Nelson Werneck Sodré é uma das maiores autoridades em história do Brasil e estudos da cultura brasileira. Esta constatação foi unânime no ato em comemoração ao centenário do nascimento do escritor e historiador, realizado na noite de sexta-feira (3) no auditório da sede nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), na cidade de São Paulo, coordenado pelo secretário-geral da Fundação Maurício Grabois, Augusto Buonicore. Sua filha Olga, professora e doutora, esteve presente e falou sobre a trajetória de Sodré e registrou a significativa importância do evento promovido pela Fundação Maurício Grabois. Disse que se sentia em casa na sede do PCdoB, onde estava parte de sua história, e defendeu a união da esquerda em torno de um projeto de Brasil.

Olga Sodré afirmou que batalha pela valorização da metodologia científica de Sodré e que luta pelo resgate do seu método marxista como importante elemento científico de pesquisa. Para ela, o escritor e historiador foi um “pai da nação”. A idéia, explicou, surgiu quando fazia pós-doutorado no Instituto de Medicina Social da Uerj, em 2007, e seu orientador, o psicanalista Jurandir Freire, observou a importância que dava ao papel do pai no desenvolvimento psicológico dos jovens. Curioso, indagou quem era seu pai. Quando soube que era Sodré, disse: “Mas esse não é apenas o seu pai! É o ai da nação.”

Ela lamentou que a geração atual não conheça a história e a obra de Sodré. E situou o escritor e historiador no contexto dos anos 1950 e 1960, um período de extraordinária produção intelectual progressista. Em conversas com os estudantes a esse respeito, Olga Sodré disse que tem explicado os acontecimentos dessa época e o que representou o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) — criado em 1952 a partir dos debates sobre a questão do petróleo e dos rumos do desenvolvimento nacional.

Projeto de país

O golpe de 1964, disse a professora, interrompeu uma trajetória virtuosa. Segundo ela, ações como a produção do ISEB — além da ação de militares patriotas, entre os quais Sodré — impediram que o golpe viesse antes, como tentou algumas vezes os golpistas que ameaçaram Getúlio Vargas, em seu segundo governo, e Juscelino Kubitscheck. Para a professora, Sodré e outros combatentes democráticos seguraram a barra e impediram o desfecho da ofensiva reacionária até 1964. Ela disse que luta para que os militares reconheçam o papel do seu pai e, em nome da nação, ofereçam uma condecoração em sua homenagem.

Olga Sodré encerrou sua intervenção enfatizando que seu pai pensou um projeto de país. Um projeto de um comunista, que considera o socialismo como uma possibilidade de coloridos nacionais. Sugeriu que esse pensamento seja espalhado pelo país com atos semelhantes. Para ela, é importante que as forças de esquerda se unam em torno da bandeira de um projeto nacional, um projeto para mudar o Brasil. O resto é conversa, finalizou.

Homem comum

O primeiro orador foi José Carlos Ruy, jornalista, editor do jornal Classe Operária e integrante da equipe do Portal Vermelho. Segundo ele, Sodré foi, além de um oficial do Exército patriota e democrático, um homem comprometido com a compreensão e a construção da sociedade brasileira. Ruy citou que o escritor e historiador deixou sua obra registrada em 58 livros fundamentais para entender o Brasil. Sodré, disse o jornalista, pesquisou a fundo a cultura de um país em formação, de uma nação nova. Para Ruy, a capacidade do escritor e historiador de produzir uma obra monumental com recursos precários é surpreendente.

Outra característica notável de Sodré, afirmou o jornalista, é a linguagem simples, dirigida ao homem comum. Para ele, se fosse europeu ou americano o escritor e historiador seria um mestre mundial. Seu empenho para descobrir caminhos e compreender o Brasil pelas lentes do marxismo, disse Ruy, faz de Sodré um mestre brasileiro, que ensinou muitos a ver o país como ele é visto atualmente.

