Com menos profissionais disponíveis e demanda em alta, o custo de manter uma empregada doméstica está subindo muito acima da inflação e pesa cada vez mais no orçamento das famílias, tornando o serviço um artigo de luxo. Para especialistas, a elitização das mensalistas é um processo sem volta. Dados do IBGE mostram que a renda real dos trabalhadores domésticos cresceu 53,2% de 2003 a 2012, quase o dobro das demais categorias. “O valor da hora dos profissionais domésticos já é muito próximo ao de professores de rede pública”, diz Jefferson Mariano, do IBGE, para quem a classe média vai enfrentar cada vez mais dificuldade para contratar esse serviço.

Ontem, o Senado aprovou em 1º turno a proposta que amplia os direitos dos empregados domésticos.

Para quem mora em residências com mais de 20 anos de construção, há grandes chances de a casa ou apartamento incorporar o chamado quarto de empregada, em geral, um pequeno cômodo anexo à área de serviço. Inexistente em boa parte dos lançamentos atuais, esse anacronismo imobiliário, resquício de uma época na qual era comum domésticas dormirem no serviço, ilustra como o perfil da categoria tem mudado ao longo das décadas. Nos últimos anos, entretanto, essa transformação tem se acelerado ainda mais e sinaliza um futuro no qual profissionais do lar estarão restritos às classes muito abastadas – ou às lembranças do tempo das avós.

Na avaliação de especialistas, a elitização das mensalistas é um processo sem volta. E ocorre por que fica cada vez mais caro manter uma empregada. O forte crescimento da renda real da categoria, o baixo desemprego, a migração da força de trabalho para outros setores e o aumento da escolaridade têm tornado, ao mesmo tempo, a mão de obra mais escassa e os salários altos demais para um número crescente de famílias que usualmente contratavam domésticas. “A tendência é de que a quantidade de empregadas continue caindo. A classe média vai enfrentar cada vez mais dificuldades em contratar esse tipo de serviço”, afirma o analista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e doutor em desenvolvimento econômico, Jefferson Mariano.

Dados do IBGE mostram que a renda real dos trabalhadores domésticos, ou seja, descontada a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), cresceu 53,2% em uma década, de 2003 a 2012, quase o dobro das demais categorias – que registraram elevação de 27,2%. Apenas no ano passado, os profissionais que atuam em residências ganharam 6% a mais do que em 2011, enquanto o acréscimo médio acima do INPC dos trabalhadores ficou em 2,4% no mesmo período, segundo informações do instituto.

Na pesquisa DataCasa de fevereiro deste ano, feita pelo Instituto DataFolha, os salários de empregadas domésticas na cidade de São Paulo variaram de R$ 755 a R$ 1.500, com média de R$ 954. Se considerarmos um peso de 10% no orçamento, dados do IBGE indicam que apenas 15% das famílias brasileiras poderiam arcar com uma mensalista. Se o custo for limitado a 5%, o serviço doméstico vira um luxo reservado a 5% das residências no país. “O valor da hora dos profissionais domésticos já e muito próximo ao de professores de rede pública”, afirma Mariano, do IBGE.

O grupo dos patrões tende ainda a ficar mais restrito, conforme indica a inflação dos serviços domésticos. Na composição do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o segmento registrou um aumento de 12,73% em 2012. Mais de duas vezes a alta do próprio indicador, de 5,84% no período.

A maior pressão para o crescimento da renda vem do fato que a categoria tem murchado ao longo dos anos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o número de profissionais caiu de 17% das trabalhadoras, ou seja, 6,9 milhões de domésticas, para 15,7% em 2011, ou 6,2 milhões. E o contingente segue em queda: só em 2012, mais de 40 mil pessoas deixaram de exercer essa função. “O perfil das empregadas domésticas mudou. Antigamente as filhas “herdavam” a empregada da mãe. Hoje a empregada quer pagar a faculdade para os filhos e deseja que tenham mais oportunidades”, afirma o advogado Alexandre de Almeida Gonçalves, especialista em direito empresarial.

