O FERREIRO E OS MELROS

 

 

Prólogo:


O livro Fifty Tales (com versão em Inglês -FOLK-TALES OF ANGOLA) e em Kimbundo-[BILINGUE], do editor Heli Chatelain foi publicado em 1894(há 120 anos!!!).Tal livro foi mencionado pelo mestre Câmara Cascudo, numa de suas “Actas Diurnas”, no início do século XX. Creio que os contos angolanos tenham correspondentes aqui no Brasil; conforme Cascudo também na Europa e nos EUA. Os contos foram coletados e editados em Inglês por Heli Chatelain, com a colaboração Chancelaria Comercial Americana, Agência de Luanda, Leste da África. Foi publicado em Boston e  Nova Iorque, pela Houghton, Mifflin and Company; em Londres por David Nutt, 270/271 Strand; em Leipzig, na Saxônia,Alemanha, por K. F. Koehler´s Antiquarium, Universitatrasse. Todas essas publicações eram bilíngues, em Inglês e Kimbundo.

O texto abaixo,foi traduzido pelo ACAS a partir do texto em Inglês de Heli Chatelain, que, por sua vez, traduziu do Kimbundo (língua nativa de Angola).

Texto:

Naquele tempo, um ferreiro tinha forjado algumas enxadas.
Então, pensou: “eu vou sair para vendê-las “.
Ele começou a caminhar por uma estrada; chegou numa vila.
Ali, ele encontrou alguns melros e lhes disse:
-Comprem algumas enxadas!
Os melros disseram: “Deixe-as conosco; mais tarde
tu podes vir para buscar a cera, com a qual lhe pagaremos.
Iremos esvaziar as colmeias; tu deves vir dentro de três meses!
O ferreiro concordou; ele deu as enxadas aos melros e saiu.

O MELRO EM SEU HABITAT

O ferreiro foi para a sua casa. Passou o tempo; chega o terceiro mês.
O ferreiro diz: “Este é o mês, em que os melros me prometeram pagar. Vou buscar a minha cera.
E foi, caminhando. Chegou na vila. Encontrou os melros e lhes disse:
-Paguem-me agora a minha cera, conforme prometeram!
Os melros disseram:
-Para quem fizestes as tuas enxadas?
O ferreiro disse:
-Para vocês!
Os Melros disseram: O baobá tem fibras, por isso deve ser descascado; uma pessoa deve ser chamada pelo nome, não deve ser chamada de fulano. Não se deve dizer vocês, diga o nome de quem comprou e que te deve. Todos nós, que estamos aqui somos melros. Nossos rostos são iguais; nossa cor é semelhante.
Se foi você que deu as enxadas, diga o nome daquele que as recebeu. Se o fizer, ele pagará suas enxadas.
O ferreiro sente o peito sufocar. Ele não encontra o quê dizer, nem sabe o quê fazer. Ele pensou um pouco e disse:
-Você me deve, e apontou um melro.
O melro disse não dever nada. O ferreiro foi buscar o Sr. Katete, autoridade da região. Era de manhã; o chefe Sr. Katete ainda dormia.O ferreiro falou com ele, explicou a sua situação.
O Sr. Katete disse?: vou convocar os melros. Vou chamá-los.
“Eu vou chamá-los. O Senhor Katete ainda disse: se eles devem as suas enxadas e se recusam a pagá-las, se verão comigo!
Chegam os melros: tudo ao redor fica escuro. O Sr. Katete diz:
-Eu chamei vocês para pagarem as enxadas do ferreiro. Por quê vocês não pagaram o ferreiro?
Os melros disseram:
-Mestre, vamos lhe dizer a verdade. Temos que usar martelo para descascar o baobá. O ferreiro deve dizer o nome daquele que realmente deve a ele. Que ele diga: fulano, você me deve algo. Nós todos estamos aqui prontos, para que ele diga quem lhe deve pagar as enxadas. Nós, melros, contestamos a cobrança. Mas, tu Sr. Katete, que és o chefe dos chefes das aves, deve decidir!
O Sr. Katete disse:
-O caso é muito difícil de decidir! Tu, ferrreiro, deve dizer o nome daquele a quem pusestes nas mãos as tuas enxadas.
O ferreiro disse:
-Os melros !
O Sr. Katete disse:
-Tu, ferreiro, separa aquele a quem tu pusestes nas mãos as suas enxadas, para que ele te pague.
O ferreiro disse;
-Não posso dizer o nome dele, pois não sei.
O Sr. Katete disse:
-Eu não posso decidir isso (em seguida fica em silêncio).

Nesse instante, uma pomba aparece. Ela pousa em uma árvore próxima e diz:
-Qual é o motivo do debate?
O ferreiro disse:
-Esses pássaros negros; eles me devem as enxadas que vendi a eles, mas se recusam a me pagar. Eu os convoquei, mas eles dizem que não me devem as enxadas.
A pomba pensa, em seguida diz:
-Eu vim aqui especialmente para decidir isso.
Em seguida ela voou para longe dali. De repente, ela volta. Pousa novamente na árvore e diz:
-Tu, ferreiro, agarre esse melro e o amarre! (E o ferreiro o agarrava e o amarrava).
E assim foi fazendo, com cada um dos melros. Quando todos estavam amarrados, cada um deles começou a dizer:
-Desata-me, que eu vou pagar a dívida; sou teu devedor!
E assim, cada um dos melros deu a parte que lhe cabia de cêra, pagando assim a dívida junto ao ferreiro.
Portanto, devido ao caso do ferreiro que deu as enxadas aos melros, desde aquele dia em que veio cobrar e que os melros se recusaram a pagar, quem decidiu o caso foi uma pomba. Portanto, quando ouvirem o arrulho de uma pomba, saibam que não arrulha somente por arrulhar: a pomba apenas está julgando o caso do ferreiro com os melros.
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Uma coisa curiosa: no interior do Brasil, quando uma pomba arrulha no mato, (principalmente a nossa juriti), costuma-se dizer que “ela está preocupada”. Parece-me que tem a ver com essa lenda angolana. Ou não seria???????

 

 

  Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.