LUÍS MARCOS GOMESPUBLICADO EM 04.02.2015

Essa obra revolucionou a economia política do início do século. O texto continua atual e básico para se compreender a essência econômica do imperialismo

Em meados de 1917, apareceu em Petrogrado, na antiga Rússia czarista, a obra de Lênin intitulada que, desde então, provocou enorme impacto da compreensão dos fundamentos econômicos e políticos do moderno capitalismo. Completados setenta e cinco anos que o livro veio a público, o mundo assiste a enormes transformações: a URSS se fragmentou e desmoronou, assim como os regimes estabelecidos nos países do Leste europeu após a Segunda Guerra Mundial; acabou o confronto e a bipolaridade EUA x URSS, os Estados Unidos surgem como a única superpotência política e militar reinando sobre o mundo; o campo socialista ruiu, restando regimes em países aparentemente isolados como China, Cuba, Coréia do Norte e Vietnã; o capitalismo parece ser o grande vitorioso, a ideologia neoliberal triunfa no mundo inteiro e os ideólogos do capitalismo imperialista prometem uma nova era de paz.

Lênin e seu conceito de imperialismo parecem inteiramente démodés, coisas superadas. Parecem, mas não são. Marx dizia que, se não houvesse diferença entre a aparência e a essência das coisas, a ciência não seria necessária. Isso vale para qualquer ramo da ciência – seja da natureza ou da sociedade. O que parece mais difícil quando se trata de estudar os fenômenos sociais é que, além de ultrapassar a simples aparência dos fenômenos, o investigador precisa ainda superar tudo o que a ideologia burguesa descarrega sobre a sociedade por meio de diversificados e gigantescos meios de comunicação. E isso nem sempre é tarefa fácil.

Lênin escreveu sua obra sobre o imperialismo capitalista no decorrer da Primeira Guerra Mundial, em meio às profundas cisões ocorridas dentro da II Internacional e de uma grave crise vivida pelo movimento operário. Enfrentando, naquele momento, uma enorme onda ideológica da reação imperialista, juntamente com tendências reformistas de conciliação com a reação, ele procura “compreender o problema econômico fundamental, o da essência econômica do imperialismo, sem o qual não será possível compreender a guerra política de nossos dias”.

É impressionante a atualidade das idéias de Lênin sobre o imperialismo. Mesmo alguns autores críticos do marxismo admitem que certas partes de sua obra são de uma atualidade surpreendente, somente sendo necessário atualizar as estatísticas.

“A transformação da concorrência em monopólio é uma questão-chave do imperialismo”.

Lênin mostrou que o fenômeno mais importante apresentado pelo capitalismo, em fins do século XIX e início do século XX, foi o surgimento e a consolidação dos monopólios. Para ele, “esta transformação da concorrência em monopólio é um dos fenômenos mais importantes – se não o mais importante – da economia do capitalismo moderno”. Como ele mesmo argumenta, isso comprova a análise que Marx havia feito do capitalismo, segundo a qual a livre concorrência gerava a concentração da produção que, atingindo um certo grau de desenvolvimento, conduzia ao monopólio. Para Lênin, esta foi a principal base que permitiu a transformação do capitalismo em imperialismo. “Os cartéis estabelecem entre si acordos sobre as condições de vendas, as trocas etc. Repartem os mercados entre si.

Determinam a quantidade dos produtos a fabricar. Fixam os preços. Repartem os lucros entre as diversas empresas etc.”. Isso permite aos monopólios auferirem enormes lucros, superlucros, lucros maiores que o capitalismo da livre concorrência possibilitava. O capitalismo, em sua nova etapa, agrava ainda mais suas contradições básicas. Como diz Lênin: “A produção torna-se social, porém a apropriação continua sendo privada. Os meios sociais de produção continuam sendo propriedade privada de uns poucos. Subsiste o marco geral da livre concorrência formalmente reconhecida e o jugo exercido por um punhado de monopolistas sobre o resto da população torna-se cem vezes mais pesado, mais gravoso, mais insuportável”.

