O renomado artista faleceu às 21h55 (hora de Brasília) devido a uma infecção respiratória, segundo informou o Hospital Samaritano, onde estava internado desde 2 de dezembro por causa de problemas gástricos que se agravaram nos últimos dias.

“Não gostava de falar de sua saúde. Nunca falou de morte, só falava de viver. A equipe médica tinha esperança, mas havia a fragilidade de um senhor de 104 anos”, disse o médico Fernando Gjorup, que nos últimos 15 anos cuidou da saúde de Niemayer e o responsável por fornecer os boletins diários durante a hospitalização do arquiteto.

O arquiteto, criador dos principais edifícios públicos de Brasília, a cidade que ajudou a criar no meio do nada em meados do século passado ao lado do urbanista Lúcio Costa para ser a nova capital do país, manteve-se lúcido quase até o final e só foi sedado na tarde de hoje, quando seu estado se agravou por uma infecção respiratória, segundo Gjroup.

A morte de Niemeyer foi lamentada imediatamente pela presidente Dilma Rousseff, que afirmou em nota oficial que “Brasil perdeu hoje um de seus gênios”.

“Niemeyer foi um revolucionário, o mentor de uma nova arquitetura, bonita, lógica e, como ele mesmo definia, inventiva”, disse Dilma Rousseff em nota divulgada pelo Palácio do Planalto.

O arquiteto será velado nesta quinta-feira no Palácio do Planalto, de acordo com proposta feita por Dilma à família de Niemeyer, segundo informou a presidência.

A classificação de revolucionário faz jus ao arquiteto não só pelos inovadores desenhos de suas obras, nos quais dava vida ao concreto armado com traços sinuosos inspirados nas curvas femininas, mas também por sua militância comunista, que o levou ao exílio político nos anos 70, durante a ditadura militar.

A presidente disse que pela grandeza de seu legado, “sua história não cabe nas pranchetas” de arquitetura e acrescentou que “poucos sonharam tão intensamente e fizeram com que tantas coisas ocorressem como ele”.

O legado de Niemeyer, que está eternizado em várias obras projetadas no Brasil e outros países das Américas, Europa, Ásia e África, foi recordado pela governante, que disse que apesar dele ser um “nacionalista”, Niemeyer se transformou em no “mais cosmopolita dos brasileiros”.

Além dos principais edifícios públicos de Brasília, como os palácios presidenciais do Planalto e da Alvorada, a sede do Senado e a Câmara dos Deputados, Niemeyer deixou seu inigualável traço de curvas em obras como a sede do Partido Comunista Francês, em Paris, a Mesquita de Argel e Universidade de Constantine, na Argélia, e o Centro Cultural de Le Havre, na França.

Niemeyer também desenhou o edifício do grupo Mondadori (Milão), o Parlamento Latino-Americano (São Paulo), a sede da Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento do Mundo da Língua Portuguesa (Lisboa), o Centro Cultural Internacional em Avilés (Espanha), e o sambódromo do Rio de Janeiro.

Por suas obras recebeu várias distinções e prêmios, como o Pritzker de Arquitetura, do Instituto de Arte de Chicago (1988); o Lênin (1963); o Benito Juárez (1964); o Juliot Curie (1965) e o Prêmio Príncipe de Astúrias das Artes (1989).

“Autodeclarado pessimista, era um símbolo da esperança”, acrescentou Dilma sobre o artista, que foi discípulo privilegiado do suíço Le Corbusier e que era considerado o pai do modernismo na arquitetura.

Apesar dos problemas de saúde próprios de uma pessoa de sua idade, Niemeyer se manteve ativo quase até o final de seus dias, e em seu estúdio situado de frente para o mar, no bairro de Copacabana, supervisionava os projetos que chegavam em seu escritório e participava da elaboração dos desenhos das obras encomendadas.

Suas ideias também eram expressadas na revista “Nosso Caminho”, que publicava periodicamente, e nos debates feitos com amigos sobre filosofia que nos últimos anos ocupavam suas tardes de terça-feira.

Trajetória

Oscar Niemeyer (1907-2012) nasceu e cresceu na casa de seus avós maternos, no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro. “Aos domingos”, escreveu Niemeyer, “minha avó abria uma das janelas da sala de visitas – o oratório – e a missa era rezada em casa com a presença dos vizinhos.”

Mas nem essas reminiscências da infância nem o colégio de padres Barnabitas que frequentou conseguiram mantê-lo na religião, acresceu: “Para mim o que conta é a explosão inicial pretendida, as estrelas e planetas se organizando nos espaços infinitos e nós, os bichos da terra, tentando subsistir” – uma lição que o acompanhou por toda vida.

No final dos anos 1920, quando já era casado e pai de uma filha, Oscar Niemeyer entrou para Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, onde se formou como arquiteto em 1934. “Muitas vezes me perguntam por que escolhi essa profissão e a única resposta que encontro é gostar de desenhar”, explicou o arquiteto.

