O novo presidente do Ibama, o advogado gaúcho Curt Trennepohl, informa que começará a montar uma equipe de analistas ambientais com a missão específica de atender ao pré-sal. "Se não tivermos um time muito preparado, vamos retardar o processo, judicializar o licenciamento e, aí, eu vou para o pelourinho. Temos que investir em treinar gente agora", disse ao Valor.

Trennepohl afirma que o único pedido feito ao Ibama sobre pré-sal até agora refere-se a pesquisas sísmicas, e não à exploração do petróleo. Nesta semana, a Petrobras informou que pretende perfurar 20 novos poços na região do pré-sal da Bacia de Santos em 2011. "Imagine se começarem a chegar aqui projetos de licenciamento, operações que são complexas dada a profundidade em que ocorrerá a exploração e a numerosos componentes envolvidos que ainda não estão regulamentados. Ou nos antecipamos e estabelecemos as regras, ou teremos problemas", afirmou Trennepohl, há uma semana no comando do Ibama.

A criação dessas equipes especiais de licenciamento não se limitará à camada do pré-sal. Várias equipes estão em fase de montagem para lidar com projetos emergenciais, como a polêmica hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA). Hoje, o Ibama tem 280 analistas ambientais em outras partes do país, fora Brasília, contingente que precisaria ser de 600 para dar conta do recado, segundo Trennepohl.

Como a realização de concurso público está fora dos planos, o Ibama decidiu remanejar funcionários dos Estados para Brasília. Na capital, a equipe é de 40 analistas. Até o fim do ano, a meta é ter 500 funcionários dedicados ao licenciamento ambiental na sede da autarquia. "Não vai ser um movimento muito fácil. Vão dizer que há centralização da administração em detrimento da ação na ponta. Mas se o cobertor é curto, tenho que optar por deixar o nariz ou os pés de fora." O Ibama tem 4.124 funcionários na ativa e técnicos de outras áreas devem reforçar o licenciamento.

Procurador federal e servidor do Ibama há 21 anos, Curt Trennepohl precisa seguir à risca as duas missões que a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, colocou no seu colo: combater o desmatamento da Amazônia e acelerar o licenciamento ambiental. Hoje, o Ibama já trabalha com três equipes de apoio para missões específicas, como a análise dos projetos de linhas de transmissão. Desse time, 18 analistas estão mergulhados no licenciamento de Belo Monte, projeto que praticamente catalisa todas as dificuldades vividas atualmente pelo instituto.

O Ibama liberou uma licença específica para a instalação do canteiro de obras da empresa Norte Energia, que fará a obra, mas o Ministério Público Federal (MPF) do Pará conseguiu uma liminar na Justiça para barrar a licença. Agora, a Advocacia-Geral da União (AGU) tenta restabelecer a licença. "Hoje, eu não assinaria a licença de instalação da hidrelétrica. Mas quanto ao canteiro de obras não há qualquer irregularidade. O que existe é uma interpretação sob uma óptica diferente feita pelo Ministério do Pará, que, aliás, tem uma postura muito combativa", diz Trennepohl.

A situação, segundo o presidente do Ibama, explora uma área "nebulosa" da legislação atual. O MPF acusa o consórcio Norte Energia de não ter cumprido algumas condicionantes da licença prévia de Belo Monte, entre as quais estão ações de saneamento básico no município de Altamira, nas proximidades da hidrelétrica. "Agora, como é que começo uma obra de saneamento em Altamira se eu ainda não tenho onde alojar os trabalhadores e o material?", pergunta. "A licença prévia exige o saneamento, mas para fazê-lo eu preciso de um pátio de apoio. É esse tipo de situação que precisa ser considerada."

Às vésperas de se aposentar – seu último dia de trabalho seria 15 de abril -, Trennepohl diz ter aceito a empreitada no Ibama por "amor" à instituição e para atender a um "apelo" da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. "Foi uma decisão difícil. Levou quase dois minutos. Estava pronto para ir embora, entraria de férias no dia 28 de março, mas aceitei", conta.