“Há, no capitalismo atual, coisa mais importante do que os monopólios? Do que, em cada ramo da produção, um punhado de grandes empresas impondo seu domínio? Domínio exercido por meio de mil formas, por “acordos de cavalheiros”, pools, cartéis, consórcios, trustes etc. visando a contornar a legislação, disfarçar o controle do mercado e auferir superlucros.

Sendo o monopólio uma característica da essência mesmo do imperialismo, Lênin mostra o caráter irreal e reacionário da crítica pequeno-burguesa do imperialismo, que sonha com um retorno à “livre”, “pacífica” e “honrada” concorrência.

A compreensão do imperialismo capitalista há que ter em conta a função jogada pelos bancos. Lênin mostra como o fenômeno da monopolização atingiu esse setor: do papel inicial de simples intermediários nos pagamentos, os bancos se transformaram em gigantescos monopólios e passaram a exercer o controle sobre o conjunto da atividade econômica. Como diz Lênin: “Se um banco desconta duplicatas a um industrial, se lhe abre uma conta corrente etc, estas operações, enquanto tais, em nada diminuem a independência deste industrial e o banco não abandona o seu modesto papel de intermediário. Porém, se estas operações se multiplicam e ocorrem regularmente, se o banco reúne, em suas mãos, enormes capitais, se a escrituração das contas correntes de uma empresa permite ao banco – e tal é o que sucede – conhecer, com cada vez maior amplitude e precisão, a situação econômica do cliente, daí resulta uma dependência, cada vez mais completa, do capitalista industrial em relação ao banco”.

E arremata: “Concentração da produção tendo como consequência os monopólios; fusão ou interpenetração dos bancos com a indústria, eis a história da formação do capital financeiro e o conteúdo desta noção”. E dentro da burguesia capitalista, na etapa imperialista, a hegemonia é exercida pela oligarquia financeira – expressão concentrada no capital financeiro, que domina a ação dos monopólios. Há coisa mais atual no capitalismo do que o papel estratégico jogado pelos bancos e o domínio que a oligarquia financeira exerce sobre o conjunto da sociedade? Lênin aponta a ação das oligarquias financeiras no âmbito nacional e internacional: “A supremacia do capital financeiro sobre todas as outras formas do capital significa a hegemonia dos que vivem de rendimentos e do oligarca financeiro; significa uma situação privilegiada de um pequeno número de Estados financeiramente “poderosos” em relação a todos os outros”.

“Apenas quatro países detinham 80% do capital financeiro mundial já no início do século”.

Citando dados concretos relativos a todo tipo de “emissão de títulos”, Lênin mostra que, por volta de 1910, apenas quatro países – Inglaterra, Estados Unidos, França e Alemanha – respondiam por 80% do capital financeiro mundial. E concluía: “Quase todo o resto do mundo é, de uma forma ou de outra, devedor e contribuinte destes países, que são os quatro pilares do capital financeiro mundial, verdadeiros banqueiros internacionais”. Passado quase um século, a situação pouco se modificou: se trocarmos ligeiramente a ordem dos países citados e incluirmos na lista o Japão, poderíamos repetir que “quase todo o resto do mundo é, de uma forma ou de outra, devedor e contribuinte desses países…”.

O predomínio e a hegemonia do capital financeiro, na época do imperialismo, manifesta-se através de outro fenômeno crucial: a exportação de capitais. Lênin mostrou como formou-se em alguns poucos países capitalistas muito ricos um enorme “excedente de capitais”, não porque esses países tivessem atingido um desenvolvimento total e harmônico ou que tivessem possibilitado uma enorme elevação do nível de vida de seus povos. Este “excedente” é entendido segundo as leis da acumulação capitalista, ou seja, “enquanto o capitalismo continuar o que é, o excedente de capital será utilizado não para elevar o nível de vida das massas de um país determinado, já que isso significaria diminuir os lucros dos capitalistas, mas para aumentar estes lucros, mediante a exportação de capitais para o estrangeiro, para os países atrasados”. E agrega: “Nestes países, o lucro é geralmente elevado, pois os capitais são escassos, o preço da terra é relativamente baixo, os salários também são baixos e as matérias-primas baratas. O que tornou possível a exportação de capitais foi o fato de uma série de países atrasados terem sido incorporados ao mercado capitalista mundial; nestes países construíram-se ou estão construindo-se grandes ferrovias e se criaram as condições mínimas para um desenvolvimento industrial etc.

