… Segundo [uma] concepção materialista da história, o momento em última instância determinante [in letzter Instanz bestimmende], na história é a produção e reprodução da vida real. Nem Marx nem eu alguma vez afirmámos mais. Se agora alguém torce isso [afirmando] que o momento económico é o único determinante, transforma aquela proposição numa frase que não diz nada, abstracta, absurda. A situação [Lage] económica é a base [Basis], mas os diversos momentos da superstrutura [Überbau] – formas políticas da luta de classes e seus resultados: constituições estabelecidas pela classe vitoriosa uma vez ganha a batalha, etc., formas jurídicas, e mesmo os reflexos [Reflexe] de todas estas lutas reais nos cérebros dos participantes, teorias políticas, jurídicas, filosóficas, visões [Anschauungen] religiosas e o seu ulterior desenvolvimento em sistemas de dogmas – exercem também a sua influência [Einwirkung] sobre o decurso das lutas históricas e determinam em muitos casos preponderantemente [vorwiegend] a forma delas. Há uma acção recíproca [Wechselwirkung] de todos estes momentos, em que, finalmente, através de todo o conjunto infinito de casualidades (quer dizer: de coisas e eventos cuja conexão interna é entre eles tão remota ou é tão indemonstrável que nós a podemos considerar como não-existente, a podemos negligenciar), o movimento económico vem ao de cima como algo de necessário. Senão, a aplicação da teoria a um qualquer período da história seria mais fácil do que a resolução de uma simples equação de primeiro grau.

Nós fazemos a nossa própria história, mas, em primeiro lugar, sob pressupostos e condições muito determinados. Entre eles, os económicos são finalmente os decisivos. Mas também os políticos, etc., mesmo a tradição que assombra as cabeças dos homens, desempenham um papel, se bem que não decisivo. Também o Estado prussiano surgiu e se desenvolveu ulteriormente por causas históricas, em última instância económicas. Não poderia, porém, ser afirmado sem pedanteria que, entre os muito pequenos estados do Norte da Alemanha, precisamente o Brandenburg estava determinado, por necessidade económica e não também por outros momentos (antes do mais, o seu enredamento com a Polónia por causa da posse da Prússia, e, por isso, com relações políticas internacionais – que, de facto, também foram decisivas para a formação do poder da Casa de Áustria), a tornar-se a grande potência em que se corporizou a diferença económica, linguística e, desde a Reforma, também religiosa do Norte relativamente ao Sul. Dificilmente se conseguiria explicar economicamente, sem se tornar ridículo, a existência de cada pequeno Estado alemão do passado e do presente ou a origem da mutação consonântica alto-alemã, que alargou o muro de separação geográfico formado pelas montanhas dos Sudetas até ao Taunus ao [ponto de o transformar em] uma fissura em forma através da Alemanha.

Em segundo lugar, porém, a história faz-se de tal modo que o resultado final provém sempre de conflitos de muitas vontades isoladas, em que cada uma delas, por sua vez, é feita aquilo que é por um conjunto de condições de vida particulares; há, portanto, inúmeras forças que se entrecruzam, um número infinito de paralelogramas de forças, de que provém uma resultante – o resultado [Ergebnis] histórico –, que pode ele próprio, por sua vez, ser encarado como o produto de um poder que, como todo, actua sem consciência e sem vontade. Pois, aquilo que cada [indivíduo] singular quer é impedido por aquele outro e aquilo que daí sai é algo que ninguém quis. Assim, a história até aqui decorreu à maneira de um processo natural e está também essencialmente submetida às mesmas leis de movimento. Mas, de que as vontades singulares – em que cada um quer aquilo a que o impele a sua constituição física [Körperkonstitution] e circunstâncias exteriores, em última instância económicas (quer as suas próprias [circunstâncias] pessoais quer as gerais-sociais) – não alcançam aquilo que querem, mas se fundem numa média total, numa resultante comum, daí não deve, contudo, concluir-se que elas são de pôr como = 0. Pelo contrário, cada uma contribui para a resultante e está, nessa medida, compreendida nela.

Além disso, gostaria de pedir a V. que estudasse essas teorias nas fontes originais e não a partir de [fontes] de segunda mão; é realmente muito mais fácil. Marx não escreveu quase nada onde elas não desempenhassem um papel. Particularmente, porém, Der 18. Brumaire des L. Bonaparte [O 18 de Brumário de L. Bonaparte] (1) é um exemplo excelente da sua aplicação. No Kapital [Capital] há igualmente muitas indicações. Depois, devo remeter também V. para os meus escritos: Herrn E. Dühring’s Umwälzung der Wissenschaft [O Revolucionamento da Ciência pelo Senhor E. Dühring] e L. Feurbach und der Ausgang der klassischen deutschen Philosophie [L. Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica] (2), onde eu dei a exposição mais pormenorizada do materialismo histórico que, que eu saiba, existe.

Marx e eu temos, nós próprios, que ser culpados, em parte, de que, por vezes, seja pelos mais jovens dado mais peso ao lado económico do que o que lhe cabe. Nós tínhamos de acentuar, face aos adversários, que o negavam, este princípio principal [Hauptprinzip] e nem sempre havia tempo, lugar e oportunidade para dar a devida importância aos restantes momentos participantes na acção recíproca. Mas, assim que se tratava da exposição de uma secção histórica, portanto, da aplicação prática, as coisas alteravam-se, e aí nenhum erro era possível. Infelizmente, é, porém, demasiado frequente alguém acreditar que entendeu completamente uma teoria nova e que a pode manejar sem mais logo que se apoderou dos seus principais princípios [Hauptsätze], e deles também nem sempre correctamente. E eu não posso poupar a esta censura muitos dos novos «marxistas», e também aqui se cometeram coisas espantosas […].

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(1) K. Marx/F. Engels, Obras Escolhidas em três tomos, Edições «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, t. I, 1982, pp. 417-512.

(2) Id., ibid, t. III, pp. 375-421. (Nota da edição portuguesa.)

Publicado pela primeira vez na revista Der sozialistische Akademiker, Berlin, Ano I, n.o 19, de 1 de Outubro de 1895. Publicado segundo o texto da revista. Traduzido do alemão.

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Selecção: Francisco Melo

Tradução: Barata Moura

Fonte: jornal Avante!