Movimento desconcertante

Emir Sader encerrou as palestras dizendo que esses movimentos permitiram que muita gente que não falava passasse a falar. Alguns que desqualificavam qualquer movimento como vandalismos, de repente começaram a produzir teses. Outros intelectuais de extrema esquerda parecem que estavam dormindo com o gigante. Em dez anos não falaram absolutamente nada. Ficaram desconcertados com o governo Lula. De repente reaparecem nos braços das massas para fazer a desqualificação de tudo o que aconteceu.

Segundo Emir Sader, a realidade ainda vem da análise concreta da situação concreta. Olhando um pouquinho para trás, afirmou, se percebe todas as debilidades que permitiram que ocorresse o movimento inesperado, desconcertante tanto para direita quanto para a esquerda. Para ele, a análise dos acontecimentos deve ser inserida no marco do que aconteceu no Brasil nos últimos dez anos. Tanto no que houve de positivo quando de debilidades. Ele não entrou no terreno dos aspectos positivos porque julgou que se tratava de algo bem conhecido.

Emir Sader disse que alguns dos slogans das manifestações tentavam desqualificar tudo o que aconteceu. A junção de dois slogans, o de que “o gigante acordou” — parece que o Brasil estava dormindo durante dez anos, quando diminuiu a desigualdade como nunca havia diminuído na história, comentou — e o de que se é contra tudo isso que está aí, demonstra isso. Segundo ele, é preciso ver que muitas coisas positivas foram realizadas no marco de retrocessos internacionais brutais, dos quais o Brasil foi uma vítima particular.

Citou a crise da dívida externa, que acabou com o maior ciclo de desenvolvimento econômico da América Latina e do Brasil dos anos 1930 até os anos 1970; ditaduras militares em alguns países mais importantes do continente, que quebraram a capacidade de resistência do movimento popular; e os governos neoliberais radicais, que proliferaram como em nenhuma outra região do mundo. Para Emir Sader, a genialidade do Lula foi, nesse marco regressivo, montar uma arquitetura política que permitiu avanços significativos.

Disputa ideológica

Com essa arquitetura, foi possível dar prioridade ao social, mantendo o equilíbrio fiscal; fazer a integração regional e o intercâmbio sul-sul, combatendo a ideia de Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos; e acabar com a centralidade do mercando em um Estado mínimo; e resgatar o Estado como o indutor do crescimento econômico e garantia dos direitos sociais. Esses são objetivos fundamentais que fazem esse governo ser positivo, apesar das debilidades, analisou. Tudo isso no marco político de uma esquerda diminuída, de uma herança do Estado desfeito, de uma sociedade fragmentada, de uma financeirização da economia.

Nesse marco, contudo, o governo proposto não foi o que entusiasmou a juventude do Fórum Social Mundial, que estava em busca de utopias, constatou Emir Sader. O que esse governo obteve da massa da população não foi um consenso ativo, mas passivo. Lula, o maior líder político da história brasileira, não teve um discurso para a juventude. Não teve um diálogo com a juventude. Foi um governo que não teve política para a juventude, afirmou. Segundo Emir Sader, faltou política para a discriminação das drogas, para o problema do aborto, para a democratização dos meios de comunicação.

Não que a juventude esteja preocupada apenas com isso, afirmou. Mas são temas que tocam a juventude. Emir Sader concluiu o raciocínio dizendo que o caráter das manifestações está para ser determinado. O que está claro é que se trata de uma disputa idológica sobre uma massa da juventude que ainda não está muito bem definida politicamente.