“Quando eu quis regular mercados disseram-me: 'como queres que faça isso, como vamos financiar a nossa campanha?'”, revelou Oskar Lafontaine

Quinta-feira, durante todo o dia, eurodeputados, sindicalistas, activistas, economistas das finanças debateram a resposta da esquerda à crise e a Governação da UE numa conferência organizada pelo GUE/NGL no Parlamento Europeu.

De que se trata: “mercado de trabalho” ou “condições de trabalho”?

Para Oskar Lafontaine só podemos sair da crise se ultrapassarmos a mentalidade neoliberal. “A mentalidade neoliberal é dominante. Quem diz mercado laboral já está sujeito a essa mentalidade. Quem diz flexibilidade está duplamente subjugado”. Lafontaine contrapõe e fala das “condições de trabalho” que devemos regulamentar para que as pessoas possam estar com as famílias. “Quem fala de mercado de trabalho trata as pessoas como mercadoria, e quem assim faz trata-as como máquinas. As maquinas trabalham a qualquer hora, as pessoas não”.

O ex-líder do SPD e antigo ministro das finanças que rompeu com a social-democracia alemã e fundou um novo partido à esquerda, o Die Linke, aponta para a regulação dos mercados financeiros.

“Em todos os países industrializados, não é o Estado que controla os bancos, são os próprios bancos. Só podemos avançar se proibirmos determinados lucros excessivos”. Lafontaine deu o exemplo da Goldman Sach, antes da crise, subsidiou as campanha presidenciais norte-americanas em 4,5 mil milhões de dólares. “Os dois grandes partidos americanos são financiados pela indústria e quando eu quis regular mercados disseram-me: 'como queres que faça isso, como vamos financiar a nossa campanha?'”. Henry Paulson, alto responsável da Goldman Sachs, tornou-se secretário do tesouro e defendeu os interesses dessa companhia financeira, a concorrência como a Merryl Linch foi à falência. “Isto vai mesmo contra os princípios neoliberais. Um banco devia ter lucros limitados a um décimo do PIB do Estado”. Na Islândia, Irlanda, Suíça, Alemanha há bancos com um volume de negócio equivalente a 80% do PIB, adianta. “Aos liberais devemos dizer que pelo menos limitem esta situação. Os bancos devem também poder ir à falência. Se um banco pode ter lucros também deve participar nos prejuízos”.

Na subjugação da democracia ao mercado, “a Europa é igual aos Estados Unidos”, considera. É necessário refundar a União Europeia e a única forma de o conseguir é também regular os fluxos de capitais de países terceiros, defende. Lafontaine retira uma conclusão lógica: se há países que produzem mais que necessitam, outros têm que produzir menos do que necessitam. Assim, há quem esteja numa situação excedentária como a Alemanha e outros em défice como Portugal e a Grécia. “Se construirmos o sistema europeu, temos que criar mecanismos europeus que possam regular esta situação de desequilíbrio. Tínhamos as taxas de cambio, agora já não. Sem sistema coordenado este sistema do euro não é sustentável, não haverá correcção de desequilíbrios”. Só resta o dumping social e salarial que afectará vários países.

Lafontaine conclui que não temos crise do euro, temos uma crise dos bancos. “Aprendemos na escola que o Parlamento tem direito orçamental, mas já não o tem. Por trás de tudo isto está a tentativa de recriar a democracia. Enquanto os parlamentos forem a representação dos lóbis e da finança não há condições para sair da crise”.

Não precisamos só de desenvolvimento, precisamos de outro modelo de desenvolvimento

Yannis Dragasakis considera que para sair da crise é preciso lutar junto dos que estão na rua e também compreendê-la. “Esta crise não é só económica, é também da democracia. Quem é que decide afinal? É o povo ou o mercado?”. Se a crise fosse apenas uma espécie de acumular de erros, a crise seria uma erro de gestão. Mas não é o caso, defende. É uma crise do neoliberalismo capitalista, portanto é preciso libertar a UE e as suas instituições desta mentalidade”.

Para o antigo ministro das finanças, a actual situação é vivida de forma dramática na Grécia. “Não se vislumbra qualquer futuro. Ou aceitam o plano de austeridade ou vão à falência”. Dragasakis receia que seja apresentada a mesma escolha a Portugal. “Como podemos permitir estes frequentes ataques especulativos nos mercados? Como é possível pagar taxas de juro de 9% no caso de Portugal? É possível deixar os mercados autocontrolarem-se ou a UE vai agir?”, questionou. “Esta crise pode perdurar se não mudarmos de abordagem. As desigualdades não param de crescer. Precisamos de uma UE que responda às preocupações de todos os povos de todos os países”.

Se queremos que o dinheiro circule livremente na UE são precisas políticas que compensem essas consequências, ou então restringi-la. Não precisamos só de desenvolvimento, precisamos de outro modelo de desenvolvimento, realçou, considerando essencial a participação do Banco Central Europeu para sairmos da actual crise da dívida.

Quantos pobres são precisos para fazer um rico?

Miguel Portas recuperou a antigo pergunta de Almeida Garrett e referiu que se antes da crise eram precisos 10 mil pobres para fazer um milionário, depois dos quatro PEC's são precisos muitos mais para fazer o mesmo rico.

O eurodeputado do Bloco de Esquerda teme que a crise dissemine o anti-europeísmo. “Temos mais desemprego, mais desigualdade e uma Europa em divergência. Nos países ricos cria-se a ideia de egoísmo, nos pobres a UE é vista como o poder colonial”. Portas apelou à junção de forças mas alertou para outro problema. “A luta política é nacional, a luta social é europeia, o poder que decide é cada vez mais supranacional”. Para o eurodeputado é preciso continuar o diálogo à esquerda para conseguir reinventar a luta europeia, para ter sindicatos capazes de falar aos precários e para ter de políticos que falem à juventude e aos precários.

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Artigo publicado no portal do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu

Fonte: Esquerda.net