Intelectuais de Brasília defendem nova agenda para esquerda
Brasília – Os 25 intelectuais e acadêmicos convidados por ‘Carta Maior’ para debater, nesta quinta-feira (8), em Brasília, o sentido das recentes manifestações que eclodiram no Brasil, apresentaram impressões tão díspares sobre o fenômeno quanto foi a pauta de reivindicações impressa nos cartazes exibidos pela juventude brasileira. Mas convergiram para a necessidade da formulação urgente de uma nova agenda para a esquerda brasileira, que proteja as conquistas acumuladas nos dez anos de governos populares, ao mesmo tempo em que permita a efetivação dos avanços reivindicados pelas ruas.
“Estamos vivendo o que Milton Santos chama de período popular da história. (…) Estamos, sim, em uma luta de classes, que é a luta da periferia. Apesar do aumento da renda, há uma periferização do espaço urbano como um todo. (…) Há uma mobilidade social que impacta em uma mobilidade urbana: a crise só vai se aprofundar”, alertou o pesquisador da área de mobilidade urbana do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Renato Balbim.
“Vivemos uma crise de representação por ausência da possibilidade de expressão. Temos um sistema concentrado de mídia, que não nos permite voz. E só ter acesso às redes não resolve. O problema não é só se expressar. É ser ouvido e interferir”, afirmou o professor aposentado da cadeira de Políticas Públicas de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) Venício Lima.
“As insatisfações estão presentes nas ruas das formas mais diversas, entre grupos de formação ideológica diferentes. Há agendas progressistas, mas também muitas pautas conservadoras”, enfatizou a professora de Ciência Política na UnB, Flávia Biroli, para quem é imperativo se atentar para as novas formas de articulação e ação política que estão surgindo, não só nas redes, mas também, por exemplo, nas relações dos jovens da periferia com as cidades.
“A periferia que entrou no ônibus vai querer entrar no carro. A pressão [por melhores serviços públicos] é real”, observou Ronaldo Garcia, pesquisador do Ipea, para quem os governos Lula/Dilma seguiram com problemas estruturais que vêm de longe. “A mobilidade urbana é problema antigo. Em algum momento, as frustrações e aspirações crescentes explodiram”, diagnosticou.
“As manifestações são causa e consequência do modelo que a gente adotou, das políticas públicas dos últimos dez anos, do crescimento da classe média. Temos que pensar como intervir neste processo que está claramente em disputa”, propôs Mariana Martins, da Faculdade de Comunicação Social do Iesb.
“O Brasil era exceção ao que estava acontecendo em outros países da América Latina. Agora, teremos a oposição de volta às ruas brasileiras, como ocorre na Venezuela, na Argentina”, opinou Mauro Patrão, do departamento de Matemática da UnB, para quem os avanços dos últimos dez anos resultaram no encolhimento da oposição que, agora, retorna à cena para disputar corações e mentes.
“É difícil construir uma interpretação sobre as manifestações de junho porque há vários fenômenos confluentes. Um ponto de partida é a frustração generalizada com a falta de permeabilidade do sistema político brasileiro quanto às manifestações da maioria da população”, apontou o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Luis Felipe Miguel.
“Eu trabalho com uma hipótese mais conservadora. A Revolta do Bonde data do império. As pessoas reclamam do transporte há muito tempo. (…) As pessoas estão insatisfeitas porque não têm renda. O problema é, sim, de ordem econômica”, resumiu Carlos Batista, de Política da UnB.
“Este é um fenômeno de mudança tecnológica. Não vejo nenhuma mudança estrutural. Não se tem novas insatisfações, mas uma tecnologia que permite potencializar as antigas, as de sempre”, opinou o pesquisador do Ipea Felix Lopez.
A professora de Ciência Política na UnB Flávia Biroli ressaltou a necessidade de se atentar para as novas formas de articulação e ação política que estão surgindo. “É preciso pensar aspectos geracionais da política, como as redes sociais. Mas não é só isso. Precisamos entender, por exemplo, como a juventude da periferia percebe a agenda política”, exemplificou.
Responsabilidades políticas
Além de divergirem sobre a natureza dos protestos, os intelectuais apresentaram posições diversas sobre as responsabilidades políticas. As críticas ao PT se sobressaíram nos discursos de acadêmicos independentes e mesmo militantes históricos que, apesar do mea culpa, não deixaram de ressaltar os ganhos reais dos últimos dez anos e as boas perspectivas futuras dentro do campo da esquerda hegemônica.
Um alto representante do governo do DF, presente no encontro, lembrou que, um dia após o atentado ao Itamaraty, participou de uma plenária do PT em que a mesa era analógica enquanto o plenário era digital: alguém da mesa disse que as manifestações eram orientadas pela direita, mas os próprios jovens que estavam no plenário afirmaram que estiveram presentes.
“As manifestações retratam o envelhecimento da estrutura política dos partidos. E o PT não é exceção. Mas eu ainda acredito que não se constrói democracia sem partidos: o que eles precisam é ter sangue novo”, observou. Para esse participante, o partido precisa avançar com a experiência. “Parte da juventude que foi às ruas é filha das políticas de inclusão dos últimos anos”, concluiu.
Outro integrante do governo do DF, também presente, avaliou que o saldo dos últimos dez anos é positivo. “A agenda em 2002 era por emprego, pelo combate à inflação, contra a fome. Em 2013 temos uma agenda muito superior, por melhores serviços públicos, por reforma política, contra os ataques aos direitos indígenas e contra um Marcos Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos”, observou.
Mas frisou a necessidade da atualização da agenda de esquerda. “Se antes, no cenário político, as coisas convergiam para o centro, o rescaldo hoje é de polarização. (…) As pessoas querem saúde pública ou renda para pagar planos de saúde? Querem transporte público de qualidade ou mais viadutos para seus carros circularem? Querem praça ou shopping center? A agenda de acesso à cidade está em aberto”.
Já um outro participante, que é membro fundador do PT e servidor público do Ministério da Saúde, atribui a maior carga de responsabilidade a partidos de esquerda como PSTU, PSOL e PCO. “Essa juventude glamourizada que tudo pode foi levadas às ruas pela disputa hegemônica dentro da própria esquerda. O PT tem responsabilidade brutal, porque tenta hegemonizar o campo, mas os demais partidos de esquerda também têm”, opinou.
Papel da mídia
Para Mauro Patrão, da UnB, é impossível deixar de considerar a participação da mídia convencional no processo. “Houve ação deliberada e coordenada dos meios de comunicação para dirigir os movimentos à direita. A oposição de fato – que é a mídia brasileira – foi quem acabou organizando essas manifestações”, alertou.
Professora de Políticas Públicas de Comunicação da UnB, Elen Geraldes seguiu a mesma linha. Para ela, um dos objetos de investigação em comunicação deve ser o protagonismo das redes sociais versus o agendamento da mídia convencional. “Um agendamento extremamente conservador, no início, e, na segunda semana, um contra agendamento total, com mais espaço para as manifestações, elogios e até sugestões de pautas”.
Venício Lima, apesar de frisar a total falência da grande mídia nos seus critérios de noticiabilidade, alertou para o perigo da supervalorização das redes sociais. Para ele, se a sociedade acreditar que as pessoas se expressam suficientemente bem só pelas redes, a mídia convencional, que ainda pauta a agenda política, será privilegiada com o enfraquecimento da luta pela democratização das comunicações.