O mercado de trabalho aquecido e o aumento da escolaridade têm levado a uma migração dos profissionais para outras áreas. De acordo com o IBGE, entre os domésticos, os trabalhadores com 11 anos ou mais de estudo saltaram de 9,8% em 2003 para 21,7% em 2012. “Nos últimos dez anos, o acesso à escolaridade mudou o mercado. Hoje a filha da doméstica não quer mais ser como a mãe. Ela prefere até ganhar menos sendo caixa de supermercado, porque não enxerga no trabalho do lar uma forma de ter uma carreira”, afirma Renato Meirelles, sócio-diretor do Instituto Data Popular.

Além da perda de força de trabalho para outros setores, a reposição de mão de obra também começa a dar mostras de esgotamento. Um levantamento do IPEA aponta para uma “inexistência de reposição geracional”. A pesquisa mostra que, de 1999 a 2009, o grupo de domésticas na faixa entre 18 e 24 anos recuou de 21,7% para 11,1%, enquanto a participação das profissionais acima de 30 anos subiu de 56,5% para 72,7% no período. As trabalhadoras com 45 anos ou mais respondem hoje por mais de 30% da categoria.

“De cliente a gente está lotado, precisamos mesmo é de mão de obra”, afirma Alexandre Ribeiro Arraes, sócio da agência de empregos Nova Gaúcha, especializada em trabalhadores domésticos. Para o empresário, mesmo com um salário atrativo, faltam profissionais no mercado. “Tenho visto outras agências fecharem porque não conseguem achar profissionais”, diz.

Na avaliação de Arraes, o aumento da renda têm levado os patrões a ficarem mais exigentes em relação às qualificações dos profissionais. “O ramo doméstico tradicionalmente não exigia muita qualificação. Basicamente saber ler e escrever. Por conta desse aumento de salário, muitas pessoas estão exigindo cursos de culinária e até de limpeza”, conta o agenciador.

O custo alto da mensalista incentiva ainda o crescimento de outros arranjos nos serviços domésticos, como a diarista. O número de profissionais que opta por atender várias residências durante a semana e receber por serviço quase duplicou de 1999 para 2009: pulou de 1,2 milhão para 2 milhões, segundo levantamento do IPEA. Mesmo com a melhora de renda no setor, muitas trabalhadoras preferem atuar como diaristas porque conseguem rendimento maior, diz Mario Avelino, presidente da ONG Instituto Doméstica Legal.

A demanda por serviços domésticos vai continuar crescente, dizem os especialistas. Em parte devido aos novos arranjos familiares, como pessoas que moram sozinhas, casais sem filhos e divorciados, mas principalmente pela demanda imobiliária. O Instituto Data Popular aponta que 7,9 milhões de famílias pretendem adquirir casa ou apartamento nos próximos dois anos.

O fortalecimento da necessidade de trabalho doméstico aliado ao custo crescente abre espaço para a oferta de serviços sob demanda, sistema comum em países com baixo contingente de profissionais da categoria, como Estados Unidos e nações europeias. Foi o que motivou a franquia portuguesa House Shine a desembarcar no Brasil em julho do ano passado. “Viemos para cá porque enxergamos uma oportunidade com a demanda em alta e a falta de mão de obra qualificada”, afirma Lilian Esteves, diretora de expansão da empresa especializada em limpeza de residências e escritórios.

Para Lilian, os resultados superam as expectativas. Em nove meses, a franquia soma mais de 90 lojas. A meta é fechar 2013 com 300 unidades. Segundo ela, o custo – que em geral varia de R$ 90 a R$ 135 por serviço para imóveis de 60 m² a 150 m² – e o treinamento são as apostas para avançar nesse segmento.

Publicado no jornal Valor Econômico de 20/03/2013