Em conversa com o Portal Grabois, João Cândido Portinari explicou a idéia de montar a exposição no Brasil. Segundo ele, os murais Guerra e Paz são a síntese da obra de Portinari. Eles passaram por um detalhado trabalho de restauro, realizado entre fevereiro e maio de 2011, que trouxeram de volta às obras o cromatismo intenso que caracteriza o trabalho. Na exposição estão também outras obras de Portinari — 88 delas emprestadas para a exposição —, além de cartas e fotos que retratam a trajetória de criação do artista. O visitante é apresentado à obra monumental do artista brasileiro com documentários sobre a sua vida e os trabalhos executados para trazer os murais que pertencem à Organização das Nações Unidas (ONU) ao Brasil.

Casal Portinari com seu filho, Joao Cândido

João Cândido Portinari, filho único do pintor, disse que a idéia de montar a exposição surgiu com a notícia de reforma no prédio da ONU, que vai até 2013. Caiu a ficha, disse ele. Seria a grande chance de mostrar ao mundo e ao Brasil uma das obras mais importantes da carreira de Cândido Portinari. Antes de iniciar seu giro pelo mundo, os murais foram expostos no Theatro Municipal do Rio de Janeiro — o mesmo local da sua inauguração há exatos 54 anos. Segundo João Cândido Portinari, em 15 dias 44 mil pessoas visitaram a exposição no Rio de Janeiro. Em São Paulo, já são 150 mil.

Na década de 1980, ele teve a idéia de criar o Projeto Portinari, cujo objetivo é divulgar a obra do pintor. Percorreu mais de vinte países catalogando as obras do pai. A sínteses de tudo, disse, são os murais Guerra e Paz. “Já imaginávamos que meu pai considerava essa a obra mais importante. Mas encontramos nos arquivos do Projeto Portinari uma entrevista que ele deu no ano em que os painéis foram instalados na ONU dizendo que essa era a obra mais importante da sua vida e que a dedicava à humanidade. Não cabe dúvida, portanto, de que a síntese de tudo que ele fez são esses murais. Quando se olha para os detalhes de Guerra e Paz, aparece alguma tela que Portinari pintou em sua vida”, disse.

Retrato de João Cândido com Cavalo, 1941

Segundo ele, o pai seguiu à risca a frase do escritor russo Tostói: se queres ser universal, comece por pintar a sua aldeia. Cândido Portinari nasceu cercado de pés de café, na Alta Mogiana paulista, e começou a pintar o que via. Foi se universalizando, até atingir o ponto máximo com Guerra e Paz, disse João Cândido Portinari. Nem um artista pintou seu país como ele. “Quando se olha para a sua obra, lá estão temas históricos, sociais, religiosos, o trabalho no campo e na cidade, a infância, as festas e os tipos populares, o povo e a alma brasileira”, disse João Cândido Portinari.

O legado de Cândido Portinari é um retrato crítico e ao mesmo tempo emocionado do povo brasileiro, da alma brasileira, afirmou. “O triste é que esse legado está invisível. Mais de 95% da produção dele estão em coleções particulares, em salas de bancos, inacessíveis à vista pública. A missão do Projeto Portinari é levar a mensagem humana e política de Cândido Portinari aos quatro cantos do mundo, de toda forma possível. Estamos trabalhando há 33 anos para isso”, disse.

Dirigentes comunistas

Portinari recebe de Prestes carteira de membro do Partido Comunista do Brasil. Ao fundo, Aydano do Couto Ferraz, Dalcídio Jurandir, Pedro Motta Lima (diretor do jornal “Tribuna Popular”) e Álvaro Moreyra. 1946
Foto: Zélia Gattai

Sobre a militância de Cândido Portinari no Partido Comunista do Brasil, ele lembrou que os comunistas fizeram a frente antifascista, uma iniciativa que atraiu Cândido Portinari. “O Partido era a única opção humanista. Tentaram intrigar Portinari com o Partido, mas ele morreu comunista. Até o último suspiro ele era do Partido”, afirmou. João Cândido Portinari comentou que quando os Estados Unidos negaram o visto para o pai inaugurar Guerra e Paz na ONU, as autoridades ofereceram a possibilidade de conseguir reverter a situação caso ele negasse a condição de comunista — proposta veementemente recusada.

