Fui chamado, virtualmente – e from – Paris, por um dos mais competentes economistas brasileiros da atualidade –, o professor da UERJ, Maurício David. A pauta seria a de um “relatório explosivo” escrito pelo economista Nouriel Roubini sob o título de “Growth Model: The Rising Risk of a Harding Landing After 2013”. Evidente que li e notei que o renomado economista não foge à regra da literatura anglo-saxônica. Como em Romeu e Julieta, o final é trágico.

Novamente, na Ásia, uma bomba atômica está prestes a estourar. E mais precisamente na China. Os signos deste arsenal atômico são vários: “altas taxas de investimentos”, “pouca participação do consumo na formação geral da demanda”, “estatais ineficientes”, “artificialização do mercado de terras”, “câmbio ultradesvalorizado”, “dívida pública na beira da irresponsabilidade”, “sistema financeiro na beira do precipício”, "um país administrado e subsumido a 'interesses provinciais mesquinhos”'. Talvez fosse melhor se os governadores provinciais e prefeitos não passassem de meros síndicos ocupados em tapar buracos nas estradas em detrimento de serem, de fato o que são, agentes locais do desenvolvimento econômico.

Evidente que devemos reconhecer que as preocupações de Roubini são plausíveis, afinal o mundo espera é da China, e não da Europa e dos Estados Unidos, uma resposta para a crise financeira. Normal. A coincidência é que as preocupações do Roubini são as mesmas do governo chinês. O problema da análise não se encontra no diagnóstico das contradições e sim na ênfase em determinados desequilibrios macro e microecononômicos e em velhas soluções de aporte empírico no mínimo duvidável. Por exemplo, apontar a solução dos imensos problemas da economia chinesa, notadamente da alta taxa de poupança e investimentos, apontando na direção da apreciação da taxa de câmbio e da privatização de estatais é algo no mínimo discutível. Onde isso deu certo? O nosso Nouriel não responde. Ideologia pura.

Não aponta que a solução por mais centralização e concentração do capital já está em curso há muito tempo na China sob a forma de uma imensa operação de fusões e aquisições no âmbito estatal nos últimos quinze anos e que desembocou na formação de 149 conglomerados estatais. Não aponta também que enquanto Krugman lamentava as características do “modelo asiático” (e comemorando o fato de o sistema financeiro coreano estar sendo tomado de assalto pelo FMI), esse processo de reestruturação produtiva sob os auspícios de um sistema financeiro estatal, logo imune a maldição da “preferência pela liquidez”, sustentava (e sustenta) um esforço que deixou o país quase imune às crises de 1997 e a atual. Seus cálculos microeconômicos sobre o retorno dos investimentos em infraestrutura são muito insuficientes, ainda mais quando se quer comparar uma realidade continental como a da China com países como a Islândia, Irlanda e levar à sério demais o caráter non tradable dos investimentos em infraestruturas para justificar, para tristeza de John Maynard Keynes, a pequena relação entre investimento e renda na China.

Ele diz que a questão é a transformação do modelo baseado em investimentos-exportações para outro baseado num maior consumo (transferência de rendimentos do capital para o trabalho). Ótimo e ele não descobriu a roda como muitos acham. Bastaria ler algumas páginas do seminal Business Cycles de Schumpeter para perceber. E isso (mudança de “modelo”), será que não está sendo encaminhada? Que economia (planificada ou não) nunca passou por problemas de sobre-investimentos? Ou ele não conhece (certamente conhece) o processo norte-americano de acumulação que se de um lado tornou a crise de 1929 plausível (pelo "sobre-investimento)", por outro este mesmo sobre-investimento foi essencial para enfrentar o pós-1929. Em Economia Política, determinadas escolhas tem de ser historicizadas, ou seja, se este modelo baseado na relação produtividade-câmbio está se esgotando, o importante é saber que esse modelo foi essencial para China e no fulcro dele está a solução que por sua vez é determinada pela política. Gorbachev ficaria apavorado diante de um relatório deste, não tenho dúvidas. Para os chineses, orientais que são, a contradição e os limites das coisas são parte essencial do processo e não uma aberração sem determinação histórica.

A economia e a sociedade chinesa são eivadas de problemas e o "modelo" está em passo de esgotamento. Disso eu não tenho dúvidas e já escrevi sobre isso algumas vezes. Agora propor soluções tipo "mais do mesmo" não levará a discussão a canto nenhum. A liberalização cambial virá a seu tempo: nos últimos anos a moeda chinesa valorizou mais de 20% com relação ao dólar. Talvez esta valorização não esteja em concordância com as vontades e desejos do governo norte-americano e do próprio Roubini. Os chineses conhecem como poucos o que significa um tal instituto chamado de “reserva de mercado”. Aprenderam isso com os mercantilistas que tiraram Macau de seu controle na metade do século XVI…

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Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, autor de “China: infra-estruturas e crescimento econômico” e pesquisador da Fundação Maurício Grabois