É o mercado, é o crédito
“É o mercado, o crédito” dizia Lênin. É mais ou menos neste tom que Ignacio Rangel – um marxista-leninista até a medula – colocou em questão a validade teórica das, ainda, duas principais escolas do pensamento econômico brasileiro (monetaristas e estruturalistas-cepalinos).
Foi o único, até os nossos dias, que expôs com clareza a essência conservadora do Plano Trienal capitaneado por Celso Furtado. “O problema não é a emissão!!! O problema é o sistema de formação de preços, dos oligopsônios-monopsônios, da capacidade ociosa!!!”. Diz muito o fato de hoje 75% da inflação em nosso país ser causada pela alta de alimentos e serviços ou estatais ou concedidos/privatizados pelo Estado (oligopsônios e monopsônios e o sistema de formação de preços altamente presentes).
Estruturalistas e monetaristas continuariam unidos durante o Plano Cruzado e continuam de mãos dadas no governo Dilma (está aí o Guido Mantega com este arremedo de “socialdesenvolvimentismo”). A inflação (e seu “combate”) derrubou Celso Furtado, João Goulart, o governo constitucional. Deixou Sarney com a mão na brocha. Elegeu Collor e FHC e agora é o centro de gravidade, cujas fórmulas de “combate”, está levando a indústria brasileira pro brejo.
Todos continuam unidos pelo “combate à inflação”. Mesmo os mais consequentes não acumularam coragem suficiente para expor que o problema central não é a inflação e sim mais e melhor crescimento econômico. Virou senso comum a ideia da relação entre “crescimento” e “concentração de renda”. A social-democracia adotou a lírica para quem crescimento e desenvolvimento não são necessariamente a mesma coisa. Daí crescer só 4% ser suficiente para a “distribuição de renda”.
Este marxista genial não aparelhou centros de pós-graduação em economia do eixo Rio-SP e não falava o que a plateia gostaria de ouvir. Há 30 anos (em o classificado, por Bresser Pereira, como “posfácio antológico” da edição de 1978 de “A Inflação Brasileira” – leitura obrigatória aos seres pensantes da “grande estratégia” da transição socialista no Brasil) defendeu com unhas e dentes a concessão de serviços públicos à iniciativa privada nacional e sob a rubrica de um sistema financeiro capaz de carrear recursos para setores ociosos da economia. Foi tachado de “privatista”.
Ele estava pensando adiante: “É o capitalismo de Estado seus idiotas!!!”, diria Rangel nas entrelinhas de seu pensamento. Ele continuaria: “Não transitaremos ao socialismo sem grandes conglomerados estatais e privados”.
“Não enfrentaremos o imperialismo e a “chuva de dólares” sem um sofisticado sistema financeiro nacional”. “Não vamos distribuir renda sem aumento da taxa de investimentos”. “Não vamos combater a inflação sem desenvolvimento massivo das forças produtivas!!!”. “Não existe democracia sem desenvolvimento!!!”. Assim Ignacio Rangel alçou a questão nacional ao grau de ciência adaptada à realidade brasileira. Nele, o materialismo histórico se fundiu com o “nacional”.
Rangel não frequentava a embaixada norte-americana, nem tampouco a esquerda de Ipanema (afinal não bebia, só bebia “as forças produtivas”). Não disputou a hegemonia. Entre a verdade e a justiça ficou com a verdade ao afirmar, em “A Inflação Brasileira”, que o aparelhamento do capitalismo financeiro brasileiro substituiu a reforma agrária como agente tanto da revolução burguesa nacional quanto da solução da “questão social”.
Foi na essência ao dizer que as armas do imperialismo no Brasil eram, “a desfaçatez da direita, a burrice das esquerdas e o déficit em contas correntes”. Quem colocou o dedo na ferida de forma tão contundente? Aos radicais de plantão, a entrelinha da obra de Rangel é cortante: o marxismo-leninismo pode servir tanto para compreender a realidade, quanto para fugir dela.
Morreu isolado, mas suas imbatíveis ideias continuam aí, mesmo numa época em que as pessoas estão sob risco de serem punidas por conta da criatividade intelectual e da inteligência aguda. Mesmo num tempo em que tudo se desmancha no ar em prol da "forma" em detrimento do "conteúdo" e de platéias (e gente importante) a aplaudir e homenagear verdadeiros zumbis antinacionais e antipopulares (FHC).
Afinal, para Hegel “a verdade sempre aparece”. E isso é demonstrado tanto no post de Luis Nassif (“Mestre Ignácio Rangel e a importância do mercado financeiro”) quanto pelo texto de 2005 assinado por Bresser Pereira (“A volta por cima de Ignácio Rangel”)