Pomar morreu sem ver o fim da ditadura, contra a qual lutou denodadamente
Intervenção de Haroldo Lima para a sessão de homenagem ao centenário de Pedro Pomar:
Nos últimos dois anos sucederam aniversários importantes e simbólicos de eventos e nascimentos de pessoas ligados às lutas pelo progresso social no Brasil, ao pessoal da esquerda, socialistas e comunistas. Assim é que em 2012 se passaram os:
40 anos do início da guerrilha do Araguaia;
50 anos da reorganização do PC do B;
90 anos de três acontecimentos dos mais marcantes do século passado:
a Semana de Arte Moderna de São Paulo, o levante dos “18 do Forte”, no Rio de Janeiro e a fundação do Partido Comunista do Brasil;
os centenários de nascimento de João Amazonas, de Maurício Grabois e de Jorge Amado;
os 120 anos de Graciliano Ramos;
E em 2013:
os 40 anos da incorporação de Ação Popular no PC do B
os 50 anos da fundação de Ação Popular;
o centenário de nascimento de Pedro Pomar;
Para os que se ocupam da luta pelo socialismo, a atenção maior se volta para os centenários de nascimento de João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar porque, sendo essas pessoas membros do Partido Comunista desde a década de 30, e dirigentes desde a década de 40, encabeçaram a reorganização do Partido em 1962.
Os centenários de João Amazonas e Maurício Grabois já foram comemorados condignamente no ano passado. Agora. Tratamos de comemorar o centenário de Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar.
1) Pedro Pomar nasceu às margens do Rio Amazonas, na longínqua e pequena cidade de Óbidos, a 1.100 km de Belém, rio acima. É um lugar chamado de “garganta do rio” ou “fivela do rio”, porque é a parte mais estreita do Amazonas, onde o rio fica “apenas” com 2.000 metros de largura.
Aos 13 anos Pomar foi estudar em Belém, onde começa a se envolver com movimento estudantil. Fazia o 3º ano de medicina, quando fui preso pela primeira vez em 1936; solto em 1937, de novo é preso em 1940, e em 1941 foge da cadeia com João Amazonas indo, os dois, em tumultuada viagem parar no Rio de Janeiro, dois meses depois.
2) Segundo o grande geógrafo e sociólogo Milton Santos, os homens são apresentados, em suas vidas, a três tipos de mundo: o mundo como fábula, como perversidade e como necessidade e possibilidade.
. como fábula é o mundo que lhes é apresentado como se existisse: um mundo róseo, eivado de fantasias, que encobrem as inverdades. No caso do Brasil, e na época do jovem Pomar, era o país supostamente dirigido com seriedade, em função do bem estar de toda a sociedade, pela grandeza nacional, país que tinha amigos grandiosos, como a grande Nação do Norte, os EEUU;
. logo, vem o mundo como perversidade, que é o mundo real, concreto: o do atraso, da miséria de muitos e da riqueza de alguns; da luta de classes; da grande Nação do norte ameaçando nossa soberania e saqueando nossas riquezas;
. finalmente, vem o mundo como necessidade e possibilidade, que é o mundo que precisa ser construído, para espancar a miséria e distribuir a riqueza; para crescer e desenvolver a economia e o bem estar de todos; e para resgatar a soberania do país.
3) Esses anseios e esses sentimentos levaram Pomar, logo cedo, ao Partido Comunista do Brasil. E aí, anseios e sentimentos foram retocados, amadurecidos e desenvolvidos.
4) Quando Pomar morreu, ele havia participado 42 anos do Partido que naquela época tinha 54 anos de existência. Dos 42 anos como membro, 33 foi como dirigente.
5) Formado na escola dos velhos comunistas, de espírito bolchevique, a participação de Pomar na vida política e partidária tinha as marcas do entusiasmo, da seriedade, da coragem, do desprendimento, da altivez, da honestidade. E assim ele percorreu parte da história do Brasil e ajudou a escrevê-la.
