democracia entre os nossos países, processo em que o Brasil está trabalhando intensamente em especial no campo das disseminação de ideias, e defendeu a possibilidade de conceder vagas no programa Pro-Uni para estudantes africanos que moram no Brasil.

Uma história de resistência

Em seguida o professor Bernard Fouton fez uma apresentação resgatando a história dos povos africanos e das tradicionais experiências de exploração de diversos colonizadores no continente. Em sua opinião, a África reúne hoje imensas possibilidades de superar suas dificuldades neste sentido, a parceria com o Brasil e com a América Latina é fundamental. “Os mecanismos de integração Sul-Sul resgatados por esses povos em um momento de crise capitalista é uma dádiva que precisa ser canalizada para a emancipação dos povos. Os mecanismos precisam ser aprimorados e fortalecidos. A responsabilidade do Brasil é grande e sua postura é a mais adequada”.

Além das transferências de tecnologia, da formação técnica, dos financiamentos e investimentos diretos, o professor diz que é preciso maior intercâmbio cultural e social. “Isso quer dizer que devemos avançar na integração para além dos governos – integração entre as sociedades civis, os movimentos sociais as organização não oficiais – para haver maior capilarização. Devemos aproveitar esse momento de renascimento, de globalização dos movimentos sociais e o Fórum Social Mundial é um processo rico para isso. Todos os países, juntos, têm a capacidade de pensar e estruturar esses mecanismos, sem dominação, sem desconhecer suas realidades e suas limitações, suas soberanias e autonomias”.

Fouton fez uma crítica ao atual presidente do Senegal, segundo ele “um liberal que não estrutura políticas para todos os senegaleses” e que “tem certa aversão às organização sociais, ainda que se viva um clima democrático”.

O professor defendeu que o saldo dessa integração para os povos da África precisa ser sentido não só pelos países, mas pelas pessoas. Por isso, aposta nessa integração com dois vieses: um oficial e outro social, das pessoas.

Parceria

A atividade foi realizada pelas fundações Maurício Grabois e Perseu Abramo. Leocir Costa Rosa, um dos diretores da Grabois, reafirmou o compromisso entre as fundações de “promover o diálogo e a reflexão sobre os temas propostos” e que, apesar das limitações estruturais, “ambas consolidam uma parceria antiga nos fóruns sociais”.

Nilmario Miranda, presidente da FPA, saudou a presença de todos e lembrou que as fundações “têm a vocação de promover o debate e o diálogo” e que “o FSM é um espaço muito importante de atuação”.