WALTER SORRENTINOPUBLICADO EM 01.04.2015

Um Partido comunista contemporâneo –(…) Na primeira parte [deste trabalho], abordamos a teoria leninista de partido do proletariado, em sua universalidade e historicidade. Na segunda, as polêmicas atuais sobre a questão do partido revolucionário. Agora, vamos examinar a outra determinação fundamental para pensar tal partido – o de servir a uma estratégia dada.

Das duas partes anteriores, podemos sintetizar uma reflexão central: o PCdoB é tributário de um caminho articulado em torno da chave de permanência e renovação na concepção de Partido.

Permanência de um partido revolucionário do proletariado, de compromisso militante, unidade política e ideológica em suas fileiras, que persevere em sua identidade e seus princípios, não retroceda dos fundamentos assentados pela ciência política e a luta de classes do proletariado.

Renovação no sentido de atualizar concepções e práticas de Partido, tornando-as funcionais ao projeto político do partido, nas condições de nosso país, de nosso povo e de nosso pensamento estratégico renovado. Daí decorre a recusa de um modelo fixo e imutável de organização partidária. O modelo único de partido, oriundo da 3ª. Internacional, reflete de modo imperfeito os conteúdos e formas das relações sociais e da luta de classes, e mesmo das exigências da vida interna do Partido.

No nosso caso, renovação tem a ver também com algum retardamento no enfrentamento desse desafio. Estamos completando 21 anos de legalidade, tendo o 8º Congresso – o da crise do socialismo – de permeio. Nosso esforço foi acentuadamente gradualista. Na última década, em especial, avançamos mais rapidamente. O Estatuto aprovado no 11º Congresso representa a síntese mais elevada a que chegamos. Na verdade, iniciou-se a partir daí uma nova luta para implementar essa nova cultura político-organizacional.

Mas a chave permanência-renovação precisa ser referida ao substrato que a envolve. Nesta terceira parte devemos ressaltar que a determinação mais importante que concorre para a atualização de concepções e práticas é dada pelo pensamento estratégico ao qual deve responder o Partido. Concepção e prática de partido, para os comunistas, derivam de seu projeto estratégico nas condições próprias de nossa formação econômico-social. Em outras palavras, é necessária uma visão desenvolvida quanto ao programa, à estratégia e caminhos para o socialismo para pensar o Partido e seu papel: Partido Comunista serve à consecução de uma estratégia revolucionária dada. Foi nesse sentido que o tema partido foi enfocado no 11º Congresso.

Num esforço de síntese, surge aqui uma segunda chave essencial à reflexão – a questão da hegemonia e de originalidade.

Hegemonia compreendida como o centro do objetivo estratégico. Construída pelo partido no processo da luta política, buscando conquistar a supremacia pela força das idéias – o consenso – e a força do poder de Estado – a coerção. Capaz de pôr o proletariado à direção de um bloco avançado de forças sociais e políticas transformadoras. Compreendendo o caráter prolongado e multifacético da luta por abrir caminho ao socialismo, antes, durante a após alcançar o poder político. Luta que tem caráter político, mas também cultural, envolvendo valores avançados em todas as esferas da vida social. E compreendendo que nesse percurso se necessita de um Partido influente em todos os aspectos da vida política e social, e organizativamente forte, extenso em militância e com larga estrutura de quadros forjados nessa perspectiva, capazes de articular todo e qualquer tipo de ação com um projeto global transformador da sociedade.

Originalidade como exigência de o Partido assumir características próprias para o tempo presente, apreendendo o leninismo em sua essência e não em sua forma modelada por determinado período e experiência histórica, a saber, a do bolchevismo e sua codificação pela 3ª. Internacional. Exigência de desenvolver a teoria e prática de Partido para forjar seu papel, feições e formas organizativas em funcionalidade com o projeto político em nosso país, com as tradições, cultura e psicologia de nosso povo. Porque o espaço privilegiado do pensar estratégico ainda é o espaço nacional e nosso país tem tradições bem demarcadas. Por um lado, pouca tradição de partidos políticos nacionais – o único que persistiu por mais de oito décadas é precisamente o Partido Comunista. Por outro lado, os grandes momentos transformadores no país só foram alcançados com a união de amplas forças políticas e sociais – por vezes até antípodas na origem -, numa forte tradição movimentista (como de resto na América Latina). Esse foi o caso, no Brasil, da luta pela expulsão dos holandeses, nos movimentos pela independência, abolição e república, na chamada revolução de 1930 e mesmo mais recentemente, na luta das diretas já contra a ditadura e no impeachment de Collor. Além de implicar componentes de pensamento tático e estratégico, parece claro que isso influencia em menor ou maior medida também a forma-partido em nosso país.

Nas próximas colunas vamos fazer uma generalização histórica das fases e características do movimento revolucionário socialista desde Marx em correlação com as características organizativas assumidas pelos partidos políticos do proletariado, como forma de estimular a reflexão atual. Sabidamente, vivemos um tempo muito distinto daquele dos alvores do século XX, quando teve lugar a grande onda revolucionária socialista, a partir da URSS e de Lênin. O tempo não para, não vivemos mais aqueles tempos. Se isso for abstraído, cai-se no receituário de modelo de revolução e, por extensão, no doutrinarismo em matéria de Partido, à espera fatalista da crise final do sistema capitalista, ou do momento messiânico de assalto aos céus nas crises revolucionárias. Vivemos, ao contrário, um período de reelaboração programática e estratégica do movimento revolucionário frente a características da luta de classes muito mais complexas. Essa reelaboração é a mais decisiva determinação para a concepção e prática de partido.

Publicado em 13/3/2007