6) O livro de Osvaldo Bertolino “Pedro Pomar – ideias e batalhas”, que será lançado ainda hoje, relata com detalhes diferentes aspectos da vida de Pomar, suas lutas, seu hábito de estudar e de escrever, seu amor para com a família que construiu com sua companheira Catharina Patrocínia Torres, que com ele se casou quando tinha dezessete anos, que com ele teve filhos e que com ele viveu até quando foi morto. Aqui sinalizaremos apenas uma ou outra passagem.
7) Antes de tudo registremos, sobretudo para as novas gerações, que já estamos há 37 anos no Brasil em situação de liberdade política, a contar da anistia parcial que conquistamos em 1976. Mas, no passado, as liberdades não duravam tanto tempo assim. O maior período de prevalecimento de liberdades no Brasil foi o que se seguiu à Constituinte de 46, e foi de 18 anos.
8) É por isso que, na longa trajetória de lutas vividas por Pedro Pomar, ele passou, anos a fio, junto ao povo, se batendo pela conquista da liberdade política. Isto se deu nos períodos ditatoriais dos governos de Vargas; no governo repressivo do general Dutra; e desde o primeiro dia em que a ditadura militar de 1964 se implantou no Brasil até o momento em que essa mesma ditadura o assassinou.
9) Por outro lado, nos momentos em que vicejavam a liberdade e a democracia, Pomar e seu Partido ganhavam os espaços públicos com desenvoltura, como aconteceu logo após a anistia de 1945, quando o principal líder comunista Luis Carlos Prestes deixou a prisão. O Partido organizou uma das maiores manifestações políticas já realizadas na cidade de São Paulo, das maiores do Brasil, o grande comício de 15 de julho, no Pacaembu, intitulado “São Paulo a Luis Carlos Prestes”.
O Pacaembu era então o maior estádio da América do Sul. E ficou lotado. Gente ilustre lá compareceu, como o general Miguel Costa, que com Prestes dirigira a Coluna Invicta, também chamada de “Coluna Miguel Costa-Prestes”, ou simplesmente “Coluna Prestes”; o escritor Oswald de Andrade e conhecidos membros do Partido Comunista do Brasil, como o romancista Jorge Amado, o ferroviário Mario Scott, a feminista Luiza Pessanha, os intelectuais Caio Prado Junior, Milton Caires Brito, o cientista Mário Schenberg e outros.
Havia ainda um convidado especialíssimo, o marxista, o grande poeta que receberia depois o prêmio Nobel de Literatura, o recém-eleito senador pelo Chile, Pablo Neruda.
A presença de Neruda trouxe ao evento um prestígio suplementar. O poema que leu no ato, escrito especificamente para aquele momento, intitulado Dito no Pacaembu, impressionou vivamente.
O comício do Pacaembu foi um evento notável, um êxito enorme. Um dos seus principais organizadores foi Pedro Pomar.
10) Beneficiando-se das liberdades recém afirmadas na Constituição de 1946, os comunistas na Câmara Federal receberam grande reforço em 1947: em eleições suplementares, em São Paulo, foram eleitos, pela legenda do PSP, Pedro Pomar e Diógenes Arruda Câmara. A votação de Pomar foi a maior da época, mais de 100 mil votos.
11) Mas as liberdades que prevaleciam sofriam tanto sobressalto que, dois anos depois de promulgada a Constituição de 46, todos os 14 deputados e um senador membros de uma bancada que muito contribuiu para a elaboração da Constituição de 46, que foi a bancada do PC do Brasil, todos tiveram seus mandatos cassados e o registro de seu partido anulado. Pomar e Arruda escaparam dessa truculência, pois, embora comunistas conhecidos, foram eleito por outra legenda.
12) No início da década de 50, liberdades existiam, mas não a ponto de aceitar a legalidade do Partido Comunista. Este mantinha uma rede de aproximadamente 25 jornais pelos diferentes estados, que sistematicamente eram atacados pelos órgãos de segurança, mas que se permaneciam de pé, na base de um esforço denodado. A direção desse trabalho, e especialmente do jornal Imprensa Popular, era feita por Pedro Pomar.