Prestes, por Cândido Portinari

Ele lembrou a amizade do pai com dirigentes comunistas, especialmente Luis Carlos Prestes, o escritor Dalcídio Jurandir e Pedro Pomar. Lembrou também que Cândido Portinari foi reconhecido mundialmente pela sua militância em defesa da paz. “Quando ele fez o painel Tiradentes, ganhou, no ano seguinte, a medalha de ouro da paz das mãos de Frederic Joliot-Curie, presidente do Conselho Mundial da Paz”, afirmou.

Portinari e o filho, no Rio de Janeiro

Segundo João Cândido Portinari, esse compromisso do pai o levou a ignorar a proibição médica de pintar por questão de saúde. “Em meados dos anos 1950 ocorreu a primeira hemorragia. Mas ele jamais poderia deixar de passar essa mensagem de paz em um lugar como a ONU. Pagou um alto preço e acabou falecendo em 1962”, afirmou. Para João Cândido Portinari, a temática da paz, tão cara para o pai, é atualíssima. “Por isso, estamos planejando levar a exposição para Noruega, na entrega do Prêmio Nobel da Paz, e para a China”, disse.  

Reencontro com a história

A visita da delegação do PCdoB a João Cândido Portinari foi uma espécie de reencontro com a militância do pintor. Cândido Portinari se aproximou dos comunistas ainda na década de 1930 e desempenhou papel ativo, ao lado de outros intelectuais, na Aliança Nacional Libertadora (ANL). Quando os comunistas se lançaram na campanha pela democratização do país, no início da década de 1940, Cândido Portinari voltou a integrar os movimentos que procuravam organizar o povo. No “Comício São Paulo a Luis Carlos Prestes”, realizado no estádio do Pacaembu na cidade de São Paulo em 15 junho de 1945, ele estava presente. “Nem sei o que dizer. Achei as palavras de Prestes uma coisa fantástica, fabulosa. Ele aponta o caminho que o povo deve seguir”, afirmou ao jornal Tribuna Popular após o evento.

O mesmo jornal publicou que em Caxias, no Rio Grande do Sul, os comunistas, compreendendo que a mais imediata reivindicação dos moradores do bairro de Feijó era a construção de um templo católico, “resolveram lançar-se à execução do mesmo”.  “Operários de outras convicções políticas juntaram-se aos comunistas nos trabalhos de levantamento da igreja. A notícia transmitida para todo o Brasil, como era natural, alcançou a mais ampla e simpática repercussão, mais uma vez demonstrando, na prática, o espírito unitário dos comunistas brasileiros”, disse a Tribuna Popular.

Ao saber da notícia, Portinari ofereceu sua colaboração, tendo, nesse sentido, telegrafado ao Comitê Municipal do Partido Comunista de Caxias.

O telegrama foi assim redigido:

“Tendo lido na Tribuna Popular a noticia do movimento pró-construção de uma igreja no bairro Feijó na cidade de Caxias, resolvi colaborar na feliz iniciativa prontificando-me a pintar a imagem do padroeiro da referida igreja.

Aguardo resposta para a Rua Cosme Velho nº 103 Rio — Candido Portinari.”

Em 1945, Portinari foi candidato a deputado federal pelo Partido Comunista do Brasil em São Paulo. “Confesso que foi grande a minha emoção ao saber da inclusão do meu nome na chapa do Partido Comunista. Se não se tratasse desse Partido, de maneira nenhuma aceitaria. Você compreende, não tenho jeito para deputado, mas pertenço ao povo, com todos os seus defeitos e qualidades, por isso lutarei pelo Partido do povo (…) Resolvi aceitar a inclusão do meu nome porque considero o Partido Comunista como a única grande muralha contra o fascismo e a reação, que tentam sobrenadar ao dilúvio a que foram arrastados pelos acontecimentos. É preciso haver uma mudança, o homem merece uma existência mais digna. Minha arma é a pintura”, disse ele à revista Diretrizes.

