Memória de Neblina é um romance sobre meninos e meninas que, sob a ditadura militar, conviveram com sonhos e pesadelos justamente quando estavam se formando para a vida. Hilários, dramáticos, amorosos, radicais, lutam e brincam a um só tempo. Vivem um tempo de trevas. Ainda assim, acendem risos. O lúdico não abandona o revolucionário. Nas frias madrugadas curitibanas, cobrem as imaculadas paredes de um colégio – todas elas – com poemas pichados com bastões de cera. Em seguida, mergulham em estrepulias até o amanhecer. Dias depois, lá estão eles distribuindo panfletos em um bairro operário e discursando sobre bancos de praças. Mais tarde, entre operários e camponeses, semeiam sua revolução. Memória de Neblina é, sobretudo, um elogio ao pensamento humanista e transformador.

Junto com o anterior, As moças de Minas, o romance compõe um largo painel das encruzilhadas da juventude dos anos 60, onde se misturam utopias de transformação do mundo com arroubos lúdicos de uma adolescência ainda carregada de infância.

Luiz Manfredini é veterano jornalista em Curitiba e militante comunista há 45 anos. Trabalhou em O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e revista IstoÉ, entre outros órgãos de imprensa. É colunista do portal Vermelho e membro do Conselho Editorial da revista Princípios, editada em São Paulo.


Trecho

“Lau embarcou primeiro. Quando, na escada do ônibus, voltou-se para me acenar, invadiu-me um lampejo sombrio, o de que talvez nunca mais nos víssemos. Procurei afastar o mau agouro. Meia hora depois embarquei para São Paulo. Anoitecia. A canícula vespertina untava-me o corpo com o óleo espesso do suor misturado ao pó. Pensei no que estaria por vir, a grande cidade, as fábricas, os operários. Mas logo o pensamento foi sugado pelo cenário do qual estava me desligando. A fazenda, os fardos de algodão, o sítio, a farra com os porcos, o ranchinho do Nélio, o céu estrelado vislumbrado pelos vãos da parede, os passeios a cavalo, o Ivaí rugindo nos fundos, as conversas noturnas sob o bruxuleio das lamparinas, os palheiros adocicados, o mundo rural da minha vivência recente ia desfilando pela memória com seus travos de saudade, até que o sono estendeu seu manto de silêncios e esquecimento sobre o cansaço dos meus dezoito anos incompletos”.