Após terminar os estudos de arquitetura, Niemeyer trabalhou no escritório de Lúcio Costa, o futuro urbanista de Brasília, e participou do grupo de arquitetos que projetou, sob a direção de Le Corbusier, o edifício do Ministério da Educação e Saúde em 1936 no Rio de Janeiro. No Brasil, Le Corbusier pôde realizar seu primeiro grande projeto público, deixando influência decisiva sobre os jovens arquitetos de seu grupo.

Apesar de as participações de Niemeyer no projeto do Ministério no Rio e, posteriormente, no Pavilhão Brasileiro da Exposição Universal de Nova York, em 1939, terem sido decisivas para sua carreira, ele considera Pampulha – um complexo de lazer em torno de um lago artificial no bairro da Pampulha em Belo Horizonte – como o início de sua arquitetura, cujos princípios ele sempre seguiu. O então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, que mais tarde construiria Brasília na condição de presidente, deu carta branca ao arquiteto.

Arquitetura Moderna Brasileira

Em 1940, Niemeyer teve liberdade para projetar em Pampulha uma arquitetura que acreditava ser adequada para o Brasil. Como Leitmotive para uma arquitetura moderna brasileira, ele considerou a ligação da arquitetura com o lugar e a rejeição de uma arquitetura social – da forma que foi praticada, posteriormente, em projetos residenciais, principalmente em países comunistas.

Em Pampulha, Niemeyer não protestou contra a modernidade, mas contra o racionalismo, “desprezando deliberadamente o ângulo reto tão louvado e a arquitetura racionalista feita de régua e esquadro, para penetrar nesse mundo de curvas e retas que o concreto oferece”, escreveu mais tarde o arquiteto brasileiro.

Criador e criatura

Após Pampulha, ele foi convidado a participar da comissão encarregada de projetar, em 1947, a sede das Nações Unidas em Nova York. Em 1945, Niemeyer havia se filiado ao Partido Comunista Brasileiro. Como comunista, ela não podia entrar nos Estados Unidos, como foi o caso em 1946, mas como membro da equipe internacional do concurso para o projeto da ONU, ele recebeu autorização para morar sete meses em Nova York.

Niemeyer apresentou seu projeto e venceu o concurso, apesar da oposição de Le Corbusier, que queria impor seu próprio projeto para as Nações Unidos e pedira a Niemeyer que não apresentasse sua contribuição. Os prédios da ONU formam uma praça, uma constante na arquitetura de Oscar Niemeyer, que preenche diversas funções, sobretudo a da unidade.

Um lugar para Niemeyer

No Brasil, o projeto do modernismo englobou a construção de uma identidade nacional. Niemeyer é parte desse projeto. Sua obra deve ser compreendida nesse contexto, como também a futura construção de uma nova capital.

Isso se concretizou em 1956, quando Juscelino Kubitschek convidou o arquiteto para construir os edifícios de Brasília. Oscar Niemeyer se tornou chefe do departamento de arquitetura da Novacap, companhia responsável por todos os passos da construção de Brasília. Após quatro anos de trabalho ininterrupto, a nova capital brasileira, com suas magníficas construções, foi inaugurada em abril de 1960.

Arquiteto de renome mundial

Passados mais quatro anos, a ditadura militar se instalou no Brasil em 1964. Niemeyer já era uma arquiteto de renome mundial quando se viu obrigado a deixar seu país. Sua crença no marxismo o acompanhou por toda a vida.

No exterior até meados dos anos 1970, ele trabalhou em grandes projetos na Argélia, Israel, Portugal e principalmente na Fran­ça, onde construiu, em Paris, a sede do Partido Comunista Francês.

De volta ao Brasil, ele continuou a trabalhar de manhã à noite, como sempre o fez, até mesmo depois de ter completado 100 anos. Nesse período, foram construídos projetos como o Centro Cultural Internacional Oscar Niemeyer na cidade espanhola de Avilés, onde prédios sinuosos também formam uma praça.

Difícil de esquecer

Devido a suas curvas, Niemeyer foi frequentemente criticado de formalista. No entanto, em sua arquitetura, as curva têm principalmente uma função espacial – elas garantem a interação entre espaço interno e externo – e revelam, ao mesmo tempo, a ordem do cosmo, da natureza e do corpo humano: “De curvas é feito todo o universo – o universo curvo de Einstein”, relatou Niemeyer em seu Poema da Curva.

Devido ao caráter espetacular de suas construções, sua arquitetura foi classificada, muitas vezes, como utópica. Mas ainda em vida Niemeyer pôde ver como seu trabalho influenciou o mundo atual. Zaha Hadid e Rem Koohaas estão entre as estrelas da arquitetura mundial contemporânea que por diversas vezes admitiram tal influência.

Ao fim de sua carreira, além de artigos e livros, Oscar Niemeyer nos deixou mais de 500 projetos. A metade deles foi construída. Enquanto eles existirem e inspirarem a civilização humana, vai ser difícil para o arquiteto brasileiro ser esquecido – apesar de o materialismo do grande mestre ter sempre afirmado: “Quando morremos, desaparecemos”. Para Niemeyer, a vida sempre foi somente “um sopro”.

Com agências