Os rumores do último dia 14 nos mercados de dívida soberana prometiam a compra de títulos italianos pelos endinheirados chineses. Já no dia seguinte, os chineses tiravam a mão da cumbuca e recomendavam aos aflitos europeus “uma gestão eficiente da política monetária e fiscal”. Sempre ambíguos em suas recomendações de política econômica para uso externo, os senhores do Império do Meio não explicaram o significado de “gestão eficiente.”

Chineses fora, a definição dos rumos da economia do Velho Mundo continuará a depender das tergiversações e declarações contraditórias das lideranças europeias a respeito das medidas destinadas a estancar a sangria de desconfiança que afeta os mercados financeiros. Há quem recomende a austeridade generalizada como forma de infundir confiança ao setor privado, porquanto as expectativas de longo prazo estão deprimidas diante dos sinais negativos emitidos pelo estado “calamitoso” das finanças dos governos.

Sendo assim, dizem eles, as projeções do setor privado –empresas e famílias – a respeito da evolução do déficit fiscal e do crescimento da dívida pública acentuam as antecipações pessimistas e não conseguem promover o crescimento da produção e do emprego. Trata-se de uma hipótese heroica sobre os “efeitos dinamizadores da austeridade fiscal” que sustenta a irrelevância dos multiplicadores de renda e emprego gerados pela elevação do gasto público. Armados da suposição de que os privados não se deixam tapear pelas manobras do governo, os partidários da austeridade virtuosa sustentam que os indivíduos racionais e espertos antecipam um aumento de impostos no futuro e, cautelosos, poupam a grana desperdiçada pelos burocratas.

Os advogados da austeridade generalizada acreditam, portanto, que, mesmo em uma situação recessiva ou de crescimento frouxo, a elevação do gasto púbico “expulsa” o gasto- privado, promovendo o que os economistas chamam de -crowding out. Assim, o reequilíbrio das contas públicas, -ainda em uma conjuntura recessiva, infunde confiança e, ao mesmo tempo, libera recursos do setor privado.

Na contramão do pensamento purificador, os keynesianos temem as possibilidades de um duplo mergulho recessivo na Eurolândia, com efeitos desagradáveis na economia global. Ainda que essa trajetória indesejável não se realize, as perspectivas mais otimistas são de baixo crescimento para os próximos anos. Não é difícil imaginar, argumentam, que as políticas de redução do dispêndio e aumento de impostos resultem, ironicamente, na ampliação dos déficits, caso o gasto privado em consumo e investimento não responda à hipótese heroica e improvável dos conservadores a respeito do crowding out.

Por isso, multiplicam-se as manifestações do povaréu contra os programas de austeridade. Submetido aos rigores do ajustamento, depois de um período de euforia promovido pelo crédito fácil, gregos, espanhóis, portugueses e até mesmo os ingleses resistem aos ditames do cinto apertado. A procissão de padecimentos inclui a redução de salários, corte dos benefícios sociais, aumento de impostos, desemprego em alta. Desconfiam os renitentes que, aplicada no organismo de uma economia balbuciante, essa mezinha poderá deprimir ainda mais o consumo e o investimento privados, contrariando a “reversão de expectativas” almejada pelos que advogam os programas de austeridade fiscal generalizada. Numa situação de desemprego elevado e capacidade ociosa idem, essa turma não acredita nas relações virtuosas entre austeridade fiscal e “recuperação da confiança”.

Surpreendidos pelos efeitos adversos de seus clamores na alma popular, os investidores elevam o prêmio exigido para absorver os papéis de dívida, sejam eles soberanos ou privados. Salvos pela vigorosa intervenção das agências do Estado encarregadas da gestão da moeda, do crédito e das finanças públicas, os senhores da banca cuidaram de transmutar a garantia pública em poder privado. Argúem, como sempre, as razões indisputáveis da ciência econômica (e quiçá os princípios universais da moral e dos bons costumes) para exigir um ajuste fiscal sem precedentes na economia da Eurolândia.

Na quinta-feira 15, uma espécie de força-tarefa foi arregimentada para garantir a liquidez em dólares dos bancos privados da Eurolândia e sustar ulteriores desvalorizações do euro. Nessa empreitada envolveram-se o Federal Reserve, o Banco da Inglaterra, o Banco do Japão e o Banco da Suíça, além do Banco Central Europeu. Essa é mais uma tentativa de “empurrar com a barriga” e de contornar decisões inevitáveis: o desconto no estoque das dívidas soberanas e a rigorosa e radical regulamentação bancária. Mas, por ora, a palavra de ordem é aplacar a desconfiança dos gestores privados da riqueza coletiva, atingindo indiscriminadamente virtuosos e pecadores.

____________

Fonte: CartaCapital