Instituto quer acelerar licenciamento de obras

O pacote de mudança das leis ambientais, ainda em gestação na Casa Civil, deve acelerar o licenciamento de obras, mas não pretende "flexibilizar" as regras exigidas pelo Ibama. O novo presidente da autarquia, Curt Trennepohl, afirma que a nova regulação esclarecerá pontos obscuros e preencherá brechas na lei para evitar novas brigas judiciais em grandes obras. "Se nós conseguirmos colocar condicionantes amarradas a decretos, está muito claro o que precisa ser feito. Quando existe lacuna na lei, dá espaço para questionamento", disse.

Hoje, o Ibama analisa 1.675 processos de licenciamento e 10% deles passam por questionamentos jurídicos, envolvendo desde pedidos de esclarecimentos a interrupção no andamento das obras.

Ao classificar-se como um "ambientalista consciente", Curt Trennepohl diz haver "um esforço grande" para que a legislação acompanhe o crescimento do país. "Se a legislação estagnar, corremos o risco de estagnar o crescimento". Por isso, a mudança na lei permitirá a emissão de licenças específicas para cada etapa da obra. E criará regras exclusivas para cada tipo de empreendimento.

Isso significa que obras como rodovias, hidrelétricas, linhas de transmissão e portos terão tratamento individual, segundo as peculiaridades de cada uma. "Hoje, não se faz distinção entre os diferentes tipos de empreendimentos. Da mesma forma que temos uma legislação específica para trânsito de veículos e outra para aeronaves, cada tipo de empreendimento terá regras mais claras, com parâmetros específicos", diz. O presidente do Ibama também rejeita qualquer "flexibilização" das normas. "Não vamos afrouxar o licenciamento. O que queremos é estabelecer regras mais claras, ser mais transparentes".

Como exemplo das situações "absurdas", Trennepohl lembra as regras para licenciar linhas de transmissão de energia, que exigem um estudo sobre ictiofauna (conjunto de espécies de peixes). "Será que realmente preciso passar um ano estudando migração de peixes apenas porque a linha de transmissão passa por cima de um rio? É claro que não, mas se eu não fizer isso hoje, sou questionado", diz. Para acabar com a "penumbra", as regras mudarão.

Outra situação "ilógica", argumenta Trennepohl, é a recuperação ou asfaltamento de rodovias já abertas, como é o caso da BR-319 (Porto Velho-Manaus). "Para que um estudo ambiental completo de uma rodovia se vou fazer apenas um asfaltamento nela?", questiona. "O que preciso analisar são os impactos que serão causados pela melhoria dessa rodovia. Acontece que isso não está regulamentado hoje". Para ele, nesses casos é necessário analisar o impacto que será causado pelo deslocamento humano. "O eventual dano à flora já ocorreu. Preciso do estudo de impacto para facilitação de acesso, uma figura que hoje não existe, não está prevista. Mas a lei hoje me obriga a fazer a análise completa, mais uma vez", diz.

As novas regras também darão mais garantia aos analistas ambientais e devem blindar os servidores da pressão de ambientalistas e de empresas. No topo da pirâmide do licenciamento ambiental, afirma Trennepohl, a estrutura continuará a mesma: licença prévia, de instalação e de operação. Abaixo de cada uma delas, porém, haverá condições para acelerar o empreendimento por etapa. Na prática, essa mudança permitirá que, com uma licença prévia, a obra comece a ser tocada em fases. "O que será mais detalhado são as fases incluídas nestas três etapas principais. A licença será liberada desde que: um, não agrave nenhum dos impactos ambientais da licença prévia; dois, não crie a situação de fato consumado – ou seja, que se torne uma obra irreversível", afirma Trennepohl.

Na disputa entre ambientalistas e empresas, o novo presidente do Ibama pondera: "Trabalho com meio ambiente há 30 anos. Não quero voltar para as cavernas, quero energia lá em casa, ar condicionado, sou mal acostumado 'pra' caramba. E o caboclo da Amazônia também quer energia", afirma.

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Fonte: Valor Econômico