A necessidade de exportação de capitais resulta de “maturidade excessiva” do capitalismo em alguns poucos países, onde o capital (em virtude do atraso da agricultura e da miséria das massas) não encontra terreno para inversões “lucrativas”.

Estudando os mais diversos tipos de “exportação de capitais”, Lênin diz mais em seu pequeno livro, publicado em 1917, a respeito de como a oligarquia financeira explora os países atrasados do que uma enxurrada de autores mais tarde em muitos tratados. Ele se refere inclusive a uma modalidade de empréstimo muito usada ao longo do século, o chamado “crédito do fornecedor” (em inglês supplier‘s credit), mediante o qual o empréstimo é oferecido a um país para que este compre produtos do país credor. Assim, o capital financeiro faz várias operações simultâneas: cobra juros pelo empréstimo e lucra na venda de produtos e equipamentos. Por isso, Lênin, ao destacar a importância da exportação de capitais, não desconhece, absolutamente, o problema da exportação de mercadorias pelos países imperialistas. Ele diz: “Deste modo, a exportação de capitais torna-se um meio de fomentar a exportação de mercadorias”.

Analisando a ação do capital financeiro até suas últimas consequências, Lênin mostra como ele conduziu à partilha efetiva e real do mundo. Primeiro, os grupos monopolistas – cartéis, sindicatos, trustes – partilharam entre si o mercado interno. Porém, no capitalismo, o mercado interno liga-se naturalmente ao mercado externo, surgindo o mercado mundial. “E, à medida que aumentava a exportação de capitais e se ampliavam, por todas as formas, as relações com o estrangeiro e com as colônias, assim como as ‘zonas de influência’ dos maiores grupos monopolistas, as coisas encaminhavam-se, ‘naturalmente’, para um acordo universal entre estes grupos e para a formação de cartéis internacionais”.

“A disputa por nova partilha de territórios é a raiz das guerras no mundo”.

Lênin analisou como, no início do século, os principais mercados mundiais estavam rigorosamente repartidos entre um pequeno número de monopólios, a exemplo da indústria elétrica, dividida entre a AEG (alemã) e a GE (norte-americana), chamando a atenção, porém, de que não se tratava de uma situação imutável. Uma “nova” partilha poderia ocorrer desde que se modificasse a correlação de forças entre os grupos monopolistas, provocada pelo desenvolvimento desigual inerente ao capitalismo, por guerras ou falências. Para ele, o problema da partilha do mundo – e o caminho que esta partilha segue, hoje pacífico, amanhã não pacífico – é uma questão inerente ao capitalismo imperialista. “Se os capitalistas partilham o mundo, tal sucede não em virtude de sua particular maldade, mas porque o grau de concentração já atingido os obriga a comprometerem-se nesta via a fim de obterem lucros; e partilham-no ‘proporcionalmente aos capitais’, ‘segundo as forças de cada um’, porque, em regime de produção mercantil e de capitalismo, não poderia existir qualquer outro modo de partilha”. No princípio do século XX, o mundo estava, pela primeira vez, inteiramente dividido entre as potências imperialistas. Lênin salientou o fato fundamental de que não havia mais “territórios sem dono” e que uma nova partilha do mundo somente seria possível por uma redistribuição do que já estava dividido. Esta disputa permanente pela partilha do mundo entre os diversos setores do capital financeiro é que está na raiz dos conflitos mundiais e regionais. E não se deve desprezar o alcance do poderio do capital financeiro. Para Lênin, “o capital financeiro é um fator, poderíamos dizer, tão poderoso, tão decisivo em todas as relações econômicas e internacionais, que é capaz de subordinar, e subordina efetivamente, até mesmo Estados que gozam de uma completa independência política”. E ainda: “Quanto mais o capitalismo se desenvolve, mais se faz sentir a falta de matérias-primas, mais duras se tornam a concorrência e a procura de fontes de matérias-primas no mundo inteiro e mais brutal é a luta pela posse das colonias.