Quando as ameaças de cassação do registro do Partido Comunista do Brasil começaram a ganhar força, em 1946, Pedro Pomar aproximou-se de Adhemar de Barros, ex-interventor do Estado Novo em São Paulo e industrial, com vistas a estabelecer uma aliança eleitoral. Os comunistas sairiam candidatos pelo Partido Social Progressista (PSP), criado por Adhemar de Barros para abrigar sua candidataria a governador. A aliança aproximava o industrial do eleitorado trabalhador e os comunistas se livravam das ameaças que despontavam no horizonte com o recrudescimento do anticomunismo do governo Eurico Dutra. De quebra, garantia a candidatura ao Senado de Cândido Portinari.

Cândido Portinari era natural de Brodowski, em São Paulo, cidade próxima a Ribeirão Preto, e estava em compromissos profissionais na França quando Pomar e Prestes iniciaram um périplo pelo interior paulista. Chegou dia 26 de dezembro de 1946, pegou a caravana andando e fez sucesso por onde passou. O histórico dirigente comunista Diógenes Arruda Câmara conta que ele fazia comícios formidáveis, admiráveis.

“Ele contava muita história da vida dele, história de quando ele era filho de sitiantes lá em Brodowski. E também histórias outras. Ele gostava de contar muitas histórias engraçadas. E no interior de São Paulo se gostava muito daquela maneira caipira que ele falava. Eu me recordo que participando de um comício com Portinari, ele contava uma história interessante. Quando ele estava fazendo os murais do Ministério da Educação, que são os chamados ciclos da história do Brasil, o Capanema, que era ministro da Educação, disse: Portinari, está faltando aqui um quadro. Ele disse: Qual é o quadro? Era botar Caxias como o pacificador do Brasil, o patrono do Exército. Porque senão aqueles murais seriam considerados subversivos. Não é possível — você faça essa concessão.

E o Portinari ficou bravo, não quis mais continuar a fazer os murais etc. Então, por muita solicitação, muitos pedidos de Capanema, Portinari aquiesceu em fazer o retrato de Caxias. Não um quadro. E de vez em quando o Capanema ia acompanhar a feitura dos murais. Um dia Capanema pergunta ao Portinari se ele já havia pintado o retrato de Caxias. Ele disse: Perfeitamente, pode vir olhar. O Capanema começou a olhar o mural sobre o pau-brasil, o mural sobre a era do ouro, depois o mural sobre a mineração, sobre o açúcar, o café, a pecuária também etc. E o Capanema vai olhando, vai olhando… volta e diz: Mas não está — não vejo o retrato de Caxias. Ele diz: É porque você não olhou direito. Volte a olhar os quadros. Aí, dizia o Portinari, o Capanema voltou e disse: Mas eu não vejo o Caxias. Onde é que você botou o Caxias?

Ele o chamou para frente do mural que era a pecuária e disse: Olha aqui nesse mural que você vê o retrato de Caxias. Ele disse: Mas eu não vejo, Portinari! Ele disse: Você não vê? Olhe para esta bosta de boi que ela tem a cara do Caxias (risos). Estava a cara de Caxias ali numa bosta de boi (risos). Então o Capanema disse: Não faça isso, Portinari! (rindo) Nós vamos todos para a cadeia! Ele disse: Bem, se você não quer o Caxias como essa bosta de boi eu apago o negócio e fica o dito pelo não dito (risos). E assim ele contava… e o pessoal ria (rindo), dava gargalhadas, batia palmas no interior de São Paulo. E assim (gargalhadas)… era maravilhoso!” (*)

Pedro Pomar foi eleito com 135.031 votos e Arruda com 62.889. Adhemar de Barros elegeu-se governador e Portinari recebeu 287.897 votos. Segundo Arruda, a eleição para o Senado foi fraudada. “Nós elegemos um senador, que foi o Cândido Portinari, o grande pintor. Ele foi eleito. Basta dizer o seguinte: o Roberto Simonsen, que havia sido apoiado pelo PSD, pelo Getúlio e por todo mundo, estava atrás da votação de Portinari cerca de 50 mil votos. Essa noite ia ser fechada a ata geral das eleições em São Paulo. Na noite seguinte, para surpresa, os quase 50 mil votos de diferença a favor do Portinari haviam passado milagrosamente… ou melhor dito: foram roubados e passados para Roberto Simonsen. Quer dizer: o Roberto Simonsen não foi eleito pelo eleitorado. Foi eleito pelo Tribunal Estadual Eleitoral de São Paulo. O verdadeiro senador eleito foi Cândido Portinari”, diz ele.