13) Fato de enorme realce acontece entre 14 e 25 de fevereiro de 1956, quando, espalhando estilhaços por todo o mundo, uma verdadeira “bomba” estoura em Moscou, com a divulgação no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética de um relatório, apresentado por Nikita Kruchev, desancando Stálin e enxovalhando a experiência de construção socialista na União Soviética.
Este fato veio se juntar a outros que já estavam em curso no Brasil e, no seu desdobramento, surge uma cisão dentro do Partido: em 11 de agosto de 1961, o jornal Novos Rumos, anuncia o surgimento de nova legenda no Brasil, chamada Partido Comunista Brasileiro.
É quando Pomar junta-se a Amazonas e Grabois para formar o grupo que encabeça o gesto histórico de reorganizar o antigo PC do Brasil, com o mesmo nome anterior e mesmos princípios básicos. O núcleo dirigente até então mais conhecido do Partido era formado por Prestes, Amazonas, Grabois, Pomar e Arruda. Destes, somente Prestes ficou com o PC Brasileiro, embora seguido por vários quadros intermediários e militantes.
14) Os episódios que culminam com a reorganização do Partido em 1962 seguramente são, na vida de Pomar, como na de outros dirigentes, os mais importantes de sua trajetória política. Aí aparece a qualidade ideológica do dirigente, sua visão consequente, a percepção histórica do que estava em jogo, a coragem para a defesa de ideias quando se está em minoria, tudo aquilo que vai fazer de Pomar, como de alguns outros, dos maiores dirigentes comunistas do Brasil.
15) O Partido reorganizado em 1962 era a continuidade do antigo Partido, mas promoveu alterações substanciais na sua maneira de agir. Algumas delas continuam até hoje e se aprofundam, mas em seu nascedouro tiveram a marca dos três reorganizadores de 1962, Amazonas, Grabois e Pomar. Entre estas, por exemplo, a procura de ligar-se cada vez mais aos problemas reais do Brasil, fazendo política no curso dos acontecimentos, acompanhando as mudanças que se sucedem no Brasil e no mundo, econômicas, tecnológicas, culturais, de correlação de forças e, também, e, sobretudo, mudanças nas formas de se construir o socialismo e de se lutar por ele.
16) Pouco depois de reorganizado, o Partido depara-se com nova ditadura no país, a implantada em 1964, a mais duradoura de nossa história. O núcleo dirigente central de Amazonas, Grabois e Pomar, unido e firme, lidera o conjunto partidário a oferecer resistência em todos os terrenos ao governo despótico. No desdobramento dessa diretriz, vem a guerrilha do Araguaia.
17) Por outro lado, o Partido dá atenção às forças de outras origens que podem engrossar suas próprias fileiras. E, pela sua história, pela sua defesa do socialismo e pelo enfrentamento que fazia à ditadura em todos os níveis, o Partido atrai e incorpora Ação Popular, a organização revolucionária de maior extensão e mais bem plantada em setores sociais do Brasil na época.
18) Pedro Pomar participou de todos esses importantes e complexos acontecimentos. AP já se incorporara ao Partido, em 1973, e o Araguaia já estava em sua fase final quando integrei uma Comissão Nacional de Organização partidária dirigida por Mário, que era Pomar. Também já não está conosco Sérgio Miranda, outro membro dessa comissão.
Nas duras condições da clandestinidade, cobrindo “pontos” de rua e fazendo viagens pelo país afora que poderiam nos ceifar a vida, o trabalho da comissão se desenvolvia no clima que o velho Mário lhe transmitia de um vibrante otimismo dramático.
Particularmente na apreciação da guerrilha do Araguaia, Pedro Pomar ressaltou méritos, questionou métodos, aprofundou análises, polarizou debates. Nunca ficou “em cima do muro” e nunca trabalhou contra o Partido.
Morreu, sem puder terminar o debate que fazia.
Morreu sem ver o fim da ditadura, contra a qual lutou denodadamente, e sem ver a conquista da tão sonhada liberdade política para o povo brasileiro.
Mas morreu no posto de comando de maior responsabilidade e honra do Partido, presidindo e orientando uma reunião do Comitê Central de seu partido, o Partido Comunista do Brasil.
Pedro Pomar, presente.