Procurando resumir os aspectos econômicos que caracterizam o imperialismo capitalista, Lênin salienta cinco caracteres fundamentais:

1- Concentração da produção muito elevada e surgimento dos monopólios;
2- fusão do capital bancário e do capital industrial e surgimento, com base neste capital financeiro, de uma oligarquia financeira;
3- a exportação de capitais assume importância especial;
4- formação de associações monopolistas internacionais que partilham o mundo entre si;
5- as maiores potências capitalistas dividem todo o mundo entre si.

É o próprio Lênin quem diz: “O imperialismo é o capitalismo chegado a uma fase de desenvolvimento onde se afirma a dominação dos monopólios e do capital financeiro, onde a exportação de capitais adquiriu uma importância de primeiro plano, onde começou a partilha do mundo entre os trustes internacionais e onde se terminou a partilha de todo o planeta entre as maiores potências capitalistas”. Porém, a essência mesma do imperialismo são os monopólios. Segundo Lênin, “se tivéssemos de definir o imperialismo da forma mais breve possível, diríamos que ele é a fase monopolista do capitalismo”.

“O imperialismo chega ao século XXI com as mesmas marcas assinaladas por Lênin”.

O mundo passou por grandes transformações no século XX, mas chegamos ao final do século com o imperialismo capitalista apresentando todas as características essenciais analisadas por Lênin. Do ponto de vista do próprio campo socialista, não há dúvida de que um dos aspectos que ajudou a destruí-lo foi as ilusões disseminadas pelo revisionismo sobre a questão do imperialismo.

Sucessivamente, Kruschev, Brejnev e Gorbachev procuraram “modificar” a teoria leninista e o resultado está aí. Em 1960, na abertura do 3º Congresso do Partido do Trabalho da Romênia, Kruschev disse: “As posições de Lênin sobre o imperialismo foram elaboradas e desenvolvidas por ele há dezenas de anos, em uma época em que muitos dos fenômenos que hoje jogam um papel decisivo no desenvolvimento do processo histórico do conjunto da situação internacional não existiam”.
Uma das maiores ilusões que o revisionismo pretendeu criar foi a de que a existência do campo socialista havia modificado o caráter do imperialismo e que uma nova era de paz e de cooperação pacífica entre os dois sistemas – capitalista e socialista – seria possível.

O interessante é que exatamente um dos motivos que levaram Lênin a estudar em profundidade a nova etapa do capitalismo foi o surgimento de tendências oportunistas no movimento operário internacional, particularmente as representadas por Kautsky, a quem Lênin acusou de abandonar as posições marxistas e de sucumbir ao pacifismo e ao democratismo burguês. Para Lênin, Kautsky aderira à propaganda burguesa ao partilhar a opinião de que os cartéis internacionais, uma das mais acentuadas expressões da internacionalização do capital, permitiram ter a esperança de paz entre os povos no regime capitalista. “Os conceitos absolutamente vazios de Kautsky, diz Lênin, nomeadamente a respeito do ultra-imperialismo, favorecem esta idéia, profundamente errada, que leva ‘água ao moinho’ dos apologistas do imperialismo, segundo o qual a supremacia do capital financeiro atenuaria as desigualdades e as contradições da economia mundial quando, na verdade, as reforça”.

Em sua polêmica com Kautsky, Lênin insiste na tese de que o imperialismo acirra as contradições entre as próprias potências capitalistas em virtude mesmo de sua lei de desenvolvimento desigual. A nação hegemônica de hoje não será a mesma de amanhã, quando uma nova potência econômica buscará compensações políticas para sustentar seu poderio. É ele que observa: “O capital financeiro e os trustes não enfraquecem, antes reforçam as disparidades entre o ritmo de desenvolvimento dos diversos componentes da economia mundial. Ora, modificando as relações de força, onde encontrar, em regime capitalista, a solução das contradições se não na força?” Mais adiante, Lênin reafirma que, no terreno do capitalismo, não há outro meio “senão a guerra”, para remediar a desproporção entre, por um lado, o desenvolvimento das forças produtivas e a acumulação de capitais e, por outro, a partilha das colônias e das “zonas de influência” do capital financeiro.