Veto dos Estados Unidos

Em 1949, a embaixada dos Estados Unidos anunciou a proibição imposta a Cândido Portinari de participar de um congresso cultural e científico pela “paz mundial” naquele país. O deputado comunista Pedro Pomar denunciou o caso na tribuna da Câmara. Segundo ele, o evento fora organizado por trezentas personalidades americanas, das mais destacadas nos Estados Unidos, e seria realizado na Universidade de Harvard. O congresso teria apoio de grandes artistas e escritores, como Aaron Copland, Max Webber, Howard Fast, Paul Robinson, Thomas Mann, além de reverendos e outras modalidades de intelectuais estadunidenses — todos desejosos de que o povo americano mantivesse relações pacíficas com os demais povos.

Um patrício, homem do povo, artista brilhante, um dos maiores pintores do mundo, merecia mais respeito, disse Pomar. Era inadmissível que o governo dos Estados Unidos, por meio da sua embaixada, afrontasse a consciência patriótica brasileira. “Ora, o nosso patrício Cândido Portinari recebeu dos promotores do congresso convite especial, que muito honra o nosso povo e que distingue sobremodo o insigne brasileiro”, discursou.

Pedro Pomar denunciou que o caso era mais uma pinimba do embaixador — possivelmente a serviço de alguma autoridade brasileira — do que qualquer outra coisa. Segundo ele, foram convidados também artistas e escritores de outras procedências, inclusive soviéticos. “Qual o motivo por que foi negado este visto? A aludida embaixada nem sequer se dignou de responder aos jornais desta capital, inclusive O Globo, vespertino notoriamente a serviço dos americanos”, disse.

As palavras do Correio da Manhã sobre a proibição imposta a Portinari, “o maior artista do nosso povo”, eram provas de que o jornal advogava o ponto de vista americano. Em um editorial do mesmo dia do discurso, o Correio da Manhã disse que o congresso americano pela paz colocava um dilema: “Entre ficar com a União Soviética e o imperialismo americano, preferimos este último.” Portinari deveria estar em uma masmorra, onde “não haja burgueses nem agitadores e gostaríamos de senti-lo acorrentado ao seu atelier“, disse o editorial.

Para Pedro Pomar, a expressão atelier era uma forma de embair a opinião pública e não trair o desejo, o pensamento do articulista do editorial. Desejava ele, realmente, ver Portinari em uma prisão, onde não pudesse produzir arte alguma nem ter contato com o povo, ficando privado de criar obras que condenassem aquele estado de coisas. “Essa é a vontade do Correio da Manhã e dos norte-americanos, que fazem verdadeira ‘cortina de ferro’ para que homens como esse grande artista não possam levar ao povo americano a mensagem de fraternidade de nosso país”, afirmou.

Naqueles dias, o presidente Eurico Gaspar Dutra viajara para os Estados Unidos acompanhado de uma “corte de banqueiros” e do ministro da Guerra, Canrobert Pereira da Costa. Segundo Pedro Pomar, foram negociar tratados, entregar a pátria aos magnatas norte-americanos.

“E para levar o senhor Canrobert Pereira da Costa mandam esses senhores uma fortaleza voadora. Ora, esta distinção entre brasileiros que os norte-americanos estão fazendo é grande lição para o nosso povo. Realmente, entre o senhor Canrobert Pereira da Costa e o maior artista de nossa terra — Cândido Portinari — há enorme diferença: um, vai a serviço da guerra, comprar mais armamentos velhos, recolher, em uma palavra, as diretivas tendentes a mais facilmente atrelar o nosso povo ao carro de guerra dos generais norte-americanos, dos políticos e banqueiros de Walll Street; o outro é um artista brasileiro, que não está a serviço da guerra, mas é um mensageiro das aspirações de paz e de progresso de nossa gente”, disse.

