Paul Lafargue, genro de Marx, em suas recordações e memórias, escreveu que para o autor de O Capital a ciência não poderia ser um prazer egoísta: “os que têm a fortuna de se consagrar às atividades científicas devem – em primeiro lugar – colocar seus conhecimentos a serviço da humanidade”. “Trabalhar para o mundo” foi uma de suas expressões favoritas, lembrou Lafargue.


Marx como jornalista
 

Sua atividade como cientista talvez tenha sido ajudada pela militância como jornalista. O jornalismo — na vida de Marx — sempre o acompanhou. Por ocasião da morte de Marx, seu amigo e co-autor em várias obras clássicas do marxismo, Friedrich Engels, pronunciou um breve discurso no dia do funeral no Cemitério de Highgate, um bairro da periferia de Londres, no qual recuperou esta trajetória como jornalista: “Seu trabalho no jornal ainda na Alemanha, Rheinische Zeitung (1842), depois em Paris na revista Vorwarts (1844), e em seguida no Deutsche Zeitung Brusseler (1847), na Neue Rheinische Zeitung (1848-1849), no diário norte-americano New York Tribune (1852-1861), e, além disso, numa série de panfletos militantes, o trabalho em organizações, em Paris, Bruxelas e Londres, e, finalmente, coroando tudo, na formação da Associação Internacional dos Trabalhadores – esta foi realmente uma conquista da qual seu fundador poderia muito bem ter ficado orgulhoso mesmo se ele não tivesse feito mais nada. E, por isso, Marx foi o homem mais odiado e mais caluniado de seu tempo. Governos, tanto absolutistas e republicanos, o deportaram de seus territórios”.


O período mais longo de trabalho como jornalista, no entanto, foi exatamente no New York Tribune, por quase 10 anos. Foi em 1848 – quando Marx e Engels haviam escrito O Manifesto do Partido Comunista – que um dos editores do Tribune chamado Charles A. Dana visitou a cidade de Colônia, na Alemanha. Ele havia sido enviado pela matriz do jornal em Nova York para realizar um périplo pela Europa por oito meses com o objetivo de acompanhar os processos revolucionários em curso no velho continente naquele ano. Foi, então, que Dana encontrou um poeta radical – Ferdinad Freiligrath – que por sua vez o introduziu a Karl Marx, que já se tornara um conhecido propagandista do socialismo europeu. Marx deve ter deixado uma viva impressão no editor norte-americano. Três anos após este encontro, Dana escreveu um convite para que ele se tornasse uma espécie de correspondente do jornal na Europa.


O jornal havia sido fundado em 1841 com uma plataforma editorial progressista e avançada. No início da década de cinqüenta do século XIX ostentava uma das maiores tiragens diárias de jornal do mundo inteiro, com uma média de 200 mil leitores. Um escritor da época classificara a publicação como “anti-escravidão, anti-guerra, anti-rum (a bebida), anti-fumo, anti-sedução, anti-bordéis e anti-casas-de-jogo”. De fato, este esforço de reportagem – para utilizar uma linguagem típica das redações de jornal – realizado por Marx o engajou no dia-a-dia dos acontecimentos internacionais, testando suas teorias contra a realidade e o obrigando a escrever com clareza para um público diversificado e vasto. Ele escreveu copiosamente sobre as relações da Inglaterra com a China, sobre a Guerra do Ópio, sobre a guerra, a revolução e a contra-revolução na Europa, sobre a política e a sociedade britânicas, sobre economia, finanças e questões trabalhistas, sobre as condições de trabalho dos operários, sobre o imperialismo inglês na Ásia, especialmente na Índia, sobre a Guerra Civil nos Estados Unidos e sobre a saga do presidente Lincoln contra a escravidão, entre outros temas relevantes.