Em um prefácio a seu livro escrito em 1920, Lênin volta à questão dizendo: “a guerra de 1914-18 foi, de ambos os lados, uma guerra imperialista (isto é, uma guerra de conquista, de pilhagem, de rapina), uma guerra pela partilha do mundo, pela distribuição e redistribuição das colônias, das ‘zonas de influência’ do capital financeiro etc. “Referindo-se ao balanço que fez do moderno capitalismo monopolista, Lênin insiste: “com tal base econômica, as guerras imperialistas são absolutamente inevitáveis durante e enquanto existir a propriedade privada dos meios de produção”.

“Parasitas que pilham todo o resto do Globo com o corte de cupons de títulos”.

Finalmente, há ainda que se destacar um aspecto não menos importante do imperialismo, ou seja, o que Lênin denominou de “parasitismo”. Sendo o monopólio a principal base econômica do imperialismo, o monopólio “gera inevitavelmente uma tendência para a estagnação e a decomposição”. Além disso, o predomínio do aspecto puramente financeiro, “rentista”, do imperialismo, reforça esta tendência.

Como diz Lênin, “o mundo encontra-se dividido entre um punhado de Estados-usurários e uma imensa maioria de Estados-devedores”. O Estado-rentista “é um Estado de capitalismo parasitário, decomposto”. Lênin chama a atenção para o fato de estes Estados-rentistas, parasitas – que vivem de operações financeiras através das quais conseguem obter superlucros, “que pilham o mundo inteiro com um simples ‘corte de cupons de títulos’ – conseguirem corromper muitos líderes operários e a camada superior da aristocracia operária, o que explica como o imperialismo impulsiona todo tipo de oportunismo em certas camadas operárias privilegiadas.

Ele observa, porém, que “seria um erro pensar que essa tendência para a decomposição impede o rápido crescimento do capitalismo”.

E acrescenta: “O capitalismo, no seu conjunto, desenvolve-se muito mais rapidamente do que dantes, mas tal desenvolvimento surge geralmente de forma desigual, manifestando-se esta desigualdade de desenvolvimento principalmente através da decadência dos países ricos em geral ( Inglaterra)”.
Hoje, em vez de Inglaterra, diríamos Estados Unidos.

Os Estados-usurários, a que se refere Lênin, são os atuais integrantes do “Grupo dos Sete”, com os Estados Unidos à frente, e mais Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Canadá, ou o que também se denomina de “Clube de Paris”, que não é mais do que o “clube dos credores”. Por outro lado, os Estados-devedores são constituídos pelo resto do mundo, que hoje têm uma dívida para com os países imperialistas de 1 trilhão de dólares.

Lugar de destaque neste último campo é ocupado pelos países da América Latina, tradicional “zona de influência” do imperialismo norte-americano, e que hoje acumula uma dívida externa de cerca de US$ 400 bilhões. De 1950 para cá, precisamente até 1986, a dívida externa da região cresceu 16.487%, ou cerca de 31% ao ano. Para se ter uma idéia de sua dimensão, hoje ela representa cerca de 50% da riqueza bruta dos países da região. Para defender seus interesses nesta zona, os EUA vêm mostrando, nos últimos anos, toda a sua agressividade: mantêm o odioso bloqueio contra Cuba, praticando contra a nação do Caribe todo tipo de provocações, com a ação agora facilitada pelo desmoronamento da URSS; em 1983, os EUA invadiram Granada; em 1989, o Panamá; além de apoiarem e estimularem, desde o início da década de 1980, os chamados “contras” na Nicarágua. Mais recentemente, a fim de cobrar da América Latina os custos de sua própria crise econômica, os EUA vêm pressionando (seja diretamente, seja por meio de grandes monopólios financeiros – como o Citibank, o Chase, o BankAmerica – seja através do FMI) os países da região no sentido de adotarem “ajustes estruturais”, que significam mudanças cujo objetivo é assegurar a transferência de um máximo de excedentes para si e para os demais países imperialistas. Estas mudanças incluem a liberação completa de todos os mercados nacionais, a privatização e entrega das grandes empresas estatais ao capital internacional e o desmantelamento dos Estados Nacionais, naquilo que eles representam de tentativa de desenvolvimento autônomo.