Afiado, Pedro Pomar esmerou-se na crítica à distinção que o governo norte-americano fazia entre Dutra e Canrobert Pereira da Costa, de um lado, e Portinari, de outro. A discriminação, disse, era uma honra para o artista, porque ela se estendia aos maiores sábios do mundo.

“É o medo da cultura, aquele medo a que se referiu em artigo domingo no Diário de Notícias uma colunista reacionária norte-americana, Doroty Thompson, quando foi obrigada a confessar que, atualmente, os capitalistas norte-americanos receiam a cultura, querem fechar as universidades porque, dizem eles, são elas viveiros de comunistas. Assim, são obrigados a confessar que o regime norte-americano caminha para o fascismo, porque este é inimigo figadal da cultura. Esse regime não pode aceitar os homens mais cultos, abrir as portas do país às pessoas amantes da paz, não admite que o povo norte-americano saiba que os povos de todo orbe advogam uma paz justa, duradoura, através da convivência pacífica entre as nações”, discursou.

Em contrapartida aos “porta-vozes ianques em nosso país”, verdadeiros “caixeiros de Wall Street” e “traidores que perderam a dignidade nacional, como acontece com o Correio da Manhã”, surgiu a voz de escritores, de “inteligências patrícias”, como Aníbal Machado, dizendo o seguinte: “Uma decisão chocante, não só para o Brasil, como para a cultura universal. Fechando as suas portas a um artista da estatura de Portinari, dá a América do Norte uma demonstração inequívoca de que a sua democracia está periclitante.”

Pedro Pomar citou também declarações de Edson Carneiro, “notável sociólogo e historiador patrício”: “Não é ridículo que um país poderoso tenha medo de cidadãos pacíficos como Deão de Canterbury, Lombardo Teodano, Oscar Niemeyer, Paul Eluard? O Departamento de Estado está apavorado diante do fantasma que criou. Portinari seria nos Estados Unidos uma voz de paz, mais uma voz contra o Pacto do Atlântico, o Plano Marshall e outras medidas de preparação de nova guerra. A paz está se tornando um ‘tabu’ para os homens de Wall Street. Portinari honraria os Estados Unidos com a sua visita. E a recusa americana honra Portinari.”

Citou ainda palavras de Pedro Nava: “Acho o cúmulo do absurdo o governo norte-americano impedir a entrada de Portinari nos Estados Unidos, quando é sabido ser ele um dos maiores brasileiros vivos.”

E do contista e jornalista Dias da Costa: “Mais uma vez fica demonstrado que a ‘cortina de ferro’ está no hemisfério ocidental dominado pelo imperialismo ianque amedrontado ante as forças vivas que ameaçam extinguir a dominação do dólar.”

O autor de Canção do beco, disse Pedro Pomar, prosseguiu: “Portinari é um dos maiores pintores do mundo e, como já acontecera com Oscar Niemeyer que no momento tem uma exposição de sua grande obra aberta no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, ao lado de Corbusier, vê-se proibido de visitar os Estados Unidos. Iria o nosso pintor abalar a solidez de Wall Street com a sua arte? Que respondam os ‘democratas’ de Mr. Truman.”

Pedro Pomar informou que a Associação Brasileira de Escritores (ABDE), seção do Distrito Federal, designara uma comissão para avistar-se com o embaixador norte-americano, a fim de solicitar a retirada do veto ao passaporte de Portinari. E leu o seguinte trecho de uma entrevista do pintor:

“Acho que a atitude do Departamento de Estado, através da embaixada americana no Rio, não precisa de comentários. De passagem, porém, ocorrem-me alguns contrastes interessantes e bastante significativos. Como você sabe, estive no Uruguai como hóspede do governo. Estive também na França em idênticas condições, e lá me concedeu o governo a Legião de Honra. Agora… Bem, o Departamento de Estado acha que eu sou um homem perigoso.”

