Partido para dar consequência ao pensamento estratégico – 3
WALTER SORRENTINOPUBLICADO EM 17.04.2015
As premissas de uma reelaboração estratégica surgem da realidade atual. Porque a situação, objetivamente, gera seu oposto, sob formas variadas de contratendências de caráter anti-imperialista e conflitos inter-imperialistas.
O painel oferecido foi bastante amplo e genérico. Mas é possível e necessário extrair algumas reflexões sobre o tema Partido na atualidade, partindo das premissas do pensamento estratégico.
Como afirma Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, em perspectiva a reação ao estado de coisas do mundo hoje vai dar ensejo a uma nova onda de luta pelo ideal socialista. As premissas de uma reelaboração estratégica surgem da realidade atual. Porque a situação, objetivamente, gera seu oposto, sob formas variadas de contratendências de caráter anti-imperialista e conflitos inter-imperialistas. Elas se baseiam na tendência objetiva de desenvolvimento dessa situação. Na retomada, os ideais não vão ser iguais aos do início do século XX, porque as condições objetivas são distintas. A resposta subjetiva também o será, porque o ideal se regula pela realidade social. A consciência se altera perante as novas realidades sociais, a própria teoria, as concepções e conceitos precisam evoluir para dar conta da nova realidade, amparadas no aumento incomensurável do manancial do conhecimento humano nas últimas décadas.
Torna-se premente, mais que antes, um partido comunista de princípios, que resista a essa ideologização regressiva; capaz dessa reelaboração programática e estratégica; atuando no seio do movimento real, fazendo frente às pressões pragmáticas e liberalizantes, ao oportunismo de direita ou de esquerda; partido de ampla ação política de massas, de sólida formação teórica e convicções ideológicas, e extensas fileiras de quadros e militantes.
Nessa direção, nossas reflexões estratégicas no Brasil nos levaram a superar muitos esquemas de pensamento, num sentido mais realista e concreto. Sem ser extensivo, podemos citar:
Não existe modelo único de socialismo nem caminho único para o socialismo. O centro é a análise concreta da realidade concreta, levando em conta as premissas da sociedade atual, a partir das quais vai se formando o modelo para tal ou qual país. A luta pelo socialismo é internacionalista, mas se desenvolve estrategicamente nos marcos nacionais, no terreno de cada nação tomada em sua especificidade, em ligação com a luta anti-imperialista em escala mundial.
Alcançamos uma visão mais dialética no sentido de que não se passa diretamente do capitalismo ao socialismo, sem um conjunto de transições, fases e etapas. Transição ao socialismo é assunto de largo prazo, de vias complexas e tortuosas. Demanda o poder político por forças renovadoras sob hegemonia dos trabalhadores, equacionar acertadamente o desenvolvimento das forças produtivas a partir do que se herda, a afirmação nacional, uma ampla elevação dos padrões de vida material e espiritual de todo o povo, e padrões de liberdade e solidariedade, com mecanismos de gestão democrática da sociedade mais complexos e mediados que o atual padrão liberal-burguês.
Derrubamos desde 1995 o princípio tácito de que no caso brasileiro haveria duas etapas programáticas distintas. Em nossa experiência no Brasil, em função da sua realidade estrutural, definimos que a “transição preliminar do capitalismo ao socialismo” é o objetivo central programático a ser alcançado, não se tratando, portanto, da socialização plena. Para se aproximar deste objetivo estratégico de uma transição ao socialismo, nas condições do Brasil atual, é imprescindível o êxito da luta pela superação do projeto neoliberal, cuja estratégia geral foi fixada no 11º Congresso, e que envolve simultaneamente as lutas de ideias (para desmascarar os interesses de classes ocultos pelo pensamento neoliberal), social (para organizar os trabalhadores e o povo – a força motriz fundamental – e dar uma base concreta para um novo ideário, mais democrático e avançado) e política (com o objetivo de alcançar instrumentos para implantar um novo projeto para o país).
Questão objetivamente central para a perspectiva socialista hoje, nas condições de nosso país, para a superação do padrão neoliberal, é o do desenvolvimento econômico acelerado, democrático, com soberania nacional. Os processos transformadores, revolucionários, dependem da deflagração de profundas mudanças e de grandes acontecimentos em escala mundial, mas o curso revolucionário se dará nos marcos das realidades específicas, peculiares, de cada país. O desenvolvimento soberano, com distribuição de renda e valorização do trabalho, é a grande bandeira política para atender aos reclamos dos povos e nações, e exige ruptura com a ordem financeira predominante.
Dominamos melhor a dialética sobre a necessidade de uma política justa, síntese de nossos ideais e objetivos, fruto da análise concreta da realidade concreta, e de que a tática é justa quando não se desliga da estratégia, está em relação com nossos objetivos programáticos. Sem uma política justa não há fortalecimento nem unidade do Partido.
Atuamos hoje em fase de acumulação estratégica de forças, e precisamos saber lidar com todas as formas intermediárias, transitórias, de aproximação dos objetivos estratégicos. Há portanto forte componente processual na estratégia, sem desconhecer rupturas em graus variáveis e progressivos (ou regressivos). Portanto, é indispensável uma política flexível e uma forte ação política de massas junto às forças sociais motrizes, como instrumentos para construir a hegemonia de forças avançadas, inclusive no plano das convicções. Combinando ajustadamente a ação política de massas com a atuação em amplas frentes políticas, dentro e fora de governos, tendo por base ideias avançadas de um novo projeto para o país.