Marx como revolucionário

Naquele mesmo discurso por ocasião da morte de Marx, Engels relatava que seu amigo havia descoberto a lei especial do movimento que rege o modo atual de produção capitalista e da sociedade burguesa que este modo de produção criou. “A descoberta da mais-valia de repente jogou luz sobre o problema, na tentativa de resolver o que todas as investigações anteriores, de ambos os economistas burgueses e críticos socialistas, tinham tateado no escuro”. E concluiu: ele “era antes de tudo um revolucionário. Sua verdadeira missão na vida foi contribuir, de uma forma ou de outra, para a derrubada da sociedade capitalista e das instituições estatais que a tinham trazido à existência; contribuir para a libertação do proletariado moderno, o primeiro a se tornar consciente de sua posição e de suas necessidades, consciente das condições de sua emancipação. Lutar era seu elemento. E ele lutou com uma paixão, uma tenacidade e um sucesso como poucos poderiam rivalizar. 

Aprendemos com o estudo da obra fundante do método do materialismo histórico e dialético, a perspectiva revolucionária do proletariado como sujeito histórico e as teorias do valor-trabalho desenvolvidas por Marx – entre outras questões da atual crise do capitalismo e das experiências de luta pelo socialismo no mundo. A leitura direta destas obras é insubstituível (1).

Os problemas que Marx enfrentou eram problemas de seu tempo presente e, para entendê-los, foi preciso estudar a realidade que se colocava concretamente e tudo o que a precedera. Lênin, o líder da grande Revolução Russa de 1917, ao discursar diante do III Congresso da Juventude Comunista da Rússia, em 2 de outubro de 1920, disse referindo-se a Marx: “Se vocês se colocarem a pergunta sobre por que a doutrina de Marx conseguiu se apoderar de milhões, ou dezenas de milhões de corações da classe mais revolucionária, receberiam uma só resposta: isso ocorreu porque Marx se baseou em fundamentos sólidos do pensamento humano acumulado na era do capitalismo; porque, havendo estudado as leis do desenvolvimento social, Karl Marx compreendeu a inevitabilidade do desenvolvimento do capitalismo, que conduz ao comunismo, e, sobretudo, o demonstrou com base no estudo o mais exato possível, o mais detalhado e profundo da própria sociedade capitalista, através da completa assimilação do que havia sido desenvolvido pela ciência de sua época. Tudo o quanto havia sido criado pela sociedade humana foi submetido por Marx à prova da crítica, sem que um só aspecto tenha escapado à sua atenção” (2).

Novamente Engels, em seu prólogo à obra de Marx O 18 Brumário de Luís Bonaparte, diz que Marx havia descrito com tal maestria o curso da história na França, em sua conecção interna com as jornadas de fevereiro de 1848, que de forma tão brilhante descobriu em O Milagre, de 2 de dezembro (o dia em que se deu o golpe de Estado de Bonaparte, em 1851), o resultado necessário desta conexão, e “todas as novas revelações acontecidas naquela época não fizeram mais do que confirmar o quanto foram acertadas as reflexões de Marx sobre o curso daqueles acontecimentos históricos”. Essa capacidade de apreensão tão exata da realidade histórica viva – escreveu Engels – “em uma clarividente penetração sobre a essência dos acontecimentos no momento mesmo em que se desenrolavam, é algo sem precedentes”.

Marx morre em 1883 e os jornais ingleses só registram o fato três dias depois, a partir de um despacho enviado de Paris que dizia: “Morre em Londres um revolucionário alemão, Karl Marx”.

* Jornalista, membro da Assessoria da Presidência do PCdoB e da Comissão Nacional de Controle do Comitê Central do partido.

NOTAS:

1) A Ideologia Alemã (1845), escrito por Marx e Engels; o Manifesto do Partido Comunista (1948), escrito em conjunto também pelos dois teóricos proletários; os livros escritos por Marx: A Questão Judaica (1843); Teses sobre Feuerbach (1845); Miséria da Filosofia (1845); Notas Sobre James Mill (1844); Manuscritos Econômico-Filosóficos(1844); O 18 Brumário de Napoleão Bonaparte(1852); Teorias Sobre a Mais-Valia (3 volumes de 1862); Salário, Preço e Lucro (1865); O Capital(Volume I, de 1867); A Guerra Civil em França(1871); Crítica ao Programa de Gotha(1875);  Notas sobre Wagner (1883); E os livros publicados a partir dos manuscritos deixados por Marx editados por Friedrich Engels: O Capital (volume 2, 1885); O Capital (volume 3, 1894).


2)  Obras Completas de Lênin tomo XXX, (pág. 406)