Segundo Pedro Pomar, o engraçado em tudo aquilo, conforme disse Portinari “num largo sorriso”, é que eles viviam falando em “cortina de ferro”. “Em seguida, o grande pintor lembra que no tempo de Roosevelt ele foi convidado para decorar a Biblioteca do Congresso, e acrescenta”:

“Vejam agora a que ficou reduzida a boa-vizinhança de Roosevelt. O Sr. Truman, há poucos dias, queixou-se de que se falava demais na palavra “democracia”. Ora, não estou de adulo com o Sr. Truman, principalmente depois da atitude do Departamento de Estado. Ao contrário, penso que em vez de “bom dia” a gente deveria dizer ‘democracia’. Nunca é demais lembrar que existe uma coisa com esse nome, pelo menos em alguns países onde ela está sendo traída a cada instante.” 

Telegrama de Portinari a Raul Fernandes 

Pedro Pomar também disse que Portinari mostrou sua indignação por meio de um telegrama de protesto dirigido ao ministro do Exterior, Raul Fernandes. “Representante do povo, democrata e patriota, protesto contra essa medida vexatória, convencido de que toda a nação e a consciência universal repudiam a política guerreira, de verdadeiro colonialismo, que vêm movendo os Estados Unidos contra o nosso país”, finalizou.

Pomar anunciou também que Portinari era um dos que convocaram um congresso da paz no Brasil — além de Caio Prado Júnior, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Evandro Lins e Silva, Sérgio Buarque de Holanda e Oscar Niemeyer.

Alegria para os comunistas

Adalberto Monteiro e Vital Nolasco, dirigentes do PCdoB, mostram a João Cândido Portinari revista “Princípios” com pintura de Portinari na capa. Foto: Fabi Datovo  

A visita da delegação comunista a João Cândido Portinari na quinta-feira (26) foi simbólica, segundo Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois e secretário nacional de Formação do PCdoB. Para ele, o simbolismo está representado no reconhecimento da importância da militância de Cândido Portinari nas fileiras comunistas e do seu relevante papel na construção da cultura nacional. Segundo Adalberto Monteiro, Portinari pôs o seu talento a serviço da paz e se engajou na defesa do Brasil e dos brasileiros.

Para ele, a forma afetuosa como João Cândido Portinari recebeu a delegação do PCdoB por quase três horas é motivo de imensa alegria para os comunistas. Esse encontro ganha mais simbolismo por ter se realizado no ano em que o Partido Comunista do Brasil completa 90 anos, disse Adalberto Monteiro. Ele lembrou que o documento sobre as comemorações do Partido recentemente aprovado pelo Comitê Central ressalta a contribuição da intelectualidade para a formação na nação brasileira, na qual Portinari teve um papel destacado.

João Cândido Portinari cercado de estudantes. Foto: Fabi Datovo

Durante a visita da delegação do PCdoB, João Cândido Portinari fez questão de receber os demais visitantes à exposição — principalmente crianças que se emocionavam ao saber que estavam falando com o filho do pintor famoso. Para ele, as manifestações dos estudantes são provas de que o povo gosta de cultura. João Cândido Portinari  conversou com as crianças, foi fotografado inúmeras vezes e sempre registrava o prazer de ver a admiração pelas obras do pai. Em um momento, ao apresentar a delegação do PCdoB para os estudantes, disse: “Esses são amigos, são do Partido do meu pai.”

 

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*João Cândido Portinari informa que o personagem mencionado por Arruda não é o Caxias. “Portinari retratou uma pessoa numa bosta de boi, sim. Mas não foi Caxias. Foi Oswald de Andrade”, diz ele. “Oswald de Andrade vinha fazendo críticas maldosas e ferinas a meu pai e este, para fazer uma ‘vingança’ bem humorada, retratou Oswald numa bosta de boi que aparece no afresco ‘Gado’ da Série Ciclos Econômicos (ou Trabalho na Terra Brasileira)”, afirma. “Comprova este fato, entre outros, o depoimento que foi prestado pelo pintorr Enrico Bianco, principal assistente de meu pai, que com ele trabalhava nesta Série naquele momento. Este depoimento faz parte do acervo documental do Projeto Portinari, e está disponível para consulta”, completa.