O principais países da América Latina já firmaram acordos com o Fundo Monetário Internacional no rumo dos referidos “ajustes”, sendo o mais recente o do Brasil. “O extremo agravamento da opressão imperialista é um dos aspectos da situação mundial hoje”.

O curioso é que até mesmo setores que costumeiramente aplaudem a receita do FMI, estão chamando a atenção para o fato de o acordo não garantir a retomada do crescimento sustentado, sem inflação, mas visar, basicamente, a “garantir a segurança dos pagamentos internacionais” (revista Conjuntura Econômica, 31-01-1992), ou seja, da dívida externa. O extremo agravamento da opressão imperialista, sobretudo a norte-americana, no presente momento, é um dos aspectos da situação mundial. A recente Guerra do Golfo Pérsico, comandada pelos EUA, é uma demonstração de até onde o imperialismo pode chegar para garantir o controle das fontes estratégicas de matérias-primas, como o petróleo, e arrasar com qualquer pretensão de autonomia por parte das potências regionais.

Outro aspecto relevante é a perspectiva de agravamento das contradições inter-imperialistas, com base na “decadência” dos Estados Unidos e na emergência econômica de Japão, Alemanha e Europa Ocidental. O quadro 3 procura mostrar a base sobre a qual se acirram as contradições entre as potências imperialistas: do patrimônio total dos 50 maiores bancos mundiais – verdadeiros supermonopólios controlados pela oligarquia financeira internacional – os grupos japoneses detêm total hegemonia, respondendo por mais de 50%; os grupos alemães respondem por cerca de 12%, sendo que há apenas um banco norte-americano, representando cerca de 1,6% do total. Estes cinquenta grupos controlam uma riqueza fantástica, algo em torno de 10 trilhões de dólares, ou cerca de 27 vezes o PIB brasileiro. Pode-se dizer que isso é um indicador de que a correlação de forças entre as potências imperialistas vem se modificando, e a história mostra que o caminho que estas grandes potências normalmente adotam para acertar as contas entre si costuma ser a guerra.

Não pretendemos tirar nenhuma conclusão apressada da presente situação mundial e nem isso é objetivo deste artigo. Seria bom, no entanto, lembrar que Lênin soube extrair todas as lições do desenvolvimento imperialista às vésperas da Primeira Guerra Mundial: percebeu a natureza do conflito imperialista e que também se criavam as condições para grandes transformações revolucionárias, de onde saiu a Revolução Socialista de Outubro.

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* Título da obra de Lênin, escrita em 1916 e publicada pela primeira vez na Rússia, em 1917.
** Economista, colaborador da Revista Princípios.

BIBLIOGRAFIA
LÊNIN, V. I. Imperialismo fase superior do capitalismo, São Paulo, Global, 6ª ed., 1991. E em espanhol Editorial Anteo, 2ª ed., Buenos Aires, 1972
HINKELAMMERT, Franz. J. A Dívida Externa da América Latina, Petrópolis, Vozes.
Le imperialisme Aujourd hui (traduzido do chinês) Paris, Les Editions du Centenaire. 1976.
FERNANDES, Luís, URSS – Ascensão e Queda, São Paulo, Anita Garibaldi, 1991.
O Socialismo Vive – documento e resoluções do 8º Congresso do Partido Comunista do Brasil, São Paulo, Anita Garibaldi, 1992.
SANDRONI, Paulo (org.) Dicionário de Economia, São Paulo, Best Seller, 1989.

Nota: Para a maior parte das citações feitas neste artigo utilizou-se a obra de Lênin citada acima, da Global, a mais fácil de se obter no Brasil. Infelizmente, a edição e a tradução estão muito descuidadas e com vários erros. Por isso, o texto foi confrontado com o da edição em espanhol da Editorial Anteo.