Escolas militares

Marcos Silva, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da USP e autor do Dicionário Crítico Nelson Werneck Sodré, falou em seguida. Resgatou a trajetória de seus estudos da obra de Sodré, lembrando que ele faz parte de um time de historiadores que não tiveram formação acadêmica. Segundo o professor, as escolas militares formaram muitos intelectuais que produzem diálogos com a sociedade. No caso de Sodré, disse Marcos Silva, se destacam em sua obra a pesquisa rigorosa e a escrita de qualidade. A capacidade expressiva do escritor e historiador, afirmou, se traduziu em belos textos.

Para o professor, não é possível estudar a história do Brasil sem passar pela obra de Sodré, que são manuais de referências clássicos. Marcos Silva disse que reler os livros do escritor e historiador é uma forma de se compreender os motivos que levaram a ditadura a perseguir não só civis, mas também militares. Segundo ele, Sodré fez o que as universidades deveriam ter feito — estimular o estudo para a compreensão do Brasil. Recuperar sua obra e de outros eruditos sem carreira acadêmica, disse, é uma obrigação. Marcos Silva encerrou sua intervenção agradecendo ao PCdoB pela iniciativa e instando outras organizações e partidos de esquerda a também homenagear Sodré.

José Luiz Del Roio, intelectual ítalo-brasileiro, fez uma saudação ao evento, destacando episódios em que se utilizou da obra de Sodré para explicar o Brasil para os europeus. Disse que o escritor e historiador fez parte do Exército que se diferenciava do grupo fascista de agentes do imperialismo das Forças Armadas que conspirou até consumar o golpe de 1964. Aproveitou a ocasião para defender a Comissão da Verdade, ressaltando que os progressistas devem ficar atentos para que ela não se transforme em instrumento a serviço de interesses contrários aos defendidos pelos democratas e patriotas.

O deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) falou em seguida. Para ele, Sodré foi um intelectual que representa uma multiplicidade de personagens. Foi intelectual, escritor, historiador, lutador e intérprete do Brasil. Cada leitura de sua obra, disse, representa uma redescoberta. Sodré, afirmou Aldo Rebelo, pela clareza dos seus textos é de fácil leitura até por iniciantes. Segundo ele, o escritor e historiador acumulou conhecimentos como poucos. O deputado lembrou que a história do Brasil mereceu pouca atenção da intelectualidade, condição que faz a obra de Sodré ser ainda mais imprescindível.

Aldo Rebelo disse que o marxismo de Sodré não é eurocentrista — é adaptado à história do Brasil, à realidade brasileira, voltado para a evolução da sociedade daqui. Um marxismo redescoberto no início dos anos 1990, com os acontecimentos que levaram à derrocada do bloco comandado pela União Soviética. A obra de Sodré, disse o deputado, é um referencial para todos que estudam a questão nacional e fazem à resistência aos interesses de fora. Para Aldo Rebelo, a atualidade do legado do escritor e historiador ilumina o caminho na luta social e de idéias.

Teste do pré-sal

O senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) também comentou a obra de Sodré. Para ele, poucos analisaram o Brasil como ele. O escritor e historiador enfrentou problemas concretos, às vezes encruzilhadas do pensamento. Mas sempre procurou caminhos que conduzissem a nação para o futuro que ela merece. Segundo Inácio Arruda, a bancada comunista no Congresso Nacional é comprometida com a causa de Sodré. Sugeriu que se fizessem gestões no Senado e na Câmara no sentido de viabilizar a publicação da obra de Sodré e assim contribuir para levar ao máximo de pessoas o conhecimento de novos caminhos para a nação.

O senador também ressaltou o papal militar de Sodré, que contribuiu para a formação de uma parcela das Forças Armadas que pensou na construção da nação. Ele discorreu sobre os desafios que Brasil tem pela frente na defesa da sua soberania e integridade, enfatizando que o pré-sal representa um teste para a capacidade dos brasileiros de manter seu patrimônio em suas mãos. Para Inácio Arruda, esses desafios encontram respostas na obra de Sodré, que produziu estudos de primeira para se compreender o Brasil e os brasileiros.

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Nelson Wenwck Sodré, historiador