Buscamos compreender as mudanças na classe dos trabalhadores, em perfil, tamanho, composição e identidade. Ela vai se engrossando hoje, ao mesmo tempo em que se torna mais heterogênea e até fragmentada em sua identidade. Ela abarca um contingente crescente de assalariados, inclusive dos setores médios que vão se proletarizando, muitos técnicos, engenheiros, pesquisadores, na produção material e de bens imateriais. Mas ela encarna o trabalho como o agente central da produção de mais-valia e de reprodução do capital. Essa posição não muda. A nova situação aponta para uma mudança do paradigma da aliança operário-camponesa, para uma ampla frente da classe operária com os trabalhadores em geral, na cidade e no campo, mais os pequenos e médios camponeses, a intelectualidade e a juventude, outros setores intermediários até segmentos empresariais interessados num projeto nacional de desenvolvimento. Essas são as forças motrizes da estratégia.
Vamos compreendo melhor que a luta eleitoral se põe na atualidade como expressão concentrada da luta política e da disputa de projetos políticos na sociedade, meio pelo qual se vem abrindo caminho a governos democráticos, progressistas e mesmo de caráter revolucionário na América Latina. Ao lado disso, com a conquista de governos se alcançam meios avançados e concretos para falar e promover políticas voltadas às grandes camadas populares, gerando identidade política e eleitoral com uma base social determinada. Por isso, a frente de luta na esfera eleitoral-institucional é irrecusável e precisa ser enfrentada com determinação para lutar pela hegemonia nas difíceis correlações de forças existentes para os comunistas. De onde se põe a singularidade política de se integrar de forma plena a essa esfera de luta e não tangenciá-la.
Pensando a partir dessa perspectiva estratégica, parece claro que a organização política vai assumir feições próprias para lutar pelo projeto em cada realidade nacional. O tema Partido precisa ser pensado na resposta a essa situação. Que podemos extrair, em aproximações para sucessivas concretizações?
Primeiro, o Partido Comunista deve ser a consciência avançada de nosso tempo. Partindo dos fundamentos do marxismo-leninismo, desenvolver a teoria revolucionária, inclusive a teoria de partido. Sua estrutura e ação precisa incorporar modos de desenvolver a luta de ideias, inclusive no seu interior, como também em relação com os polos avançados do saber fora do Partido.
Segundo, o PC deve ser o instrumento que organize a luta pelo projeto político estratégico do Partido. Esse projeto deve ser tornar mais tangível e ser infundido, perseverantemente, a todos os aspectos da vida e luta social da qual participa. Isso implica em ser um instrumento de ampla ação política de massas, valorizar o pensar político, saber atuar no curso dos movimentos sociais, com suas particularidades próprias muito marcantes na história de nosso país, sem desprezar a rica tradição de movimentismo em nossa história e na do próprio movimento revolucionário socialista. Portanto, estabelecendo uma rica relação entre Partido e movimentos, além de o Partido constituir seus próprios movimentos de massa, e não se recusando a atuar também nas esferas institucionais.
Terceiro, o PC está em fase estratégica de acumulação de forças, caminho tortuoso, que vai conhecer vaivéns, fluxos e refluxos, atuando, na nossa circunstância, em legalidade e eleitoralismo como forma de luta de forte centralidade, no seio de amplas frentes políticas onde nem sempre o PC é força predominante. Vai precisar, portanto, ser extenso e numeroso e adquirir musculatura eleitoral, participando inclusive de esferas de poder local e nacional. Vai sofrer muitas pressões provindas desse ambiente de liberalismo. Por isso, precisa adotar medidas conscientes e efetivas de contrapeso, para não se perder no pragmatismo imediatista. A vida interna vai ser mais conflitiva, exigindo desenvolvimentos dos mecanismos democráticos e institucionalidade do Partido, e dos referenciais mais avançados de valores militantes, políticos e normativos, para perseverar em seu caráter.
Quarto, o PC deve saber trabalhar sua identidade de modo contemporâneo. Um socialismo renovado, com o jeito e a cara do Brasil como dizem os jovens, de sentido patriótico e anti-imperialista, tendo por base uma ampla democracia e participação popular. Identidade que acentue aquele aspecto da identidade partidária patriótica ligada à questão nacional e mesmo latino-americana, dos grandes líderes e mártires da independência, e dos grandes movimentos unitários do povo, anti-imperialistas.
Quinto, o PC é o instrumento essencial da construção do sujeito político central da revolução social, o proletariado. Isso implica centralidade de estudos e esforços para abordar a crua realidade da vida e luta dos trabalhadores, infundindo-lhes identidade e consciência de classe.
Sexto, o PC deve perseverar em seus fundamentos de partido de compromisso militante, de unidade ideológica e com centralismo democrático. E deve ter características renovadas de estruturação, de modo a que o apelo à militância se faça tangível para a vida dos cidadãos e cidadãs, e para fazer aderir mais fortemente a prática da militância à realidade social. Isso implica em conceber mais ampla democracia interna sob direção centralizada e a reformulação do papel e critérios da militância, dos quadros, das organizações partidárias, das normas e regimentos de vida interna. Falamos especificamente de PC de massas como expressão da necessidade de uma ampla e extensa formação militante, portanto, de características de sua estruturação. Saber ver aí não apenas os princípios e o principismo, mas respostas funcionais a nosso projeto político e às tradições e características da luta do povo brasileiro. E na essência, conforme o 11º Congresso, assentado numa sólida estrutura de quadros compromissados inteiramente com o Partido, os trabalhadores e sua causa.
Publicado em 23/3/2007