As pastas da Justiça, da Defesa e da Secretaria de Direitos Humanos estão encarregadas de costurar um consenso. Líderes do PT e do PSDB também têm conversado com especialistas de direitos humanos. Nelson Jobim, ministro da Defesa, colocou o auxiliar e ex-deputado petista José Genoíno para tratar do tema.

Atualmente na presidência da Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo, Gregori foi ministro no governo Fernando Henrique Cardoso. Ele avalia que algumas mudanças feitas desde o primeiro texto proposto pelo ex-presidente Lula devem facilitar um consenso.

Quando apresentado pela primeira vez, em janeiro de 2010, "o texto dava a entender que o governo acreditava que a Lei da Anistia não tinha posto uma pedra em cima (dos crimes da Ditadura)", diz Gregori. Havia o temor de que seriam promovidas investigações e de que militares seriam punidos. Mas uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em abril, recusou o fim do perdão a torturadores. "Essa questão foi superada", conclui Gregori. "O projeto deixou claro que essa Comissão da Verdade não tem intuito revanchista".

Leia a entrevista.

Passado esse momento inicial do governo Dilma, a discussão sobre a Comissão da Verdade voltou, não é mesmo? Estamos avançando para um consenso no Congresso?
O projeto do governo foi feito já dentro de um espírito de superar dificuldades. A primeira ideia da Comissão da Verdade veio junto com o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH III), que teve uma repercussão um pouco polêmica. E tinha um problema dentro do plano, que passava pela Comissão da Verdade. Era o problema do efeito da Lei da Anistia em relação a todo e qualquer crime. Essa questão foi superada, porque veio a decisão do Supremo, dizendo que a Anistia foi realmente uma pedra em cima. Baseado nisso, em conversas naquela época, o governo mandou um projeto feito exatamente para estabelecer um consenso.

E que pontos são importantes para esse consenso?
O projeto deixou claro que essa Comissão da Verdade não tem intuito revanchista. É uma Comissão para esclarecer fatos dentro de um determinado período. Ela não tem poderes que, na técnica jurídica, a gente chama de persecutórios, ou seja, a capacidade de prender ou aplicar uma pena contra pessoas. Ela é realmente uma Comissão de registro histórico. Coisa que em muitas oportunidades importantes o Brasil não fez.

Há em andamento uma negociação entre os líderes partidários para garantir a aprovação da Comissão da Verdade?
Tendo em vista esse bom projeto que está na Câmara, começada a legislatura, os líderes vêm conversando e ouvindo também especialistas a respeito do projeto e do encaminhamento. Eu fui ouvido e externei essa opinião. Acho o projeto muito bem feito, acho que a Comissão não é uma coisa para fazer acerto de contas. É um registro histórico importante. É um elemento de pacificação que vem numa espécie de coroamento desse processo, do qual eu tive oportunidade de participar, quando fiz, por encomenda do ministro (Nelson) Jobim e do presidente Fernando Henrique, a Lei dos Desaparecidos.

O ministro José Eduardo Cardozo chegou a ressaltar a negociação entre Ministérios, da Justiça, da Defesa e Secretaria de Direitos Humanos.
Sim, em termos de governo também há essa conversa entre os três. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, encarregou um auxiliar bastante conhecido – José Genoíno – de manter conversas a esse respeito. Está havendo uma concentração de esforços.

Em nome do consenso, o senhor acha que o governo cede em alguns pontos?
Na primeira redação, o texto dava a entender que o governo acreditava que a Lei da Anistia não tinha posto uma pedra em cima. O presidente Lula já havia revisto essa posição. Foi para o Congresso um projeto que já era uma reavaliação. Agora, com o Congresso voltando a funcionar, está se discutindo que o projeto tem que ser aprovado ou rejeitado. O Congresso não é uma vitrine para congelar assunto.

A pior coisa que poderia acontecer, então, é justamente não acontecer nada?
É não acontecer nada. É o que acho. Creio que a Comissão da Verdade, posta nos termos do projeto, pode ser mais uma alavanca para a democracia brasileira.

Mas é possível que o Congresso se oponha a votar? Quero dizer, será que mais alguém além de Jair Bolsonaro (PP-RJ) – que abertamente nega a Ditadura – seria contra?
Olha, a gente sabe que o Congresso tem uma massa de assuntos, de projetos. Mas eu acho que nesse ano a matéria dos Direitos Humanos ganhou muita importância. A presidente, logo no início do ano, tomou uma posição muito importante condenando o apedrejamento de uma mulher no Irã. É um ano de grande fecundidade em matéria de direitos humanos. Entre centenas de assuntos, cabe perfeitamente os deputados e senadores reservarem um tempinho para a Comissão da Verdade.

Falando no momento atual. Aqui na América Latina houve uma decisão um tanto surpreendente. O Senado aprovou a revogação da Lei de Anistia. Como o senhor vê essa decisão?
Cada país tem seu processo histórico específico, cada um analisa e reage de uma determinada maneira. Eu acho que, no Brasil, a Anistia, como ela foi posta, foi um elemento que ajudou tremendamente a construção democrática. Se fosse uma Anistia restritiva, eu acho que a democracia brasileira ainda estaria capengando. Então, é difícil você comparar, principalmente na América Latina, processos de ditadura que não foram exatamente iguais. O Uruguai acha que revogar a Lei da Anistia é uma forma de lutar pela democracia. O brasileiro acha que confirmar a Anistia é a melhor forma de confirmar a democracia.

O senhor acha que não seria o caso de pensar nisso aqui.
Não. Eu acho que, nos dois casos, se você mantém a democracia, você está seguindo o caminho que tem que seguir.

Fonte: Terra Magazine